Karol Conká perdeu cerca de R$ 5 milhões desde que entrou no reality
Reprodução/Globoplay
Karol Conká perdeu cerca de R$ 5 milhões desde que entrou no reality



Karol Conká recebeu o título de vilã do Big Brother Brasil 21. A rapper entrou no programa com uma carreira consolidada, turnês nacionais e internacionais e programas de TV. Entretanto, a perda de contratos e de 500 mil seguidores  no Instagram nestes dias de reality show não negam: as chances dela sair da casa com uma  carreira em decadência são enormes.



A curitibana virou alvo de cancelamento após ser acusada de praticar violência psicológica contra o  brother Lucas Penteado e xenofobia contra a sister Juliette Freire . Casos de denúncia de antigos funcionários da cantora também surgiram neste período. No entanto, o reflexo do ódio do público tem passado dos limites, tornando-se em ameaças e ataques à cantora e ao seu filho . Até onde o cancelamento de um artista pode chegar? O trabalho artístico de Karol perdeu a relevância?

Para Nerie Bento, ex-diretora de comunicação da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop e pesquisadora de rap feminino no Brasil, não é possível negar os erros que ela cometeu dentro e fora do reality. “A indústria mainstream constrói semideuses, ególatras, que utilizam dos seus poderes de influência para violentar pessoas. Acredito que os artistas que fazem isso nos bastidores e nos seus cotidianos de trabalho precisam ter consequências, como as financeiras”, diz. 

Entretanto, Nerie explica que o cancelamento tem se tornado, em partes, linchamento virtual. “O cancelamento sempre existiu, nele o artista pode tentar corrigir, melhorar e entregar um novo produto e o público escolhe se vai voltar a consumi-lo. Mas está sendo confundido com o linchamento, que é o julgamento sem direito a defesa, cuja penalidade é o assassinato, simbólico ou real”, explica.

“No imaginário da população, ela, por ser uma mulher negra, não tem o direito ao erro, não tem o direito a ser cuidada, a ser protegida. Ela foi sim a vilã da edição, porém as consequências de que ela vai sofrer vão ser superiores aos outros integrantes. ‘Ela é uma mulher que aguenta tudo e por isso podemos linchar e apedrejá-la’”, complementa Nerie.

Nerie Bento, pesquisadora do rap feminino no Brasil
Instagram/ reprodução / @neriebento
Nerie Bento, pesquisadora do rap feminino no Brasil



A cultura do cancelamento e a mulher negra

No Big Brother Brasil, vários participantes já passaram pela experiência nada agradável de estar na posição de cancelado -- perdendo, além do prêmio de R$1,5 milhão, fãs e oportunidades de trabalho. Na edição passada, a influencer Bianca Andrade, após não tomar lado em uma briga ocasionada por misoginia, foi cancelada nas redes sociais e perdeu seguidores, assim como o participante Felipe Prior, que foi cancelado diversas vezes por falas machistas e  denunciado por estupros fora do reality. Após um ano, no entanto, seguem trabalhando como figuras públicas. 

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Para Kamilah Pimentel, produtora cultural e empresária da rapper MC Soffia, a cultura do cancelamento impacta em grau superior as mulheres negras. “Elas não conseguem nem atingir os números das mulheres brancas quando não estão sendo canceladas. Se a equipe da Karol não estiver segurando todos esses seguidores, ela é capaz de ficar quase sem nada”, diz a empresária.

Kamilah Pimentel, empresária e produtora cultural
Instagram/ reprodução/ @kamilahpimentel
Kamilah Pimentel, empresária e produtora cultural


Segundo Nerie, além de sofrerem mais as consequências de um cancelamento, as mulheres negras são impactadas por estereótipos negativos, ligados a características de agressividade e hipersexualidade, assim como por serem pessoas espalhafatosas e barraqueiras. Para a pesquisadora, a Globo, assim como a edição do Big Brother Brasil, colaboraram na construção dessa representação, em novelas e em personagens como a Globeleza e a Terezinha, personagem do programa "Vai que Cola". 

“Quando entra uma mulher negra dentro do reality você já espera que vai reproduzir esse estereótipo. A Jojo Todynho foi aceita pelo público na 'A Fazenda' porque ela traz esse personagem. Mas nessa edição do BBB temos a Camilla de Lucas, a Karol Conká, a Lumena Aleluia que rompem um pouco com isso. As pessoas esperam que essas mulheres sejam expansivas, mas de um jeito engraçado, de um jeito que é aceitável, do jeito que a Globo permitiu que fosse. E o público viu que não era aquilo”, explica a pesquisadora.


A indústria musical: branca e masculina

Segundo estimativa da agência Brunch, Karol Conká perdeu cerca de R$ 5 milhões , somando shows cancelados, programas de TV e fim de patrocínios. Para Nerie Bento, a perda de contratos surge de um viés racial e de gênero. “O rap historicamente apaga completamente as mulheres da história, a sorte é que ela é uma artista midiática. Entretanto, a indústria musical é majoritariamente masculina, quem detém os meios de produção são os homens, são donos das gravadoras e quem comandam os festivais. Provavelmente a maior parte dos contratantes da Karol foram homens que a cancelaram. Projota que é tão vilão quanto ela não perdeu contrato nenhum até esse momento”, comenta.

A empresária Kamilah Pimentel compartilha da mesma visão sobre o mercado musical. “Com o discurso social ganhando força na internet, as marcas entraram na onda da diversidade. Mas até que ponto elas fazem isso? Uma vez que é cancelado um contrato, automaticamente a marca está cancelando esse artista. Para mim as marcas, os festivais, estão fazendo a mesma coisa que essa massa do cancelamento”, diz.

Karol Conká
Divulgação
Karol Conká



Apesar dos erros da rapper, ambas acreditam que haverá pessoas para acolhê-la. Alguns artistas e figuras públicas já estão se posicionando contra o linchamento nas suas redes sociais, como o músico Rico Dalasam, Anitta e a jornalista Roberta Martinelli do programa "Cultura Livre".

Para Nerie, a ajuda virá de artistas negros. “Vai ser necessário uma rede de apoio, que só virá de pessoas pretas. A questão da imagem é uma questão pessoal, ela precisa se tratar, rever e se reposicionar”, diz Nerie. “Se a Karol vai conseguir se reerguer, eu não sei, vai ser muito mais difícil, pois para chegar até onde ela chegou eu acredito que não foi fácil. Para cair é muito rápido para nós [negros]”, explica Kamilah.

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