Os primeiros corpos tatuados na história foram há mais de 3 mil anos antes de Cristo, quando os curandeiros utilizavam carvão para realizar cortes e desenhos acreditando que isso restabeleceria a saúde dos habitantes de povoados na Europa. Milênios mais tarde, essa arte ganhou tons mais preconceituosos e eram vistas com maus olhos pela sociedade, mas hoje, além de adoradas, elas são consideradas verdadeiras obras-primas.
Aline Monteiro era formada em administração e sempre amou artes, mas nunca havia pensado em trabalhar com algo do tipo. Em 2013, um amigo tatuador pediu para que ela fizesse um desenho em seu corpo, o que a despertou para uma nova paixão.
“Era uma coisa que eu gostava e hoje virou meu ganha-pão", conta. "As histórias das pessoas que eu tatuo são minhas inspirações para criar os desenhos, elas sempre têm algo por trás da tatuagem, então participar disso para mim é muito importante”, comemora.
A partir daí, Monteiro descobriu que universo dos tatuadores é bem fechado, sem brechas para novos artistas, muito pelo fato de ser mulher e preta. Ela explica que se especializou nos desenhos de linhas finas, também conhecido pelo termo em inglês "fine line", e viu seu trabalho ser desacreditado somente por pertencer ao sexo feminino.
“Quando algumas pessoas veem meu portfólio se interessam, mas quando descobrem que sou uma mulher, não querem mais fazer tatuagem. Faço o fine line, mas também tenho trabalhos maiores e eles questionam 'foi uma mulher que fez?' porque acham que eu estou os enganando”, lamenta.
Inclusive, teve de enfrentar uma questão ainda mais profunda, o preconceito racial: Aline já ouviu de colegas de profissão que a pele negra não era "boa para tatuar", algo que ela tenta desmistificar porque esta é uma afirmação que não faz sentido algum.
“Já escutei de tatuadores que a pele negra era ruim de tatuar porque não dá para colocar um trabalho no feed [das redes sociais]. Para eles, a tatuagem não aparece. Isso é preconceito! Sem contar que pessoas pretas que eu conheço falam que não tatuam justamente porque falam que não vai aparecer, que não vai ficar legal.”
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A profissional acredita que essa ideia se deve a dois motivos: o preconceito, que faz com que seus colegas não busquem conhecimento, e também as referências usadas de tatuagem serem apenas para as pessoas brancas.
“O preconceito está enraizado nas pessoas", afirma. "A referência que os tatuadores têm é de profissionais dos Estados Unidos ou Europa. Temos que adequar as cores e desenhos ao público brasileiro. O mais engraçado é que a pessoa chega com uma foto de uma pessoa bem branca, então falta aos tatuadores se adequarem aos desenhos para cada pele”, discorre.
Segundo a tatuadora, pessoas pretas têm tendência a ter quelóides, que é uma hipertrofia da tatuagem, fazendo que ela fique elevada. Este problema, particularmente, é facilmente resolvido com muita calma e paciência do tatuador para não forçar demais a tinta e a agulha.
“Se o tatuador forçar vai formar uma quelóide. As pessoas com pele preta que vão tatuar tem maiores chances de inchasso e não aparece muito o traço, portanto os profissionais acreditam que precisam passar o traço e deixar a tatuagem bem preta. Na verdade, é preciso esperar a pele acalmar, o desenho reduzir seu volume porque ele está ali”, detalha."Esse erro acontece porque os profissionais não têm experiência em tatuar", continua.
Por fim, Aline completa que muitos ficam com a pele ferida porque o profissional sem experiência acaba machucando o local. "A pele negra é muito sensível, mas é só esperar que a tatuagem estará perfeitinha. Se não tiver esse cuidado, vai ficar inchado. De resto, é só ter os cuidados normais ao se fazer uma tatuagem”, encerra.