Longe das academias, Clara Corleone descobriu que os exercícios podem ser muito mais prazerosos se não focarem em pressões estéticas
Acervo pessoal
Longe das academias, Clara Corleone descobriu que os exercícios podem ser muito mais prazerosos se não focarem em pressões estéticas




A atriz e escritora Clara Corleone, 34, enfrentou uma série de dilemas quando começou a praticar exercícios em casa. Adepta da academia e dos exercícios físicos durante toda sua vida adulta, ela precisou se reinventar e descobrir uma nova maneira para continuar se mexendo na quarentena . Com os períodos de isolamento social, veio a oportunidade para que ela pudesse dar um novo significado ao momento de treinar.

Clara entrou em isolamento social no dia 15 de março de 2020, momento em que a pandemia do novo coronavírus começou a se alastrar pelo Brasil. Oito meses antes disso, ela já tinha deixado a academia e sofria com algumas dores no corpo. Então, ela sabia que precisaria continuar se exercitando em casa para se sentir melhor.


No começo, Clara criou uma rotina própria com alguns agachamentos, posições de yoga e abdominais, mas sentiu falta de uma orientação. Ela passou a receber anúncios de plataformas e aplicativos fitness para se exercitar  em casa, mas a ideia a fez rir de descrença diversas vezes.

“Eu nunca tinha levado fé que fazer treino em casa daria efeito. Achava que era mentira. Quando eu via pessoas dizendo que se exercitavam em casa, mostrando fotos de antes e depois, jurava que tinham feito plástica ou alguma outra cirurgia”, lembra Clara. Como seu objetivo de treino era puramente por conta da saúde, e não estética, ela decidiu tentar.

Entre tantas plataformas que os algoritmos começaram a mostrar para as redes sociais de Clara, estava um programa que misturava exercícios funcionais, pilates e ballet, do aplicativo Queima Diária. “A propaganda dizia algo do tipo ‘você precisa apenas de  15 minutos para se exercitar e uma cadeira’. Eu morria de rir. Via depoimentos das alunas e jurava que era mentira”, diz.

A curiosidade falou mais alto e Clara topou fazer uma aula experimental com a professora desse programa. Essa foi a aula que mudou a percepção da escritora sobre o treino em casa.

Pressões estéticas

Antes da pandemia, Clara já se exercitava, mas com o principal intuito de emagrecer. O principal motivo para isso eram as comparações que recebia quando adolescente em relação a seus quatro irmãos.

“Eu sempre fui ‘maior’ que eles, mais cheinha. A comparação me fazia ver meu corpo como um corpo gordo. É evidente que não existe problema nenhum em ter um corpo gordo, mas quando você é adolescente e só vê mulheres magras na televisão e nas revistas ou só convive dentro da própria casa com pessoas magras, a coisa complica”, afirma.

Clara também se lembra que uma revista feminina da época criou um cálculo para que as leitoras pudessem saber qual seria o peso ideal para cada pessoa. O valor era determinado pela subtração do primeiro número da altura e de dez números dos centímetros. “Eu tenho 1,65 metros e teria que pesar 55 quilos. Eu nunca tive e nunca terei 55 quilos, mas na época eu perseguia esse número”, diz.

Em decorrência da pressão pela magreza, Clara desenvolveu bulimia e se tornou obcecada pela ideia de emagrecer. Tudo isso aconteceu entre os 12 e 13 anos. Ela explica que a sensação não era apenas dela, já que suas amigas da época também desenvolveram o mesmo transtorno e o mesmo nível de interesse pelo emagrecimento.

Por esse motivo, desde que Clara cresceu, os exercícios físicos tinham como único objetivo a perda de peso. “Passei mais da metade da minha vida odiando o meu corpo e vendo os exercícios como algo punitivo, um castigo ao qual eu deveria me submeter por ter comido”.

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Para a escritora, as cobranças da sociedade sobre a aparência das mulheresfez com que as atividades físicas se tornassem menos prazerosas, mas apenas algo tolerável. “Os homens praticam esportes com alegria. Jogam bola, lutam capoeira, etc. Nós malhamos na força do ódio, muito focadas na questão estética e no emagrecimento.”

Novo olhar para o treino


Quando diz que sentiu uma grande liberdade quando não precisou mais escolher as roupas “certas” para treinar e passou a poder fazer isso em qualquer horário, sem precisar se deslocar. “Treino no final do dia, quando termino o expediente. Normalmente estou de roupas furadas ou manchadas, já que ninguém vai me ver. Sempre termino de calcinha e sutiã”, diz.

Além da liberdade, a sua própria maneira de treinar mudou. A escrita começou a notar as mudanças em seus músculos e a valorizar tarefas simples que se tornaram mais prazerosas, como dormir, ausência de dores e um fôlego renovado. “Parei de focar no emagrecimento e realmente foquei na saúde. Foi uma das maiores viradas de chave da minha vida”, diz.

Foi quando Clara desistiu de emagrecer que percebeu que começou a perder alguns quilos. Durante seu processo de treino em casa, ela emagreceu de forma saudável e flexível. “Não fiz dietas doidas nem exagerei nos exercícios.”

Mesmo com essa nova visão, ela ainda tem dias em que precisa se lembrar de seu novo propósito. "Às vezes, depois de fazer um treino de menos de 15 minutos em que não suei, uma gota, penso em fazer um novo treino porque aquele não valeu. Então resgato a minha ideia original de que o negócio é se mexer, independente do tempo, do suor e da dificuldade”, explica.

Com o novo significado que passou a dar aos treinos, ela passou a compartilhar em seu Instagram sobre seu processo. No Instagram, Clara passou a divulgar sua experiência com o Queima Diária. “Passei de abril a junho falando sobre, indicando, fazendo stories. Estava completamente apaixonada”, diz.


Além disso, passou a comentar sobre o aplicativo com as amigas, até que uma delas incentivou Clara a usar um link que dá descontos. O engajamento foi tão alto que, em setembro de 2020, veio o convite para se tornar embaixadora da plataforma.

Até hoje, Clara escreve textos para inspirar e motivar mulheres a treinarem para se manterem saudáveis, não magras. Para isso, ela começou a compartilhar os seus próprios antes e depois, além de experiências no dia a dia. “Essa honestidade cativou muito as pessoas, e também envolve ser honesta sobre dias de desânimo para treinar, de preguiça e de cansaço”, explica.

Essa sinceridade é a base do trabalho de divulgação que Clara tem feito para ir na contramão, por exemplo, da divulgação dos exercícios físicos feitos por mulheres conhecidas como “musas fitness”. Para a escritora, as “musas fitness” são mulheres que criam, por meio das redes sociais, a ilusão de uma vida perfeita e totalmente voltada para os cuidados com o corpo.

“Meu problema com as ‘musas fitness’ é que a maioria delas pinta uma vida perfeita em que às seis da manhã já estão vestidas com roupas lindas, malhando na beira da piscina. Às seis da manhã, eu estou desligando o meu despertador deitada na cama abraçada na minha vira-lata. Não imagino quem consegue pular cama com essa energia no meio de uma pandemia que matou meio milhão de pessoas”, explica.

Além de falar sobre sua rotina de treino em casa, Clara também aborda outros assuntos que a interessa, o que mostra para outras mulheres que sua vida não se restringe apenas aos exercícios físicos. “A gente pode gostar de fazer tudo, ter múltiplos talentos, múltiplos interesses. Quando falo sobre cinema, livros, política, música, sobre meus amigos e sobre fazer exercícios em casa, é porque essa sou eu. Não é todo mundo assim?”, diz.

“Eu não preciso ser só a mulher que malha em casa, ou a mulher que escreve e lê livros ou a mulher que faz ensaio nu e posta meme. Eu posso e quero ser todas as mulheres do mundo. Limitar é muito chato”, acrescenta.

Academia? Nunca mais!

Depois de descobrir as possibilidades do treino em casa, Clara diz que não tem planos de voltar para a academia. “Além das facilidades, economizo quatro vezes mais do que na última academia que frequentei. Não consigo pensar em um motivo sequer para voltar a frequentar esse tipo de ambiente. Para que me submeter, por exemplo, a olhares de homens assediadores?”, diz.

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