Todos os anos, no começo de março, as redes sociais são tomadas por debates sobre empresas e indivíduos darem rosas e parabéns para as mulheres no dia 8 de março
. As peças publicitárias costumam ser um show de horrores e não tem muito o que a gente possa fazer além de explicar que esse dia não é uma homenagem à condição feminina, mas uma data para lembrar de como tem sido difícil a vida das mulheres em nossa sociedade.
Contar a história dos movimentos feministas não é nenhum incômodo, mas parece que em relação ao 8 de março não está funcionando. Por isso, ao invés de combater aqueles que insistem em nos dar presentes, aí vai uma lista feita com todo carinho para presentear as mulheres da sua vida, seja no 8 de março ou em qualquer dia do ano.
1- Fim da violência de gênero
Uma mulher é morta no Brasil a cada 7 horas. O Brasil é um dos países no mundo que mais mata mulheres. No caso das mulheres cis , ocupamos o quinto lugar no ranking mundial de feminicídio da Organização Mundial de Saúde. Nele leva-se em consideração o número de mulheres que morrem no contexto de violência doméstica. O Brasil é também o país que mais mata transexuais no mundo. Em 2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas.
Em 2020, 120 mil casos de lesão corporal decorrente de agressão doméstica foram registrados. A taxa de homicídios para cada 100 mil habitantes foi de 64 para mulheres negras e 63 para mulheres não negras (brancas, amarelas e indígenas). Nove em cada dez casos, a mulher foi morta por um companheiro ou ex-companheiro.
Além disso, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os registros de violência sexual vêm crescendo anualmente. A média é de 180 crimes por dia. A maioria das vítimas tem menos de 13 anos. 75,9% dos agressores são conhecidos das vítimas, em sua maioria padrastos, pais, tios, primos, vizinhos e amigos da família.
Para mudar essa situação precisamos fortalecer iniciativas que favoreçam a educação sexual e que sejam cumpridas todas as garantias legais que existem para a proteção das vítimas, como as medidas protetivas que impedem que os agressores se aproximem das vítimas, além de um sistema legal que ampare as mulheres desde a denúncia até o atendimento médico.
2- Igualdade salarial e de oportunidades de trabalho
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres ganham menos do que os homens em todas as ocupações. Mesmo com uma queda na desigualdade salarial entre 2012 e 2018, as trabalhadoras ganham, em média, 20,5% menos que os homens no país.
As mulheres também correspondem à maioria dos desempregados no país: de um total de 93 milhões de ocupados, apenas 43,8% (40,8 milhões) são mulheres, enquanto 56,2% (52,1 milhões) são homens.
As mulheres pretas ou pardas continuam na base da desigualdade de renda no Brasil. No ano passado, elas receberam, em média, menos da metade dos salários dos homens brancos (44,4%). Além destas desigualdades, mais da metade das mulheres se sente discriminada no mercado de trabalho com relação à idade ou pelo fato de serem mães.
Para mudar essa situação precisamos de investimentos em creches públicas e dentro das empresas, horários flexíveis e programas de contratação de mão de obra feminina - além, é claro, do cumprimento que já está na lei.
3- Maior representatividade na política institucional
No ranking de representatividade feminina
no Parlamento (elaborado pela Organização das Nações Unidas), o Brasil ocupa a posição 134 de 193 países pesquisados, com 15% de participação de mulheres. São 77 deputadas em um total de 513 cadeiras na Câmara, e somente 12 senadoras entre os 81 eleitos. A subrepresentação também se repete com relação às mulheres negras, trans e indígenas.
Você viu?
Já no ranking de representatividade feminina no governo, o Brasil ocupa apenas a posição 149 em um total de 188 países. O governo de Jair Bolsonaro tem somente 9% de representatividade feminina, com apenas duas mulheres entre os 22 ministros. A média mundial é de 20,7%.
Na América Latina, o país com maior representatividade política feminina é a Bolívia, que hoje tem, em média, mais de 50% de parlamentares mulheres em suas casas legislativas. Ruanda, está em primeiro lugar, com 61,3% de mulheres atuando na Câmara e 38,5% no Senado. A Suécia, por exemplo, tem 52,2% de parlamentares mulheres.
A maior presença de mulheres políticas da mulher tende a se traduzir em mais políticas públicas que favoreçam esta população (como você poderá ver em nossa reportagem especial sobre mulheres na política, que será publicada dia 8 de março). Mas, para isso, é fundamental que as mulheres eleitas estejam comprometidas com uma agenda progressista e de promoção da eqüidade entre gêneros.
4- Atendimento médico de qualidade para todas as mulheres pelo SUS
No Brasil, o atendimento médico gratuito e de qualidade pela rede pública de saúde ainda é bastante deficitário em relação aos problemas que atingem especificamente às mulheres cis e transgêneras , bem como pessoas com útero que não se identificam como mulheres (não-bináries e homens trans ).
Esses problemas incluem violência obstétrica, falta de preparo ou preconceito no atendimento ginecológico de mulheres bi e lésbicas e de homens trans; lentidão entre o diagnóstico e o tratamento de doenças como câncer de mama e colo de útero , gordofobia médica , entre outros.
Precisamos garantir que todas as pessoas que têm direito ao aborto legal
o possam fazer em segurança, se assim o decidirem. Que as mulheres vítimas de violência doméstica e/ou sexual tenham atendimento rápido e acesso garantido aos contraceptivos de emergência e a todos os medicamentos para prevenir o contágio do HIV e outras ISTs. Por isso tudo, defender os direitos de todas as mulheres é defender o SUS.
5 - Uma política de desencarceramento
Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) o Brasil possui hoje mais de 759 mil pessoas presas. As mulheres correspondem a cerca de 5% da população carcerária do país, cerca de 37 mil. Apesar de serem minoria, o número de presas tem crescido numa proporção bastante alta: 567% nos últimos 15 anos.
O Infopen aponta que mais da metade das mulheres presas são negras: até 2018, elas integravam 62% de toda comunidade de mulheres em privação de liberdade. No mapeamento realizado em março de 2020, do total de mulheres presas 12.821 são mães de crianças até 12 anos, 434 possuem idade igual ou superior a 60 anos.
Em dois anos, 3.527 mulheres conseguiram ser beneficiadas pela decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que permitiu a substituição da prisão preventiva para domiciliar de presas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência.
Além das graves condições de saúde a que a população carcerária é submetida - intensificadas pela pandemia da Covid-19 - o aumento de mulheres presas tem consequências para as desestruturação de suas famílias, já que muitas vezes tratam-se de mães solo e/ou responsáveis pelo sustento do lar. Por isso precisamos uma reforma nos mecanismos punitivos visando penas alternativas para crimes não-violentos para conter o avanço do encarceramento e os problemas relacionados a ele.
Por um 8 de março de flores e bombons
Há mais itens que poderiam estar nesta lista. Mas como se trata de uma primeira iniciativa vamos ficar com elas. Não se tratam de soluções individuais, mas de ações que requerem engajamento coletivo para acontecer. Nós, do iG Delas , procuramos contribuir com isso trazendo informação. Não apenas sobre os problemas que atinge as mulheres, mas contando histórias de quem se empenha para que um dia eles sejam apenas parte do passado e para que um dia o 8 de Março possa ser apenas sobre flores e bombons.
*
Fhoutine Marie é editora do iG Delas e doutora em Ciência Política