Ana (Milena Smit) e Janis (Penélope Cruz) em cena de
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Ana (Milena Smit) e Janis (Penélope Cruz) em cena de "Mães paralelas"

Ainda impactada com o  novo filme do diretor espanhol Pedro Almodóvar, “Mães paralelas” , escrevo esta primeira coluna como forma de assentar todos os sentimentos que o longa atravessou em mim. Como personagem principal, temos a musa do diretor, Penélope Cruz, na pele de Janis, uma mulher de quase 40 anos que acidentalmente vai realizar o sonho de ser mãe. Como coadjuvante (pela definição das premiações, pois Milena Smit foi sensível demais em sua atuação), temos Ana, com 20 anos, grávida por acidente. 

Esta sinopse do filme é o suficiente para quem ainda quer assistir sem ler nenhum spoiler ou análises sobre as diversas nuances que o longa traz. Portanto, se você ainda não assistiu e quer vê-lo antes de ver algo sobre, recomendo que pare sua leitura aqui.

Já eu, mãe de uma criança de três anos e completamente sensível às questões maternas, refleti bastante se ia assistir o filme pois não sabia que tipo de reflexões iam chegar até mim. Até hoje, por exemplo, não consegui assistir séries famosas, como  “Maid”, e até mesmo o aclamado filme “A filha perdida”, por não bancar dores que conheço tão bem, seja por vivência pessoal ou da minha própria mãe e até amigas próximas, escancaradas em arte para o mundo. Por isso, para criar coragem, li diversas reflexões sobre o filme antes de decidir vê-lo.

Um ponto em comum entre todas elas é de que o filme traz observações paralelas sobre maternidade e a guerra civil na Espanha, resultando na ascensão do franquismo - modalidade de fascismo instaurado no país, durante 1936 até 1939. Para além das atuações brilhantes, fotografia impecável e o uso característico da cor vermelha, o que mais li foi sobre como a crítica real e original do filme é sobre os modelos políticos de extrema direita emergirem nos últimos anos, tal qual a menos de 100 anos atrás. Ou sobre como ele não se aprofunda em nada: nem na maternidade, nem na crítica política.

Contudo, Almodóvar gosta de brincar com as misturas de locais entre protagonismos, coadjuvantes e pano de fundo, não só em papeis, mas em temas. Quando você pensa que o diretor está dando enfoque em um tema, mergulhando o espectador naquela trama, deixando o outro completamente de lado, o tema quase esquecido volta e somos levados a um outro mergulho, quase que em outro mar. Oceanos paralelos e mães paralelas. 

Só que assim como todos os oceanos acabam fazendo parte da mesma água, as histórias das mulheres e os questionamentos sobre e a respeito da maternidade (ter o filho ou abortar; aceitar o peso das expectativas que a sociedade patriarcal impõe e ser mãe que se espera, ou não ser essa mãe e até nunca querer filhos; entre tantas outras perguntas) dizem respeito à todas nós, independente da nossa vontade.

Além disso, o nascimento, a morte e a maternidade são inerentes a todes nós. Por isso, de alguma forma, a maternidade no filme alterna sua aparição em protagonismo, coadjuvância e pano de fundo porque ela sempre está presente. Na mulher que sonha em ter um bebê nos braços; na mulher que não ter filhos, mas acaba parindo e foge para ser quem sonhou; na mulher que não quer e descobre a si mesma como mãe; na mulher que aborta; na mulher que não quer e não tem… Somos muitas e múltiplas e cada habitante deste mundo é filho de alguma dessas mulheres.

“Ok, e o que isso tem a ver com o fascismo, as guerras e as críticas políticas?” Antes de mais nada, é preciso entender que a maternidade e o cuidado de crianças são pautas políticas. Porém, isso não quer dizer que devam ser pautadas por homens, como vêm acontecendo nos últimos milênios. Dito isso, também é preciso que a gente recorde quem são as pessoas que iniciam as guerras e estão com o poder de decisão nas mãos a mais tempo: sim, os homens. 

Ainda que o filme tenha sido gravado antes da guerra entre Rússia e Ucrânia acontecer, “Mães paralelas” se consagra como um filme para além de atual, mas atemporal enquanto os conflitos de poder forem sinônimos de uma euforia patriarcal, impondo uma relação de poder, controle e domínio sobre outros, onde quem fica para enterrar os mortos e seguirem a vida em meio à destruição que fica são as mulheres e crianças.

Eu não posso dizer com certeza que a intenção de Pedro Almodóvar é também levantar esta reflexão, mesmo que Penélope Cruz use uma camiseta onde está escrito “we should all be feminists” (todos nós devemos ser feministas) em uma cena em que ela e Ana, tão diferentes e tão iguais, cozinham juntas. Mas afirmo que é urgente que paremos de ver nossas histórias somente como paralelas. É preciso furar a própria bolha para compreender o que é fazer parte deste mar de história no mundo e as partes enterradas à força que a compõem.

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