Durante muito tempo mulheres negras foram retratadas pela ficção como coadjuvantes. Mas as coisas estão mudando. No ano passado, os dois maiores reality shows do país foram vencidos por mulheres negras maravilhosas e muito diferentes uma da outra: Thelminha e Jojo. Isso absolutamente não muda a vida das mulheres negras no Brasil, mas para quem cresceu bombardeada por imagens de apresentadoras e paquitas loiras, ver mulheres negras vencerem competições decididas pelo voto popular, dá sim, um quentinho no coração.
Isso porque é bom ver uma mulher negra no papel principal, pra variar. Durante muito tempo as atrizes brasileiras só eram escaladas para interpretar empregadas domésticas ou escravas, o que já foi amplamente documentado por estudos sobre teledramaturgia brasileira. Em Hollywood, a falta de atrizes negras em papéis de protagonista pode ser verificada no pequeno número de indicações e vencedoras do prêmio de melhor atriz.
Seria mentira, no entanto, afirmar que as mulheres negras não estão presentes na cultura de massa . Nós estamos. Só que com frequência nos papéis de coadjuvante da jornada do personagem principal - um homem ou uma mulher branca.
Nos últimos anos, a grande indústria cultural percebeu que poderia lucrar das demandas de minorias por inclusão e representatividade e, desde então, o jogo começou a virar - não apenas em termos de protagonismo de mulheres negras, como em termos de diversidade de papéis. Embora estereótipos continuem a ser reproduzidos, eles mesmos andam passando por reformulações, como mostra esse vídeo do The Take sobre o estereótipo da mulher negra forte.
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Diante de tudo isso, quando Carla Diaz colocou a Camilla como coadjuvante de sua jornada como protagonista/mocinha eu fiquei decepcionada, porém nem um pouco surpresa. Afinal, são anos sendo colocadas nesta posição, não apenas nas telas, mas na história. O feminismo negro surgiu justamente por conta da necessidade de evidenciar as especificidades dos problemas que atingem às mulheres negras por conta da dupla opressão de raça e gênero.
Graças à gravidade dessas é que a mulher negra não pode jamais, dentro de um movimento que luta contra a opressão de gênero, ser coadjuvante. Gosto de ser otimista e pensar que nos últimos anos, aos poucos, as coisas estão avançando, pelo menos no sentido de criar modelos positivos que inspirem meninas negras.
Então, da perspectiva de vários participantes do BBB21 (não só da Carla), Camilla pode ser a coadjuvante. Mas acontece que mulheres negras não estão mais dispostas a estarem nesta personagem. Isso pode ser observado nas campeãs dos realities do ano passado, nas participantes negras desta edição do BBB (goste-se ou não de Karol e Lumena ), das parlamentares que atuam na política institucional, cientistas, ativistas e muitas outras que não estão à espera de ter seu protagonismo reconhecido.
Camilla de Lucas já entrou na casa do BBB21 com 2 milhões de seguidores no Instagram. Atualmente ela conta com mais de 6 milhões de seguidores - 500 mil conquistados apenas no dia de sua discussão com Karol Conká. Ela entrou no programa ostentando um modelito assinado , emplacou memes com seu nome ( Prazer, Camilla de Lucas ). Agora ela simplesmente passou por uma mudança de visual bem no meio do programa tirando as tranças (as laces vem aí). Planta faz isso? Acho que não.
* Editora do iG Delas e doutora em Ciência Política