Um abuso sexual é capaz de mudar totalmente a vida de uma mulher . No caso de Carol Goulart, que é evangélica e coach de inteligência emocional, essa afirmação foi uma realidade durante muito tempo. Há três décadas, Carol foi molestada por um homem de sua família. Agora ela ajuda mulheres a superar  o trauma e seguir em frente.


A própria coach passou por abuso sexual cometido por uma pessoa da família: 'me senti vazia'
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A própria coach passou por abuso sexual cometido por uma pessoa da família: 'me senti vazia'




Além dela, Carol afirma que outras duas mulheres de sua família foram estupradas por homens da família. Uma terceira sofreu tentativas de abuso por um amigo próximo da família . Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, levantamento elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a maioria dos homens que cometem um estupro são conhecidos da vítima , cerca de 84,1% dos casos. Apenas em 16% o violador é uma pessoa desconhecida.

Carol conta que sua fé sempre esteve com ela, que se considera uma cristã. “Eu estava há 10 anos na religião, mas até isso não me preenchia. Eu tinha crises de tristeza e existência, não sabia o porquê de eu ter nascido, não sabia para o que eu servia. Eu era vazia”.

Mesmo com um curso técnico em Patologia Clínica e de ter iniciado a graduação em Química, Carol ainda assim não se sentia feliz ou realizada. Foi quando começou a fazer um curso de mentoria de inteligência emocional que começou a sentir que poderia usar isso para ajudar a si mesma e às pessoas. “Eu precisei me encontrar e cair para dentro de mim, me entender e me resgatar para depois poder ajudar a resgatar essas meninas”, diz.

A ideia começou a se tornar realidade quando compartilhou sua vontade de ajudar outras mulheres com a pastora de sua igreja, Thais Ferreira. A coach revelou que queria fazer uma ação para ajudar mulheres que passaram por situações como a sua ou de suas familiares.

“As mulheres estão doentes e eu não acredito que isso seja coisas de agora, mas que são da infância, que precisam ser tratadas. Elas precisam falar”, diz Carol sobre a conversa com a pastora, que cedeu a igreja para receber encontros com um grupo pequeno de mulheres. Das oito participantes, ela afirma que ao menos duas viveram situação de abuso sexual .

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Cada turma de treinamento é gratuito e dura cerca de três sessões, que acontecem em sábados intercalados -- segundo Carol, para que as mulheres tenham tempo de praticar exercícios de reflexão propostos nas aulas.

“Primeiro a gente fala sobre desenvolvimento, para ensinar essas mulheres a conversar e a não ter medo. O segundo é a identidade, em que questionamos quem ela é. No terceiro faço uma proposta para pensarem sobre seus futuros. Quando chegam, essas mulheres não têm sonhos”, explica Carol sobre a dinâmica dos treinamentos.

Na aula final, em que as vítimas são ensinadas a olhar para frente, elas são colocadas de frente para um espelho. “Quem não consegue falar antes geralmente fala nesse momento em que se encara. Falam da dor, falam sobre quem elas são. E aí elas começam a ter vontade de falar sobre o que aprenderam para outras pessoas”, conta.

Quando se trata sobre a “doença” das mulheres, que é o abuso cometido por outros, Carol afirma que já viu muitas situações dolorosas. “Teve uma mulher que foi abusada. Ela engordou demais porque ela comia, comia, comia de propósito. Ela engordava para os homens não olharem para ela”, diz.

Apesar de sua fé, Carol afirma não ser guiada pela religião na hora dos treinamentos. Ela chega a passar a Bíblia como uma leitura para as vítimas, mas por conta dos provérbios. “Eu peço para que elas leiam como um livro de ensinamentos, como um livro qualquer”, diz. A coach também faz indicações de filmes como ‘Desafiando Gigantes’, ‘Duas Vidas’ e até mesmo ‘Click’, comédia estrelada por Adam Sandler.

“Eu digo a elas para falarem coisas que elas são. Elas escolhem 50 adjetivos a elas mesmas e peço para que falem de três a cinco diariamente. ‘Eu sou vitoriosa’. ‘Eu sou vencedora’. ‘Eu sou uma boa mãe, uma boa amiga’. Elas precisam se ouvir dizendo isso para acreditar nelas mesmas”, afirma.

Acolhimento e religião


Ela acredita que a igreja está se abrindo para esses assuntos de maneira positiva, mas reconhece que esse número ainda é pequeno. Questionada sobre se o assunto abuso sexual ainda é tabu para a religião, Carol não nega. O principal motivo, segundo ela, é a maneira simplista usadas pelas igrejas para olhar para os próprios fiéis.

“A igreja fica naquele negócio de doutrina e não olha para o ser humano como um todo. Eles sabem que Deus é triúno, mas não veem o ser humano da mesma forma, como corpo, alma e espírito”, justifica. 

Ela completa: “É muito fácil colocar a mão ali na cabeça da pessoa e orar mas não tratar a alma. As emoções estão na alma, você precisa tratar a raiz do problema. Tudo bem, tem que ter a palavra revelada, mas também precisamos entender a neurociência, a psicanálise, a psicologia, a inteligência emocional… É um contexto que precisa ser estudado”.

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