Na tarde da última terça-feira, 04, as redes sociais foram tomadas por manifestação de indignação após a divulgação do vídeo da audiência do caso de Mariana Ferrer . As cenas divulgadas mostram o advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho exibindo fotos sensuais da modelo e se reportando diretamente à vítima, que chegou a implorar ao juiz para ser respeitada.
O réu André de Camargo Aranha foi absolvido. Segundo a reportagem publicada no site The Intercept, que divulgou o vídeo da audiência de Mariana Ferrer, o juiz acatou a tese de "estupro culposo" defendida pela promotoria. A ideia era que o acusado não tinha como saber saber que a jovem não tinha condições de consentir com o ato. Assim, diz a sentença, André não teve “intenção” de estuprar.
Descaso durante a audiência
No vídeo da audiência Mariana Ferrer chora muito. O advogado em um tom ríspido, manda que ela “pare de dar showzinho”, dizendo que ela faz isso para “ganhar mais seguidores no Instagram”.
"Por que você apaga essas fotos, Mariana? E só aparece com essa sua carinha chorando, só falta uma auréola na cabeça. Não venha com esse seu choro falso, dissimulado e essa lágrima de crocodilo", diz o advogado.
A professora de Direito Penal/Criminologia da FND/UFRJ, Camilla Magalhães explica que não é incomum que advogados de defesa utilizem teses de de desqualificação da vítima como forma de defesa. Mas, o fato de não ser raro, não siginifica que é ético.
“A discussão a respeito desse tipo de defesa envolve tanto pensar na ética quanto nas questões de gênero. O que se espera é que assim como a tese da legítima defesa da honra foi deslegitimada no Judiciário, os argumentos culpabilizantes da vítima com base em dados (verdadeiros ou não) sobre a sua sexualidade venham a ser desacreditados e por fim inadmitidos no mesmo Judiciário um dia”, esclarece Magalhães.
A professora de Criminologia, Fernanda Martins explica que Mariana pode recorrer da sentença. Segundo ela, toda a repercussão que o caso adquiriu - com o apoio de famosos e anônimos, além de uma forte pressão dos movimentos de mulheres em órgãos como o Ministério Público e no Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina - pode contribuir para que o que aconteceu durante a sessão não se repita.
“A forma que ele apresenta as estratégias de defesa, digo, marcos legais, ela pode recorrer através do assistente de acusação, que a defende. Mesmo assim, penso que a forma mais adequada seria uma pressão para que isso fosse denunciado no Conselho Nacional de Justiça do Ministério Público, que é o responsável pela defesa da sociedade e o papel da voz da vítima”, explica Martins.
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A tese do “estupro culposo”
A expressão estupro culposo foi a parte da reportagem que mais chamou a atenção e também foi parar entre os assuntos mais comentados nas redes sociais. A discussão sobre a expressão e sobre sua aplicação no Direito também chegou aos trend topics do Twitter, após a advogada Gabriela Prioli afirmar em suas redes sociais que não discordava da sentença.
Segundo as especialistas ouvidas nesta reportagem é necessário tomar alguns cuidados em relação a essa expressão, que não foi mencionada em nenhum momento no inquérito.
“Aqui precisamos ter alguns cuidados: a sentença não usou tese de “estupro culposo”, tendo, na realidade, absolvido por considerar que não havia provas de que a vítima estava em estado de vulnerabilidade, manifestando-se que, apesar de estar alcoolizada, não teria sido feita prova da sua incapacidade de consentir", diz Magalhães.
Ela prossegue: "Do mesmo modo, nas alegações finais do MP, que pediu a absolvição, também se faz menção a falta de provas da vulnerabilidade da vítima e ao fato de que não há provas de que o acusado drogou a vítima ou sabia que ela estava drogada. Não obtive acesso às alegações finais da defesa e, portanto, não sei dizer se sustentaram tese de 'estupro culposo'”, acrescenta.
Após a repercussão do caso o próprio The Intercept publicou uma atualização sobre a expressão foi utilizada pelo veículo. “A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artifício é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo”, esclareceu o veículo.
Martins explica que expressões como essas que surgem, em tese, para enfraquecer a palavra da vítima. Crimes sexuais têm como principal prova a palavra da pessoa que foi abusada, não são crimes praticados na presença de testemunhas oculares, é a vítima que tem a narrativa. Com isso, uma tese como essa pode levar à impossibilidade de prova nos casos de crimes sexuais em que não haja vestígios a serem periciados.
“Além disso, é uma tese que corrobora uma conduta irresponsável, que ignora as discussões acerca do consentimento e suas manifestações, tema hoje tão discutido nos estudos de gênero e feminismo e que, assim, legitimar o uso da sexualidade por parte dos homens heterossexuais que não se preocupa com as condições do consentimento”, acrescenta Magalhães.
Martins esclarece que essas expressões de cunho machistas infelizmente não são incomuns em caso de estupro e que uma formas de combater isso é levando esses debates para o grande público, assim como aconteceu com a influencer Mariana Ferrer.