A morte de Viviane Vieira do Amaral Arronenzi, assassinada pelo ex-marido em plena véspera de Natal mostra o quão grave é a violência de gênero no Brasil. Em entrevista à Marie Claire, Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, disse que este "jamais será um crime de amor, mas sim uma manifestação de ódio, de poder, onde o autor mata a mulher que viola as leis do patriarcado, de obediência e submissão".
Viviane, que era juíza, foi assassinada na frente de suas três filhas -- uma menina de 12 anos e gêmeas de 9 -- pelo ex-marido e engenheiro Paulo José Arronenzi. "O assassinato demonstra toda a brutalidade desse tipo de violência, na qual o feminicida é capaz de matar a facadas a mãe na frente das filhas, traumatizando-as e deixando-as órfãs, interrompendo sonhos e projetos de vida, para manifestar seu poder, afirmar-se como senhor do corpo, da vida e da morte de alguém que não correspondeu à sua expectativa de domínio", afirma Silvia.
Segundo dados da Polícia Civil, o engenheiro já havia sido enquadrado na Lei Maria da Penha após denúncia da juíza há três meses, em setembro. Viviane chegou a ter escolta com dois carros de segurança, mas assinou um termo dispensando a proteção.
Vale lembrar que o crime aconteceu menos de uma semana após o juiz Rodrigo de Azevedo Costa, da Vara da Família da Freguesia do Ó, em São Paulo, tratar com descaso as vítimas de violência doméstica em audiência online, minimizando a importância da Lei Maria da Penha. Na ocasião, ele afirmou que "ninguém bate em ninguém de graça".
"O fato do crime ter acontecido na mesma semana em que o colega de profissão da vítima desdenhava da Lei Maria da Penha e portanto do sofrimento de milhares de vítimas de violência doméstica é aviltante e também muito significativo de como estamos falhando enquanto Estado na proteção e garantia de direitos de meninas e mulheres que são vítimas de violência no nosso país", disse Silvia. Para a promotora, as conquistas legislativas recentes, como Lei Maria da Penha e do Feminicídio, devem ser acompanhadas pelo avanço na forma como devem ser aplicadas pelos integrantes do Sistema de Justiça.
"Dessa forma, falhamos sociedade e Estado quando menosprezamos relatos de ameaças, quando acreditamos que o problema cessa com a separação do casal (o que ficou evidenciado nesse caso), quando não garantimos medidas eficazes de proteção ou políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha, inclusive voltadas à educação", disse.. "Nesse ponto, há um paradoxo inaceitável no nosso país: as mesmas pessoas que se dizem chocadas e sensibilizadas quando um crime bárbaro como esse acontece, muitas vezes são as que repudiam a inserção do debate sobre gênero nas escolas, questões que estão diretamente relacionadas", conclui, ainda em entrevista à revista.