Com a chegada "outubro rosa"  crescem as campanhas de conscientização da prevenção e do diagnóstico precoce do  câncer de mama,  o tipo de câncer mais incidente entre as mulheres no Brasil e no mundo. Em alguns casos, o tratamento da doença requer a realização da mastectomia, procedimento que consiste na retirada de das mamas.

Isso pode causar diversos impactos psicológicos sobre as pacientes, uma vez que afeta diretamente a vaidade e a ideia de feminilidade, fazendo com que muitas mulheres, uma vez curadas, busquem a cirurgia para fazer a reconstituição mamária. Contudo, algumas mulheres decidem não se submeter a outro procedimento cirúrgico, passando a conviver com a ausência de uma ou das duas mamas.

É sobre essas mulheres que fala esta reportagem. Ela faz parte de uma série que o Delas tem publicado ao longo do mês de outubro .


Em 2013, a atriz Angelina Jolie, chocou a opinião pública ao revelar que havia decidido realizar uma mastectomia radical (em que as duas mamas são removidas) após um exame mostrar que ela tinha 87% de chances de ter câncer de mama.

Apesar de tê-las reconstruído um tempo depois, a atriz acabou inspirando muitas mulheres a aceitarem seu corpo sem elas após o procedimento e a descobrirem uma nova forma de se sentir mulher.

Débora da Luz (57 anos) e Maria Ercília Vasques (76 anos) são mulheres que se reconciliaram com a feminilidade mesmo após a mastectomia. Ambas optaram por não fazer a recontrução mamária. Em entrevista ao iG Delas , as duas contam como aceitaram o corpo mastectomizado e motivam mulheres a fazerem o mesmo. 

Mulheres contam sobre o processo da não reconstrução da mama após a mastectomia
Arquivo pessoal
Mulheres contam sobre o processo da não reconstrução da mama após a mastectomia


Maria Ercília Vasques

Quando tinha 60 anos, Maria Ercília levou um susto ao descobrir o tumor após o exame da mamografia. "Foi um choque violento. Ninguém da minha família havia tido e eu cresci com um pavor sobre isso. Minha família toda falava que se mexesse com câncer morria", conta. Ela descobriu logo três nódulos em uma das mamas e a mastectomia era mais do que indicada pelo médico. 

Maria Ercília em campanha do Outubro Rosa
Arquivo pessoal
Maria Ercília em campanha do Outubro Rosa

"Assim que eu descobri e realizei o procedimento, o médico já me disse que poderia fazer a reconstrução". Maria Ercília comenta que não queria "nada que não era verdadeiramente dela" em seu corpo, mas que as filhas insistiram. Ela realizou o procedimento, mas pouco tempo depois começou a se incomodar muito com a prótese e sofreu com uma inflamação no corte. "Lá fui eu em uma mesa de cirurgia de novo, para desfazer o procedimento".

Depois de totalmente recuperada, o médico ainda tocou no assunto de uma nova reconstrução, mas Maria Ercília estava decidida. "Eu pensei 'para quê?'. Eu não, já nem fazia questão e se não deu certo uma vez, é porque não era para ser." 

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De acordo com o cirurgião plástico Alexandre Kataoka, assim como aconteceu com Maria Ercília, a reconstrução mamária pode acarretar problemas tais como infecções, problemas de cicatrização e com o próprio implante, como uma ruptura. Hoje em dia ela usa uma prótese dentro do sutiã para não sentir um maior desconforto sem uma das mamas ao usar algumas roupas, mas afirma que não se incomoda com esse fato.

"Não acho que me faz menos mulher. Às vezes fico receosa de usar um decote, por exemplo. Tem roupas que eu tenho que ver bem se fica simétrico, sem buraco, mas nada que me impeça. Se eu gostar, eu vou". Para ela, falta representatividade de mulheres sem os seios vestindo roupas que mostrem a todos que elas também existem.

"No começo foi um pouco mais difícil, porque eu não estava acostumada". Ela conta que sentia vergonha de se olhar no espelho, mas que após conhecer outras mulheres que passaram pela mesma situação através do Instituto Neo Mama, isso mudou completamente. Para ela o problema está também na sociedade acha que a mulher precisa da mama para ser completa.

"Eu nunca quis ou senti a necessidade de fazer a reconstrução, eram minhas filhas que queriam que eu fizesse. Depois que eu reverti o procedimento elas me perguntavam 'nossa, mas vai ficar assim?' e eu respondia que sim, porque era o que eu queria. Mas eu também não sou contra. Vai de cada mulher, mas não é algo que deve afetá-la", afirma. 

Débora da Luz

Débora tem 57 anos e faz jus ao sobrenome que carrega. A mulher diz ter uma gratidão e luz tão fortes dentro de si, que a falta de mama não pôde abalá-la nem um pouco. Ela descobriu o câncer de mama pelo exame do toque, após ter um tumor no estômago em 2007. Ela precisou a fazer a retirada do seio em 2010.

"Sempre fui muito extrovertida e contente de tudo o que eu tenho na minha vida. Não é que eu tirei de letra, mas eu tinha muita fé e sorriso no rosto. O tratamento foi muito pesado, mas nunca deixei de dar risada e acreditar que daria tudo certo", conta. "Se a vida te da limões, você tem que fazer uma limonada e adoçar um pouquinho, né?".

Débora da Luz em campanha do Outubro Rosa
Arquivo pessoal
Débora da Luz em campanha do Outubro Rosa

Débora afirma que levar toda a situação de um jeito brincalhão foi o que fez toda a diferença no processo, além de um grande ritual de gratidão. "Eu só deixei ela (a mama) ir embora sabe. Agradeci por ela ter sido o que amamentou meus filhos, por exemplo. Não era para ser mais parte de mim, assim como outra mama, um corpo estranho". 

Ela conta que lembra de não ter achado ruim nem no dia. "O doutor até me perguntou como estava a cabeça e eu respondi que acima do pescoço", relata. Débora tomou a anestesia cantando a famosa "não se reprima" do grupo Menudo e tudo o que viveu depois realmente passou longe de repressão. "Eu levei minha vida como aquela música do Aliados, sorrindo".

Ela disse que entendeu completamente que não precisava de uma mama e que não seria esse órgão que definiria a sua trajetória como mulher. "Minhas atitudes, o meu gênero, não devem ser modificados por causa de uma mama qualquer. Eu sou a mesma mulher e me sinto tanto quanto quando eu nasci. Sou vaidosa e não é uma mama que vai tirar isso de mim", afirma Débora.

Ela também diz não esconder o corpo mastectomizado de ninguém e que não liga para que os outros vão pensar. "Não tenho vergonha de olhar minhas cicatrizes no espelho, elas me fazem lembrar que eu sobrevivi". Débora diz que independente das suas cicatrizes, não se deve deixar que elas passem para alma e que o segredo é se manter sempre grata a tudo o que acontece e o que você tem.

Ela ainda ressalta que é importante falar sobre isso para outras mulheres para que elas também percebam e não se sintam menos por causa disso. "As pessoas precisam entender que o que importa é a mulher que está dentro de você". 

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