Cibele Florêncio
Reprodução/Instagram
Cibele Florêncio

Cibele Florêncio, 25, moradora de Caraíba, interior do Rio Grande do Norte, foi coroada vice-campeã de um torneio nacional de xadrez no Brasil em 2021. O feito mostra o esforço desta mãe solo de uma criança de 5 anos, já que ela é empregada doméstica e passava até 12 horas por dia limpando casas. Florêncio competiu no mais alto nível em um jogo considerado elitista, como foi apresentado na série "O Gambito da Rainha".

“As pessoas olham para mim e se perguntam o que diabos estou fazendo lá”, disse ela sobre os outros competidores em torneios – jogadores que ela descreveu como principalmente nerds. “Mas eu uso isso a meu favor”, contou Cibele ao The Wall Street Journal. “Eles baixaram a guarda.”

Gambito da Rainha à brasileira

Ela tinha 9 anos quando começou a jogar. O então prefeito da cidade, ele próprio um aficionado, havia introduzido o treinamento de xadrez no currículo das escolas públicas. Ela ficou obcecada. Agachada sobre um tabuleiro de xadrez no chão empoeirado de sua sala de aula, ganhando das outras crianças sem dizer uma palavra, Cibele logo chamou a atenção dos professores.

“Ela tinha tanto foco, uma habilidade matemática de calcular e visualizar os movimentos futuros de seu oponente”, disse Máximo Macedo, 43, um mestre de xadrez local, eleito chefe da Confederação Brasileira de Xadrez no ano passado. “Eu atribuo isso a algum tipo de mutação genética. Sua perseverança, porém, agora vem de sua educação.”

Ela ainda mora na casa de sua família na estrada principal para Macaíba, onde os troféus de ouro agora enfileiram recantos no telhado e suas medalhas enfeitam as paredes rachadas. Ela jogou alguns de seus melhores jogos na mesa de plástico do lado de fora, disse ela, entre galinhas e coqueiros.

Logo ficou sem adversários dignos em Macaíba, uma cidade de 83 mil habitantes. Foi assim que Cibele encontrou oponentes no computador, seu smartphone envelhecido é um portal para outro mundo. Ela usava aplicativos como o Lichess para jogar contra adversários imaginários e assistir campeões mundiais. 

Então ela começou a trabalhar como empregada doméstica. “Tinha dias que eu ficava tão exausta que não conseguia nem treinar à noite”, disse Cibele. Às vezes, ela ficava acordada no quarto apertado que divide com o filho e o primo, repetindo mentalmente os jogos que havia perdido.

Campeonatos

Com raros patrocínios público ou privado para o xadrez, ela recorreu aos donos de uma das casas que limpava: Ana Lígia Medeiros e seu marido, André Borges, funcionário do ministério da agricultura. "Para ser honesta, não tínhamos certeza se ela iria muito longe... Eu nem sabia que ela poderia jogar", diz a Ana Lígia.

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A então patroa deu à Cibele Florêncio a taxa de entrada de R$ 30 que ela precisava para competir no campeonato nacional no final do ano passado. O torneio foi uma viagem de ônibus na cidade vizinha de Natal. Ela ficou em segundo lugar nas categorias de xadrez rápido e blitz feminino, em que os jogadores normalmente têm três minutos para terminar o jogo.

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“O chefe da Confederação Brasileira de Xadrez veio até mim e disse: ‘Olha Cibele, provavelmente está na hora de você tirar o passaporte'”, disse Florêncio. A Polônia estava prestes a sediar os Campeonatos Mundiais de Xadrez Rápido e Blitz.

Viagem internacional

Ana Lígia ligou para seu primo, um radialista local, que fez um apelo no ar por doações. Faltavam três dias para o Natal e dois dias para Cibele pegar um avião para a Polônia. Foi então que o destino entrou em ação: Marcelo Cascudo, dono de um hospital local, escutava o rádio em seu carro a caminho do trabalho e se ofereceu para ajudar. “Ela lutou sozinha a vida toda, eu só queria mostrar que alguém estava interessado nela, alguém estava ouvindo”, disse Cascudo, que tem uma filha com o mesmo nome da enxadrista, Cibele.

O hospital pagou o voo de Cibele para Varsóvia e o hotel. Os médicos se reuniram para emprestar seus casacos e botas adequados para o inverno polonês. Cibele nunca havia saído do Nordeste, muito menos do Brasil. Essa também seria a primeira vez que ela ia ver a neve.

Patrocínio e emprego fixo

Sem treinamento formal – exceto assistir a cerca de 100 vídeos de xadrez no YouTube – ela perdeu para seu primeiro oponente depois que o tempo acabou. Isso só a deixou mais determinada, disse ela.

O hospital prometeu pagar para ela participar de outros torneios e deu a ela um emprego fixo de limpeza na cidade até que ela pudesse viver do xadrez. Não é estrelato, ela disse, mas um passo à frente de ser uma empregada. Um cirurgião, por sua vez, investiu o dinheiro para um treinador profissional.

“É como o que acontece no jogo”, disse Cibele, explicando a regra da “promoção”. É aí que um jogador pode trocar o peão - a peça de xadrez mais fraca - se chegar ao final do tabuleiro. “Não subestime o peão”, disse ela. “Você leva para o outro lado e pode se tornar uma rainha”, finaliza.

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