A história delas se cruzou quando uma largou a confeitaria e foi fazer o curso de mecânica básica oferecido pela outra. Rebecca Menezes e Sandra Nalli têm em comum o amor pelos carros e a coragem de enfrentar o preconceito em um segmento dominado pelos homens. Também tiveram de passar pelos departamentos administrativos quando conseguiram vagas em oficinas mecânicas, mas superaram as desconfianças e chegaram aos motores, parafusos, torquímetros, macacos e manômetros.
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Sandra Nalli foi menor aprendiz aos 15 anos em uma oficina, mas ficava com a papelada. Sempre que conseguia, corria para a oficina. Nesta empresa, aos 22 anos trocou definitivamente a área de vendas pelo cargo de líder de serviço, o profissional que dá o diagnóstico para os clientes. "Meu chefe foi super relutante, disse que não ia me dar o cargo na carteira. Fui fazer um treinamento e só tinha homens na sala, perguntaram se eu não estava na sala errada. Sofri bastante, era loirinha, baixinha, eu ia atender e era assustador. "É você que vai dirigir meu carro', perguntavam os clientes". Nalli trabalhou por 19 anos nesta empresa, teve sua faculdade de administração custeada por eles, mas ela queria mais.
"Comecei a dar aulas na Fundação Casa e fiz a proposta de dar um curso de mecânica para aqueles meninos. Assim nasceu a Escola do Mecânico e é um trabalho transformador", lembra. A escola virou um negócio por volta de 2013, 2014. Havia meninos bolsistas e pagantes, todos querendo ter uma formação. Mas era preciso ir além e arrumar vagas para eles no mercado de trabalho.
"Naquela época, eu pegava as Páginas Amarelas e ligava oferecendo os alunos", conta. De lá pra cá, essa busca por vagas se transformou no app Emprega Mecânico, uma espécie de Tinder do mercado automotivo, que une os alunos às oportunidades do merecado.
Desde que criou o aplicativo, gratuito para empresas e candidatos, são aproximadamente 60 mil vagas abertas por dia e mais de 5 mil empregos gerados nos últimos anos. Hoje, aos 41 anos, a empreendedora já acumula 10 redes próprias e 25 franquias em vários Estados brasileiros. Conta com um time de 720 pessoas, dos quais 50% são mulheres.
“Também aumentou a procura de mulheres para formação e atuação no setor automotivo. Percebemos que quem procura os cursos está atrás de um ofício, uma profissão ou mesmo empreender o próprio negócio. Em 2017, começamos com 70 mulheres formadas, 1.8% do total de alunos matriculados, e, hoje, já são mais de 1500, o equivalente a 10% do quadro de alunos”, comemora.
Em 2021, foram formadas 320 mulheres, o equivalente a 3,2%, 10 vezes mais e, desde então, inspiradas pela trajetória e jornada da fundadora, a procura pelos cursos de mecânica tem aumentado ano após ano.
Da confeitaria para a graxa
Rebecca Menezes foi a primeira mulher a se inscrever no curso de mecânica básica. Vinha de uma experiência com confeitaria e, a despeito da expectativa da família, que queria que ela seguisse na gastronomia, migrou para a área de mecânica de automóveis. "Pesquisei curso que aceitasse mulheres e achei a Escola do Mecânico. Com 17 para 18 anos, ela ingressou na área, mas entrou como auxiliar administrativa. Assim como Sandra, sempre dava uma escapada para ficar na oficina.
"Enfrentei preconceito, foi difícil no começo, me davam cargo administrativo, vendas, era um desafio ser mulher e mexer nos carros. Hoje, até os homens gostam do atendimento, dizem que tem mais capricho, mais cuidado", diz Rebecca, que atualmente é funcionária da empresa PneuStore, graças ao aplicativo Emprega Mecânico.
“Depois do básico, fui fazendo outros cursos específicos de elétrica, injeção, suspensão”. Foi a única mulher em todas as turmas. Sua especialidade, porém, é mexer com suspensão, freios e pneus, mas entende também de motores, serviços de montagem, balanceamento e alinhamento.
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Hoje, é aluna do Senai, faz curso técnico de mecânica automotiva. Rebecca é mais uma das mulheres que desafiou a si mesma e as estatísticas. No país, segundo levantamento da General Motors (GM) do Brasil, as mulheres representam 46% do atendimento em oficinas mecânicas.
Rebecca faz parte de um projeto de atendimentos tipo delivery com uma van. “Eu tenho uma rotina de trabalho e uma média de quatro atendimentos por dia. Em geral atendo apenas mulheres, porque percebo que elas me deixam mais à vontade para perguntar sobre o serviço, sobre o carro, tirar dúvidas que, às vezes, elas não teriam abertura com um mecânico homem”, afirma Rebecca.
Aos 22 anos, noiva de um rapaz que se enche de orgulho de sua profissão, Rebecca sonha em montar uma rede de oficinas. Juntar conhecimento e experiência para não só mexer em carro popular, mas em modelos avançados e tecnológicos, que exijam mais conhecimento. “Eu percebo que falta esse tipo de serviço em cidades do interior porque falta mão de obra especializada por lá, daí eu abriria filiais e mais filiais com esse tipo de atendimento”, diz entusiasmada.