O puerpério sempre foi um momento muito desafiador para as mães, mas a pandemia do novo coronavírus tornou essa tarefa ainda mais complicada. Sem a possibilidade de receber ajuda de outras pessoas, as mães de recém-nascidos têm se deparado com obstáculos como uma carga mental grande, solidão e medo.
A professora Denise Lugli, 39, afirma que se sentiu muito sozinha desde o parto até o puerpério. Ela descobriu que estava grávida em novembro de 2019, após perder três bebês devido à endometriose. “Foi um bebê muito esperado, mas quando veio a pandemia me senti muito assustada, além do meu histórico, porque ninguém sabia o que estava acontecendo”, afirma.
Medo também foi uma palavra constante durante a gravidez da enfermeira Camilla Jordão, 28, que engravidou um mês depois da pandemia estourar no Brasil. Ela ficou ainda mais receosa porque, durante os primeiros quatro meses da gestação, continuou trabalhando em um hospital. “A tensão foi muito grande. Eu fiquei completamente isolada, tudo passou a ser um grande fantasma”, lembra.
As duas também têm em comum a falta de familiares. Camilla não pode ser acompanhada nem mesmo pelo próprio companheiro nas consultas de pré-natal e, até hoje, apenas sua mãe, avó, tia e irmão conheceram sua filha, Lia. Apenas dois deles a pegaram no colo.
Denise se vê com o tempo sempre apertado diante de tantas tarefas e sem poder contar com o auxílio de outras pessoas. “A recomendação quando eu saí do hospital era de que ninguém podia chegar perto da minha filha, a Marina, além de mim e do meu marido. Foi muito solitário”, diz a professora.
Segundo o psicólogo Ricardo Milito, a rotina da mãe se sobrecarrega ainda mais ao precisar se dividir, sozinha, entre o trabalho, casa, família e filhos. "Elas assumem diversas responsabilidades, o que afeta a saúde mental da maioria das mães que encontram dificuldade de dar conta de todas atividades, não conseguindo encontrar tempo para se cuidar”, explica o profissional.
A exaustão sentida por essas mulheres desencadeia outros sentimentos como frustração, medo e culpa, já que elas acreditam que não conseguem dar conta de tudo. Essas sensações se mesclam aos hormônios, que podem desregular o emocional das mães no início do puerpério.
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Denise comenta que o marido ajudava na medida do possível, tanto com a filha como com ela mesma, já que a professora fez uma cesárea e, por isso, a recuperação pode ser mais dolorida. Mas ele precisava sair para trabalhar. Atualmente, a licença paternidade no Brasil é de uma semana. “A Marina queria mamar, gritava e eu ali tendo de me dividir entre arrumar a casa, fazer comida, trocar a roupa dela”, explica. “O puerpério costuma ser difícil, mas foi pior do que o normal”, acrescenta.
A mãe de Camilla chegou a passar 15 dias na casa da filha, mas não sem antes fazer um teste RT-PCR e passar 20 dias em quarentena rígida. “Foi um alívio contar com a ajuda dela, mas depois ela voltou para a rotina normal e eu tive que seguir tocando o barco sozinha”, afirma a enfermeira.
Apesar de os bebês não serem considerados grupos de risco, ela ainda sente muito medo de expor Lia. “Imagina se no meio desse puerpério tão intenso eu pego a doença. Sabe-se lá quais sintomas vamos ter. A última coisa que precisamos agora é adoecer”.
É importante que as mulheres que estão passando pelo puerpério fiquem atentas aos seus sentimentos, sinais de cansaço e esgotamento. Além disso, o psicólogo afirma que é importante encontrar um momento no dia para relaxar e praticar o autocuidado.
Para conseguir aliviar a tensão que vem sentido no dia a dia, Camilla diz que tem feito aromaterapia com óleos essenciais e tirado a filha para dançar pela casa. Já Denise relata que precisou aprender a abrir mão de muitas coisas. “Comecei a não exigir tanto e cobrar menos de mim mesma. Isso foi primordial”, expõe.
A internet também foi uma ótima aliada tanto para tornar a rotina mais fácil como para combater a solidão desse período. As duas têm usado ainda mais os aplicativos de compras e delivery, por exemplo.
Camilla aproveitou para encontrar grupos de gestantes nas redes sociais e tem participado de diversas videoconferências para conversar com outras mães, que foram a encontrando por meio de seus relatos na internet. “É uma maneira de trocar informações e sentir que você está cercada por uma rede de mulheres que estão no mesmo barco”.
Denise chegou até mesmo a ganhar um chá de bebê virtual de suas amigas, que mandaram presentes de surpresa para a casa dela. “Isso ajuda a mostrar que a gente não tá sozinha e sentir o carinho das pessoas”, se anima.
A professora afirma ainda que usa as redes sociais para que as amigas também possam desabafar sobre seus próprios obstáculos. “O que aconteceu não foi fácil para ninguém e todo mundo teve que lidar com uma situação difícil. É importante também ouvir as lutas que outras pessoas estão enfrentando”, conclui.