Com a chegada de julho, também chega uma época esperada pelas crianças brasileiras: as férias escolares . Mas, se antes esse período era marcado por brincadeiras na rua, bagunça e novas amizades, a nova fonte de diversão dos pequenos agora é outra - as telas.
Sem tempo de preparar atividades e brincadeiras, muitos pais aderem aos celulares e videogames para o entretenimento dos filhos nesse período. Celulares, tablets, computadores, videogames e televisores são os novos companheiros das crianças nos horários livres.
É o que conta a última pesquisa divulgada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil: houve um aumento significativo no percentual de crianças, na faixa etária de 9 a 10 anos, que acessam a internet. O aumento foi de quase 15 pontos percentuais, passando de 79% em 2019 para 92% em 2021.
“Desde o início da infância, tem sido observado que as telas têm efeitos negativos”, explica o pesquisador e neuroeducador Fernando Henrique Lino. O especialista cita a pesquisa da Universidade da Califórnia que demonstra que crianças que passam mais de duas horas na frente de telas têm a probabilidade de desenvolver problemas como hipertensão, diabetes, sedentarismo e obesidade.
“Já quando se trata da saúde mental , as telas podem agir como catalisadores. Por exemplo, se uma criança já tem dificuldades em socializar com outras crianças, as redes sociais podem intensificar sentimentos de solidão e levá-la a se isolar socialmente, entrando em bolhas digitais. Isso foi comprovado por vários artigos, que mostram que o relacionamento entre pais e filhos influencia bastante o comportamento deles nas redes sociais”, complementa.
Lino detalha que se o relacionamento dos filhos com os pais são menos saudáveis e há menos tempo de qualidade com eles, as crianças tendem a buscar mais contato online com outras pessoas, o que pode resultar em envolvimento em dinâmicas perigosas.
O uso excessivo de telas também pode afetar profundamente a autoestima das crianças. Elas são ainda mais vulneráveis à comparação e aos efeitos da distorção de imagem promovida pelas redes sociais. “Elas tendem a se comparar com os outros, o que pode levar a uma distorção da autoimagem e baixa autoestima”, diz a educadora parental com especialização em Análise de Perfil e Neurociência Comportamental, Stella Azulay.
“O tempo excessivo de tela retira a criança do mundo real, limitando sua capacidade de criatividade e interação com o ambiente ao seu redor. O uso de telas pode se tornar viciante”, complementa.
E, nas férias, sem a interação social promovida pela escola, as crianças deixam de brincar com amigos e se envolver em atividades ao ar livre, coisas que são extremamente importantes para sua formação e saúde mental.
O que fazer?
É consenso entre os especialistas que, nas férias, os pais precisam dedicar mais tempo de qualidade aos filhos, mas é importante frisar que existem diferentes estratégias para diferentes faixas etárias.
“Uma coisa é colocar em prática uma estratégia para reduzir o tempo de tela de uma criança de 7 anos, e outra coisa é lidar com um adolescente de 15 anos. Obviamente, eles estão lidando com ferramentas muito diferentes, e os adolescentes têm demandas de independência, enquanto as crianças de 7 anos precisam de supervisão quase integral enquanto estão nas telas. Para isso, existem ferramentas diferentes”, aconselha Lino.
Já que a sociabilidade oferecida pela escola deixa de ser possível em julho, para crianças mais novas, vale incentivar a interação com amigos do condomínio, prédio, rua ou da escola, convidando-os para brincar ou visitar um ao outro, além de levar as crianças para parques ou espaços ao ar livre.
Brincadeiras ao ar livre, jogos de tabuleiro e leituras são ótimas opções para qualquer criança aproveitar o recesso escolar. “Tudo depende da estrutura familiar e dos hobbies que eles têm. É importante considerar a cultura da família e suas preferências”, complementa Karla Lacerda, pedagoga e diretora do Colégio Progresso Bilíngue Santos.
Para filhos mais velhos, incentivar a busca por hobbies também é algo positivo. Seja música, pintura, escrita, fotografia ou culinária, ter um hobby mantém a mente ocupada e faz muito bem à saúde mental.
O voluntariado também é uma opção. Seja em um abrigo de animais, uma instituição de caridade ou uma ação comunitária, o voluntariado oferece uma oportunidade valiosa para seu filho se conectar com os outros e fazer a diferença na comunidade.
Antes de aplicar essas mudanças, é preciso conversar com as crianças e deixar muito claro o que elas significam, afirma Lacerda. “É muito interessante estabelecer limites e ter conversas sobre isso. Não adianta impor limites sem que sejam entendidos e absorvidos por todas as partes. Portanto, é importante ter muitas conversas e entender como o seu filho e a sua família se relacionam com o uso das telas.”
Lino afirma que, quanto antes os pais estabelecerem limites para a utilização da tecnologia , melhor para toda a família, já que eles enfrentarão menos resistência dos filhos.
“No cenário em que os pais esperam o máximo para dar um celular para a criança, é recomendado fazer um termo de compromisso. Eu inclusive sugiro que os pais o escrevam e deixem claro quais serão as responsabilidades do filho em relação ao aparelho. Fazê-lo assinar esse compromisso cria um marco e ajuda a criança a entender que, ao receber o aparelho, ela ganha novas responsabilidades. Isso diminui a probabilidade de situações saírem do controle”, conta o especialista.
Vale lembrar que as telas podem sim ter benefícios nesses momentos, mas é preciso ter cuidado. Para Lino, tudo depende dos hábitos de consumo de telas e da interação com a tecnologia que a família já tem durante o período escolar.
“É importante lembrar que muitos jogos utilizam telas e videogames, e possuem uma dinâmica social importante, especialmente para crianças. É comum que eles joguem juntos durante as férias com seus colegas de classe. Portanto, é importante considerar esses aspectos”, diz. Não é necessário excluir as telas da vida dos pequenos, mas sim usá-las com consciência e responsabilidade.
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