Dilma Rousseff quando ainda era presidente da República
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Dilma Rousseff quando ainda era presidente da República

Na última quarta-feira, 14, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU)  absolveu  a ex-presidente  Dilma Rousseff por prejuízos provocados à Petrobras na compra de refinaria de Pasadena.  O fato aconteceu em 2006 e foi um dos alvos de investigação na Operação Lava Jato. Na época, Dilma era ministra de Minas e Energia do governo de Luís Inácio Lula da Silva, a quem Rousseff sucederia quatro anos depois, se tornando a primeira mulher a ocupar a presidência da república no país. 

Quase cinco anos depois de seu processo de impeachment, algumas questões ficaram em aberto. Entre elas as chances de outras mulheres de chegar à presidência novamente. Na última eleição, a única mulher a participar dos debates como cabeça de chapa foi a ex-senadora Marina Silva Rede Sustentabilidade). Algumas candidaturas optaram por mulheres na condição de vice: Boulos/SôniaGuajajara, Haddad/Manuela Dávila, Ciro/Kátia Abreu, Alckmin/Ana Amélia. Foram derrotadas pela chapa Bolsonaro/Mourão. 


Joanna Burigo, especialista em Estudos de Gênero, comenta que capacidade de mulheres comandarem cargos altos, seja em política ou em qualquer outra área, sempre foi contestada. Isso aconteceu com Dilma que, durante seus mandatos, Dilma foi alvo de piadas misóginas, fake news e violências verbais. Eram ataques que miravam não em seu governo, mas na condição feminina.  “Ela foi exposta, sobretudo pela mídia, a muito vitriol político que tinha um tom de gênero e um tom de misoginia”, diz.

A advogada e doutora em Ciências Criminais, Fernanda Martins afirma, que a destituição de Dilma foi um golpe patriarcal . "A votação no Congresso, no qual esteve no centro das narrativas a defesa da família, própria à nação evangélica, à família cristã, de bem ou calcada nos valores de Deus. Ou seja, a defesa da família dos tradicionais papeis de gênero".

Martins explica que foi no âmbito do discurso da “família tradicional” que se desenvolveram, nos últimos séculos, mecanismos centrais de opressão de gênero e sexualidade, como a histerização feminina. Por isso, quando os deputados evocaram a defesa da família como justificativa para o afastamento de Rousseff, o que estava em jogo não era sua gestão, mas reconduzir as mulheres ao lugar que a cultura machista julga ser o delas: o espaço doméstico.


Nesse sentido, dois momentos foram emblemáticos para entendermos o machismo como fio condutor na produção da legitimidade do impeachment. O primeiro deles é a capa da revista Veja São Paulo (18 de abril de 2016), com uma foto de Marcela Temer com a chamada: "Bela, recatada e "do lar". Marcela é casada com Michel Temer, que tornaria presidente do país após a deposição de Rousseff.

O segundo exemplo dado por Martins é a capa da revista Isto É, de 1º de abril de 2016, que traz uma foto em close do rosto de Rousseff com a chamada"As explosões nervosas da presidenta". As duas capas reforçam a ideia de que as mulheres não são adequadas para a arena política por um suposto descontrole emocional e, por isso, seu lugar apropriado seria no espaço doméstico e seu comportamento ideal, a beleza e o recato. 

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Uma mulher no mais alto cargo político do país 

O adesivo citado por Burigo quando os preços da gasolina aumentaram
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O adesivo citado por Burigo quando os preços da gasolina aumentaram

Burigo relembra que ter quebrado essa barreira do patriarcado - ser uma mulher no posto de mandatária máxima da nação - fez as críticas a seu governo fossem acompanhada de violência misógina . O melhor exemplo disso foi o horrendo adesivo para carros, em que a presidente aparecida retratada com as pernas abertas no local onde se introduz a bomba de gasolina. 

"Nenhum momento, nenhuma crítica a nenhum dos homens que a precedeu ou sucedeu foi feita com eles de pernas abertas com um tanque de gasolina. (... ) Um adesivo com uma mulher de pernas abertas, com o rosto da ex-presidente e a válvula de abastecimento entre as pernas, foi uma alusão bastante fálica ao aparato do posto de gasolina e uma alusão bastante direta a um estupro punitivo pela administração, pela gestão política dela", diz.

Na avaliação de Burigo, a eleição de Dilma também gerou uma série de ameaças ao poder masculino. “Tanto é que ela apresentou essa ameaça que o recrudescimento de políticas patriarcais que seguiu ao impeachment da Dilma foi bastante evidente, bastante claro”. Martins completa, dizendo que os ataques mais violentos contra Rousseff ocorriam no esforço de reforçar a posição de “mulher” que ela deveria representar.

“Era séria, forte, não recuava nas decisões, características que muitas vezes fizeram com que ela fosse relacionada com os atributos de  masculinidade. Esse era um dos pontos centrais. Se as piadas se davam em virtude de ela ser uma mulher que não cumpria os mandatos de gênero, ela se tornou uma opção viável para disputar a corrida presidencial por esses mesmos motivos", acrescenta.


O que muda no cenário político de 2022? 

Livre de algumas acusações que levaram ao processo de impeachment, o cenário para Dilma Rousseff mudou. Não se sabe as intenções políticas da ex-presidente, mas Burigo ressalta que com os processos judiciais brasileiros ocorrendo de formas justas, pode ser inspirador para as mulheres que queiram entrar no mundo da política. 

Hoje o Brasil tem um dos menores índices mundiais de participação política de mulheres no parlamento , ficando atrás de países como Bolívia, Venezuela e Ruanda.

“Acredito que para as mulheres poderem seguir carreira política é muito importante que a gente tenha confiança nas instituições, e o Poder Judicial é uma das instituições mais importantes das quais a gente precisa ter confiança. Então, acredito que quando processos judiciais correm seu curso de forma justa, é muito importante porque pode ser visto como encorajador para que mulheres sigam uma carreira política”, conclui.


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