O discurso de ódio sempre existiram na sociedade. Devido ao anonimato, a Internet é uma ferramenta que facilita ofensas direcionadas aos grupos considerados minoritários na sociedade. Entre eles, estão as mulheres , que são o segundo grupo que mais sofre ataques de grupos pautados em discurso de ódio no Facebook, perdendo apenas para a comunidade negra.
Segundo a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, foram registradas 4,2 milhões de denúncias anônimas nos últimos anos que reportam discurso de ódio na internet. Desse total, 37 mil denúncias são relacionadas a postagens que incitam preconceito e violência contra mulheres .
“Ao passo que lá residem locais de apoio e debates virtuais, há um sentimento forte de comunidade para pessoas que tinham medo ou vergonha de proferir seus pensamentos, mas que agora não os têm mais”, explica Juliana Antunes, professora da FGV Direito Rio e supervisora da Clínica de Direitos Fundamentais da universidade.
O acesso barato e rápido, a sensação de anonimato e o imediatismo dos ataques foram fatores que fizeram com que a internet se tornasse a plataforma perfeita para os ataques. É o que afirma a ‘ Cartilha de Orientação Para Vítimas de Discurso e Ódio ’, criada por núcleos da FGV Direito Rio com a Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
No entanto, Antunes reforça que não é só porque o ataque é on-line que ele não pode se transformar em violências na vida fora da tela, que podem custar até a vida da vítima. “A pessoa não tem como saber a gravidade das ofensas, mas até as mais suaves podem desencadear agressão física posterior”, diz a advogada.
Como exemplo, Antunes cita o caso de Lola Aronovich, professora, pedagoga e ativista feminista argentina que reside no Ceará, cujos ataques misóginos que sofria na Internet passaram para a realidade, quando passou a receber ligações em sua casa e ameaças.
“O reitor da universidade em que ela trabalha foi ameaçado de morte caso não a demitisse. Esses danos atrapalham a vida pessoal e profissional das mulheres, tiram a segurança de seus locais de trabalho e suas residências, podendo partir para uma ameaça de vida”, afirma.
“O ápice do caso dela antes disso é que ao tentar registrar boletim de ocorrência, Lola era perguntada se conhecia o agressor, ao que ela dizia que nunca tinha o visto. Por esse motivo, as delegacias não podiam registrar”, continua. O caso de Aronovich se tornou referência para criar a Lei nº13.642/18, que ficou conhecida como Lei Lola e permite a investigação de perfis que propagam discurso de ódio e conteúdo misógino na Internet.
Mesmo assim, delitos motivados por misoginia e baseados em discurso de ódio contra mulheres continuam a acontecer. Antunes cita os casos do Tiroteio em Realengo, em 2011, e do Massacre de Suzano, em 2019, em que atiradores entraram em escolas para assassinar estudantes. “Esses crimes tiveram origem em redes sociais, grupos e fóruns de ódio da Internet”, diz.
Para proteger mulheres e grupos minoritários, Antunes afirma que é importante não entender as postagens como “só uma palavra” ou “uma brincadeira", mas as consequências são reais. “Reforça o sentimento de tratar o outro como inferior e se objetifica aquela pessoa ou grupo por meio de um gesto, imagem, símbolo ou estereótipo ”, diz.
O limite da liberdade de expressão
Antunes afirma que existe um equívoco ao relacionar discurso de ódio como uma censura à liberdade de expressão. “A liberdade de expressão, assim como muitos direitos democráticos, sofrem limites e restrições. Nenhum direito é absoluto”, explica.
Apesar da discussão sobre discurso de ódio ser muito mais evidente nos dias atuais, desde 1989, a Lei nº7716 prevê de dois a cinco anos de reclusão para este tipo de crime, principalmente quando está relacionado aos crimes de racismo e injúria racial. “Ao proferir ofensas a uma pessoa eu não estou exercendo uma liberdade, mas cometendo um crime”, diz.
Como posso me proteger de discurso de ódio
A advogada afirma que é importante coletar provas ao menor sinal de injúria ou de que está sendo vítima de discurso de ódio. Antunes diz que é importante documentar tudo com capturas de tela, os prints, e salvar as imagens em um pendrive, CD ou DVD. “Salve nessas mídias pois podem invadir seu computador e apagar os prints. Tenha várias cópias”, explica.
Na hora de fazer o print, não se esqueça de captar a maior quantidade de dados possível como a URL (endereço do site) da postagem e do perfil. “Mesmo que se trate de um perfil fake ou que o agressor apague a postagem, fica mais fácil identificar o agressor”, diz.
Manter o post no ar também é fundamental para comprovar a veracidade do conteúdo que for usado para a denúncia. “Aquele e-mail, post ou comentário é sua única prova. Então, por mais que seja doloroso, é importante que ele fique no ar”.
Se for muito difícil reviver o caso ao reler as postagens, é possível pedir ajuda para um amigo ou familiar para arquivar as provas. Em hipótese alguma compartilhe o material com o discurso de ódio, mesmo que tenha boas intenções. “A chance de atrair pessoas semelhantes devido ao algoritmo é muito maior”, diz. A advogada salienta ainda que o apoio emocional e o acolhimento da vítima é muito importante, seja oferecendo apoio ou fazendo julgamentos.
Ao ter todas as provas coletadas, a advogada recomenda procurar um cartório e fazer uma ata notarial. Assim, você comprova que as conversas que está apresentando para a denúncia são verdadeiras e não estão manipuladas de qualquer maneira. “Munida da ata e dos prints, é importante fazer o boletim de ocorrência o mais rápido possível, em qualquer delegacia. Com esses dados, pode ser mais fácil identificar o agressor”.
No mais, é importante motivar que a pessoa que se sentiu lesada entenda a gravidade do ato e faça uma denúncia. “Um ponto bastante positivo é que tem crescido a responsabilização desses criminosos. Por isso, é importante lidar com comportamento nas redes de modo igual a como seria na vida pública. Temos que criar essa consciência”, afirma.