A vida de Marileide Andersen, conhecida como a escritora Mary Guedelha , parecem um roteiro de filme de terror: nascida em Belém (PA) e morando nos Estados Unidos há mais de 28 anos, ela conheceu um homem que passou de "o homem de sua vida" para um criminoso procurado pela polícia e que aplicava golpes em mulheres com quem se relacionava.
Este é o enredo da série “Dirty Jonh - O golpe do amor”, disponível na Netflix , que conta a história de John Meehan, o sociopata estadunidense que seduzia mulheres para roubar o dinheiro delas, além de cometer vários outros crimes, como roubos de remédios, falsidade ideológica e até mesmo tentativa de assassinato .
Entre suas oito vítimas, está a escritora Marileide, hoje com 56 anos, que conta o sofrimento que passou nas mãos do psicopata em entrevista ao iG Delas
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Mentiras
No final de 2012, Marileide acordou no quarto de um hospital depois de uma cirurgia feita para retirar alguns tumores no cérebro, em Laguna Beach, no Condado Orange, na Califórnia. A primeira pessoa que notou assim que abriu os olhos, foi a figura de um médico fazendo carinho em seus cabelos.
Ele se apresentou como John Meehan e disse que era anestesista do hospital. “Eu estava dopada e acordei com ele do meu lado, perguntando se eu estava bem. Naquele momento, ele parecia preocupado e me deu seu telefone, dizendo que se precisasse era para chamá-lo”, explica.
Aquela foi a primeira mentira que Meehan contou. Ele, na verdade, era um enfermeiro que não podia mais atuar na área após ser preso por roubar medicamentos no hospital e causar a overdose de seu irmão.
Mesmo assim, John ia até os hospitais e enganava toda a equipe. “Ninguém desconfiava que ele estava mentindo porque ele era no que se propunha a fazer. Meu quarto era bem próximo do lugar onde pegavam os remédios. Tenho a teoria que ele entrou lá para disfarçar enquanto roubava os remédios”, acredita.
Algumas semanas se passaram e ela precisava voltar para uma consulta, mas não tinha datas disponíveis. Então, decidiu ligar para John para saber se ele poderia ajudá-la de alguma forma.
“Ele foi solícito e disse que daria um jeito e começou a mudar de assunto. Perguntou como eu estava, falei que estava divorciada, que estava morando em Laguna Beach. Por causa do corticoide, eu tinha ganhado muito peso e não me sentia bem. Ele disse que morava perto e se quisesse poderia correr comigo todos os dias. E assim começamos o contato pessoal e acabamos nos envolvendo”, completa.
Perseguição
Já no primeiro encontro, a brasileira percebeu que tinha algo de errado. John a beijava e parava do nada para perguntar quanto ela ganhava, sobre a casa, o que o ex-marido fazia. “Ele começou a fazer uma lavagem cerebral em mim, ele só falava de dinheiro”, explica.
Apesar de estranhar algumas ações do golpista, Marileide estava apaixonada e achava que talvez estivesse exagerando. Mesmo assim, a brasileira procurou uma amiga, relatou tudo o que acontecia, o que deixou colega com os olhos abertas para a situação e decidiu pesquisar o nome dele na internet.
“Apareceram todos os crimes que ele cometeu. Liguei para ele, disse que tinha visto essas notícias e John se defendeu dizendo que provaria que não era ele. Foi assim que começou a me mandar seus diplomas. Mandou cinco, mas todos tinham nomes diferentes e eu falei que os diplomas não eram dele, John mentiu mais uma vez afirmando que tinha feito várias faculdades”, explica.
Ela começou a se distanciar ao perceber que ele era uma cilada. Um dia, a escritora chegou na casa e viu que as portas estavam abertas, além de perceber que suas joias tinham sido roubadas. As páginas do livro e do roteiro que estava escrevendo estavam voando pela casa. Marileide ficou assustada.
“Entre as folhas, tinha uma que foi arrancada do meu passaporte e estava escrito ‘precisamos conversar’, em inglês. Com medo, fui até a polícia e quando dei o nome dele, a sargenta que cuidou do caso, a Rebecca, disse que precisava do nome dele completo, pois sabia de quem eu estava falando, mas não podia falar sem o nome completo”, lembra.
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O plano
A sargenta ligou para John e disse que não era para ele chegar perto da escritora e que foi feita uma medida protetiva. Dois carros da polícia ficaram de plantão em frente à casa dela, mas, mesmo assim, John conseguia entrar. “Tinha uma luz na escada que tinha um sensor de movimento. Todas as noites, a luz acendia e eu sabia que era ele e passei a dormir com uma faca e um taco de beisebol nas mãos”.
Para pegar o golpista, ela armou um plano com a polícia: ligou para ele e disse que precisava de ajuda para levar US$ 10 milhões (o equivalente a R$ 53 milhões) para o Brasil e perguntou se ele não podia ajudá-la. O psicopata logo aceitou.
Ela pediu o passaporte dele para emitir a passagem, além disso, mentiu dizendo que iria transferir o dinheiro para a conta dele. “Foi assustador porque ele me ligava todos os dias com um tom ameaçador me perguntando onde estava o dinheiro. Eu tinha conseguido o nome completo dele, então, estava confiante que iria conseguir prendê-lo”, completa.
O próximo passo era conseguir o endereço dele, então, Marileide armou um plano com uma amiga corretora de imóveis. “Falei para ele que estava procurando uma casa para morarmos juntos e que ele podia escolher qual quisesse. Fomos todos e ele disse que gostou de uma mansão. Minha amiga disse que a residência estava quase sendo vendida, mas que ele poderia dar um cheque para segurar. Eu disse que não podia, pois minha conta era conjunta com meu ex. Ele se ofereceu a dar o cheque, claro que sem fundos, mas tinha conseguido o endereço”.
Com as provas em mãos, Marileide foi até a delegacia, mas ela estava sendo seguida por Meehan que ligou para ela a ameaçando.
“Ele dizia que iria me encontrar e que me mataria. Eu dizia que isso até poderia acontecer, mas que eu iria prendê-lo antes. Foram dois meses fugindo. Em todo lugar que eu ia, ele conseguia me encontrar. Eu não tinha paz, eu tinha medo pela vida da minha família e do meu ex”, conta.
A prisão
Marileide viveu dias de medo, sofrimento e perseguição até ele ser preso em flagrante. John se declarou culpado da posse de uma arma de fogo, roubo e perseguição. Marileide o encontrou na prisão, queria mostrar para ele que tinha cumprido a palavra.
“Eu falei ‘eu disse que eu te prenderia’ e ele ficou irado e disse que quando saísse de lá, que iria me matar, iria atrás de mim até conseguir isso. Eu fiquei com medo, passei dois anos no Brasil. Até receber a ligação do meu ex dizendo que John foi morto”, diz.
Meehan morreu em 2016, quando tentou matar a filha da sua última mulher, Debra. O sociopata se aproximou de Terra com uma faca e a pegou de surpresa. Uma briga começou, a garota conseguiu que ele largasse a faca e o esfaqueou 13 vezes. John morreu aos 57 anos, quatro dias depois da luta com a ex-enteada, em Newport Beach, na Califórnia.
A história de Debra foi contada na série da Netflix. A brasileira explica que recebeu o convite para ter sua história contada também, mas negou. Um dos motivos era que no documentário “Dirty John: A Verdade Nua e Crua", fala que era uma “multimilionária” e uma “uma famosa escritora brasileira”, que ela diz que foi totalmente distorcido sua fala.
“Eu nunca disse que era multimilionária, nem famosa. Isso me prejudicou. Eu não queria que aquela fosse minha história, distorceram tudo que eu disse para dar mais audiência”, explica.
John Meehan fez parte da vida de Marileide, mas ela não quer que esse episódio faça parte da vida dela, tanto que demorou muito tempo para falar que isso aconteceu.
Ela gosta de falar sobre os livros que escreveu, os roteiros que está produzindo, ou sobre as ONGs que ajuda fora e no Brasil. Ela, inclusive, está produzindo uma série chamada “American Dreams”, uma comédia romântica que acompanha cinco brasileiras nos Estados Unidos. A Netflix e a Amazon Prime têm interesse em comprar os direitos.
“São por essas coisas que eu quero ser lembrada, não pelo o que passei com John Meehan, que ficou no passado”, encerra.