Há dois anos, uma menina de 12 anos pediu que Stevan de Melo Pinto levasse o skate dele para a fisioterapia, pois sabia que o fisioterapeuta praticava esse esporte. O profissional disse que "sim" e cumpriu sua palavra, só não sonhava que isso o motivaria a criar algo bem maior, o projeto voluntário “SkateAnima”, que ajuda crianças com deficiência a realizarem essa prática radical.
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“Levei e foi um desafio enorme. Com a ajuda do andador, coloquei os pés dela no skate e foi uma alegria imediata. A partir daí, comei a pensar em como poderia prender o pé dela naquela superfície”, conta Stevan em um papo com o Delas. As técnicas foram evoluindo e vendo o efeito positivo que causou na garota, teve a ideia de criar um projeto para que outras crianças também vivenciassem essa experiência. Foi então que nasceu o "SkateAnima".
O projeto tem o objetivo de adaptar e desenvolver métodos para que crianças com algum tipo de deficiência possam andar de skate. Stevan já usava o objeto como recurso terapêutico em sua clínica, a Studio Neuro, pois com ele é possível trabalhar o equilíbrio mesmo que a criança esteja sentada. “Eu acredito que na fisioterapia precisamos ter um papel motivador, principalmente quando trabalhamos com crianças. Precisamos envolver a parte lúdica nesse processo, só assim fazemos com que elas tenham vontade de fazer os exercícios”, expõe.
Esporte radical para todos
Andar de skate é visto como um esporte radical e desafiador para qualquer pessoa, portanto ver um filho com deficiência fazendo algo considerado por muitos como quase impossível é o que motiva o profissional e os pais a apoiarem esse projeto. “Os pais ficam instigados sobre como isso vai funcionar e esse sentimento dá uma motivação extra. Mostramos para eles que aquelas crianças têm potencial para desenvolver outras práticas esportivas e que não precisam ficar limitadas”, relata Stevan.
Para conseguir fazer as adaptações, o fisioterapeuta realiza oficinas para, junto com os pais, criar os mecanismos necessários para colocar a criança em cima desse objeto de quatro rodas. “Se ela usa um andador adaptado, por exemplo, e fora isso não consegue mantar as pernas muito abertas, pensamos juntos com os pais, que sabem melhor que ninguém das limitações do filho, o que podemos criar que seja funcional para aquela criança”, explica o especialista.
Adaptações são necessárias
Quase todos os participantes precisam de adaptação para fixar os pés no skate, para isso, são usados vários tipo de materiais como banda elástica, pedaços de borracha e itens recicláveis, como lona de pneu. Além disso, alguns pequenos também precisam do apoio de um andador para se manterem em pé.
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Na verdade, cada caso é um caso, já que no projeto não há restrições - crianças com qualquer tipo de deficiência podem participar, seja lesão medular, lesão genética, problema auditivo, de visão, condição como a síndrome de down, entre outros. A maioria dos participantes, entretanto, foi diagnosticada com paralisia cerebral.
“A paralisia causa alteração no tônus muscular comprometendo a parte motora e isso varia, podendo ser nos membros inferiores, apenas em um lado do corpo ou também nos quatro membros. A deficiência cognitiva, diferente dos que muitos pensam, não está sempre associada à paralisia cerebral, às vezes, só a parte motora é afetada”, fala Stevan.
Emoção evidente
Luciano é uma das crianças com paralisia cerebral que participa do projeto. A mãe dele, Adriana Clezar Lousado, conta que levou o filho para participar porque o garoto adora esportes radicais. “Em nenhum momento fiquei com medo, pois ele estava nas mãos de um excelente profissional”, garante.
É o garoto quem aparece nas imagens abaixo, ao lado de Stevan. Assista ao vídeo:
Ao subir no skate, a emoção do garoto ficou evidente. “A experiência de ver meu filho praticando aquele esporte foi algo inexplicável. Vi a felicidade, a alegria no olhar dele, o sorriso e ali pude ver que ele pode tudo”, fala a mãe emocionada. “Meu filho pode tudo como qualquer outra criança, ele não precisa ficar em casa sem fazer nada. O Luciano pode praticar esportes, basta que seja adaptado para ele. As pessoas com deficiências podem quebrar barreiras. Para nós, pais, é uma felicidade enorme saber disso. É emocionante saber que meu filho pode tudo” completa.
Expansão do projeto
O projeto já foi desenvolvido na rua, em uma escola municipal de Porto Alegre que trabalha com alunos de inclusão, e até em um shopping. “É maravilhoso poder ir além do ambiente terapêutico, quero disseminar essa ideia em todo o estado. Tenho a pretensão de ir a escolas, APAE e outros lugares para mostrar que as crianças consegue fazer isso, que elas têm potencial, basta quebrar a cabeça e fazer uma adaptação”, afirma fisioterapeuta, que também começará a divulgar a ideia nas redes sociais.
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Sentindo-se realizado, Stevan sonha em fortalecer e expandir o que é oferecido pelo SakateAnima. O profissional está conversando com alguns parceiros que atuam nessa área para conseguir ajuda e ampliar a iniciativa e contemplar outros esportes radicais. Logo, as crianças também vão poder experimentar a sensação de praticar stand up e escalada.
“Sinto uma satisfação muito grande, porque tenho uma ligação com skate, sempre gostei de andar. Sou muito realizado profissionalmente, pois amo trabalhar com a fisioterapia neurofuncional. Consegui juntar o esporte com meu trabalho e isso está encorajando as famílias”, finaliza.