Acervo pessoal
"Quem estava atrapalhando minha maternidade eram os pais", diz Tarine Gulusian, 34; na foto, ela posa com seus filhos, Bernardo e Bella


Ninguém nasce mãe solo : torna-se mãe solo . Grande parte desse grupo de mulheres não escolhe criar uma criança sozinha , na maioria das vezes o fazem devido a ausência de um pai, fenômeno nada raro no Brasil. Só no primeiro semestre de 2020, mais de 80 mil crianças não tiveram o nome do pai registrado na certidão de nascimento, segundo Associação Nacional dos Registradores Civis de Pessoas Naturais (Arpen Brasil).

Mas também existem mulheres que querem se tornar mães sem cônjuges e criar seus filhos sozinhas, por meio de uma gestação independente (ou seja, sem a necessidade de um companheiro com fertilização usando banco de sêmen). É o caso da influenciadora digital Tarine Gulusian, 34, que aproveitou os recursos da ciência e da medicina para realizar uma fertilização em vitro e gerar um filho sozinha.

De acordo com Rodrigo da Rosa Filho, ginecologista obstetra especialista em reprodução humana e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH), a  procura pela gestação independente geralmente ocorre por dois motivos: avanço da idade ou quando as futura mãe passou por relacionamentos que não acabaram tão bem e, por isso, decidem passar por uma gestação sozinhas, como é o caso de Tarine.


Em depoimento ao iG Delas, Tarine fala sobre a decisão de ter uma gestação independente, o julgamento que enfrentou de pessoas na Internet e detalha como o processo a impactou psicologicamente. Além disso, ela busca provar para outras mulheres que elas não precisam de um relacionamento para se realizar na maternidade . Confira.

"Eu sempre fui uma mulher muito materna. Quando eu era pequena, eu só pensava em quanto tempo faltava para eu virar adulta para poder ser mãe, é algo que eu sempre quis.

Na minha vida eu nunca foquei muito em relacionamentos, nunca me dediquei ao máximo e esse até foi um dos poréns [para querer gerar um filho independentemente], mas acabou que eu tive duas  gravidezes na minha vida, uma aos 22 e outra aos 30 anos, de relacionamentos diferentes.

Tudo foi muito problemático nesses dois casos. Meu ex-parceiro e eu ficamos juntos por bastante tempo depois que meu primeiro filho, o Bernardo, nasceu. Depois nós dois terminamos e começamos novos relacionamentos . Foi aí que um monte de problema começou na Justiça. Ele pediu a guarda. É aquela revolta de homem quando uma mulher entra em um novo relacionamento e aí é uma loucura, né? Aquela briga por guarda , aquela discussão toda. Depois isso passou, hoje já nos entendemos, mas na época foi horrível.

No caso da minha segunda filha, de outro relacionamento, os processos foram ainda piores, aliás ainda não pararam. É processo em cima de processo, muita briga. Ela é obrigada a ver o pai toda vez. Ela tem que ir chorando, esperneando, gritando que não quer ir, é uma tortura. Já aconteceu de termos viagem marcada para os Estados Unidos e o pai cancelar o passaporte dela de maldade, só para brincar de poder.

Isso foi alimentando cada vez mais na minha cabeça como eu queria ter um filho sozinha , como eu gosto de ser mãe e como quem estava atrapalhando aquela maternidade eram os pais.

Você pode até pensar “ah, mas nem todos os homens são assim” ou “é só manter um relacionamento normal”. Mas eu sou uma pessoa singular, eu não gosto de relacionamentos, não gosto de conviver com alguém 24 horas por dia na minha casa. Não gosto, principalmente, de alguém dando pitaco na educação dos meus filhos . E aí tá aí a ciência para poder me ajudar com isso, né?


Foi em dezembro de 2019 que eu tive certeza de que faria o processo de fertilização em vitro, mas tudo se iniciou mesmo em janeiro de 2020.

Eu pensei que tudo era muito mais simples do que é: você toma os hormônios, você tem os seus óvulos, você fecunda, põe no útero e tá tudo certo. Acontece que não foi bem assim. Esse processo foi muito mais dolorido principalmente emocionalmente. É muito complicado você colocar injeções que você mesma tem que se aplicar para poder ter os óvulos de boa qualidade.

Tem um exame que você faz para medir a sua reserva ovariana chamado anti-mulleriano. O meu tinha dado altíssimo, então eu tinha certeza de que teria muitos óvulos . Mas na verdade eu descobria no ultrassom que não era isso, que eu não tinha tanto quanto eu esperava. Era um bom número, mas eu esperava que tivesse mais.

Você viu?

Você fica cria expectativas e vai se frustrando. Na verdade a gente que pensa errado. Enquanto a gente está no processo a gente não pensa em quantos óvulos ganhamos. A gente só pensa em como perdemos óvulos, ficamos pessimistas, mais ansiosas, muito frustradas. É dolorido. Teve um dia que minha pressão caiu e eu quase desmaiei por conta da injeção que tive que aplicar em mim mesma.

Eu tive sete embriões de ótima qualidade, então é um número maravilhoso. Mas eu só pensava em quanto eu tinha perdido, porque na minha cabeça isso era ruim. Os hormônios que tomei são muito potentes, então fiquei mais delicada, À flor da pele.

Todo esse processo é sozinha, não tem aquela pessoa para te dar apoio. Quem me dava apoio eram meus filhos pequenos, que sempre estavam ali comigo. Minha filha de quatro anos, a Bella, fez tudo comigo, foi em todas as consultas, foi na retirada dos óvulos, ficou comigo na transferência… Eles participam de tudo comigo. Isso foi muito bom para mim.


O processo em si é muito esquisito, muito ruim. Mas meu médico, o Dr. Rodrigo Rosa, me deu todo apoio e esclarecimento, sempre esteve ao meu lado. As injeções são ruins, o processo de retirada dos óvulos é invasivo, a transferência e as expectativas são um pesadelo. A gente se cobra e se pergunta toda hora: “E se ele não ficar? E se não fixar?”.

O lado bom mesmo é o final, quando você consegue o seu prêmio, que é o filho que tanto quer.

Meu ciclo de amizades é muito pequeno porque, de novo, eu não gosto de me relacionar. As pessoas próximas a mim são muito próximas mesmo. São irmãs, mães e amigas que são como irmãs. Por isso, todo mundo me deu apoio. Isso porque todas elas me conhecem bem e sabem que eu queria fazer isso e que eu faria se tivesse as condições emocionais e financeiras para gerar mais um filho. Todos estavam muito seguros da minha decisão.


A complicação foi meu trabalho, que é nas redes sociais. Aí teve um problema, porque eu tenho mais de 200 mil seguidores. E tem muito esse pessoal que faz parte do grupo de juízes da Internet, muita gente sem noção nenhuma do que estava acontecendo apareceu e começou a julgar.

Falavam “pelo amor de Deus não faz isso”, “por que uma pessoa a mais no mundo?”, “você tá brincando de ser Deus”, coisas assim. O julgamento das pessoas de fora foi horrível, bizarro e realmente desnecessário, porque elas não têm a menor noção do que eu passo, do que eu sou e do que eu sou capaz.

Esse meu filho ainda não nasceu. Eu fiz o tratamento e estou esperando a confirmação, na expectativa do positivo. Mas eu já sou mãe solo antes do processo de fertilização.

Não é que eu ache que todas as mulheres tenham que ter filhos sozinhas, acho que é o contrário, que quem tem vontade de ter filho e não têm um relacionamento não precisam se obrigar a ter um só pela vontade de ter um filho. Até porque se ela se relacionar com alguém só pelo filho a coisa não vai dar certo e vai ser a pior decisão que ela poderia ter. Porque o casal que não tem parceria ou cumplicidade é horrível, vira uma guerra. Posso dizer isso porque eu vivo esse pesadelo, e eu só quero acordar desse pesadelo.

Muitas mulheres obrigam a se relacionar para isso, mas quero dizer a elas que elas não precisam de um relacionamento para ser mãe. Agora elas têm essa possibilidade, essa ajuda da ciência e da medicina. Isso é muito possível. Se elas querem ter um filho mas não querem ter um relacionamento com um filho, então que elas se realizem na maternidade primeiro. Um filho não é impedimento de, mais tarde, se relacionar com alguém.

É muito melhor ter um filho sozinha do que ter um em um relacionamento conturbado. Eu vejo muitas mulheres que são casadas e são praticamente mães solo, porque o cara sai para trabalhar cedo, volta tarde, não faz nada com o filho, não ajuda em nada com a criança, não troca, não dá banho. Essa mãe tem que fazer tudo sozinha, são mães solo e não se deram conta.


Quero deixar bem claro que eu não sou contra relacionamentos, não sou uma pessoa que não gosta de se relacionar, eu simplesmente não quero me relacionar afetivamente com nenhum homem ou mulher, ninguém. Pode ser que mais para frente eu tenha essa vontade e me relacione, mas agora eu não quero. Meu papel agora é ser mãe e eu estou muito realizada assim".

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