Influenciadora mirim Erlania de Valentina Chaves
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Influenciadora mirim Erlania de Valentina Chaves

A ampla exposição de crianças e adolescentes ao ambiente digital cresceu ainda mais na pandemia. A proporção de usuários da internet entre 9 e 17 anos no país passou de 79% em 2015 para 89% em 2019, segundo dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil.

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Em 2020, o uso da rede foi ainda superior, com 94% dos indivíduos de 10 a 17 com acesso à internet. Desse total, 86% afirmaram usar o WhatsApp, 64% tinham conta no Instagram e 46% estavam presentes no TikTok.

Levantamento semelhante mostrou que, em 2021, 49% das crianças de 0 a 12 anos cujas famílias têm um smartphone também contavam com um aparelho próprio, segundo a pesquisa Crianças e Smartphones.

Os menores de idade, hoje, não são só apenas consumidores de jogos ou sites. O período da pandemia consolidou a audiência de meninos e meninas que também criam conteúdo para as plataformas para as redes, e criou uma incerteza sobre até que ponto essa prática não confronta a legislação que combate o trabalho infantil.

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Vácuo legislativo

O Brasil tem um vácuo legislativo sobre o trabalho artístico infantil, em especial nas redes sociais. Embora o trabalho infantil seja proibido, o desempenhado com viés criativo é mais tolerado, por envolver o direito à liberdade de pensamento e de manifestação artística. No ambiente digital, isso é ainda mais agravado.

Segundo o advogado João Coelho, do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, voltado para a infância, é imprescindível que menores de até 16 anos recebam autorização judicial para tais atividades, como estabelecem o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Organização Internacional do Trabalho.

"A ideia é que o juiz, ao fornecer a autorização, tenha a possibilidade de avaliar se o desempenho da atividade artística vai implicar em algum prejuízo, como alterar a frequência escolar e os momentos de lazer", explica o advogado.

Para a advogada Sandra Cavalcante, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP e autora do livro “Trabalho Infantil Artístico — do deslumbramento à ilegalidade”, a maior presença de crianças e adolescentes na internet democratizou o acesso às redes sociais, com pessoas de diferentes classes sociais e regiões ganhando protagonismo. Mas também evidenciou o despreparo dos pais ao usarem a ferramenta.

"Os pais começaram a disponibilizar os smartphones aos filhos e o grande desafio foi posto. Não podemos demonizar, porque o recurso é uma potência. Mas também é um risco, porque você coloca seu filho sozinho numa praça pública", avalia Sandra.

São muitos os canais no YouTube em que as crianças simulam brincar para atrair seguidores. Um dos mais conhecidos é o dos irmãos Maria Clara & JP, com 33 milhões de inscritos. O canal começou em 2015, com vídeos de Maria Clara, a mais nova. O irmão resolveu participar. O sucesso foi tamanho que eles já foram líderes de audiência do país na plataforma de vídeos. A dupla se tornou uma marca, com seus rostos estampados em livros de colorir, slime e bonecos articulados. A mãe dos irmãos, Ana Carolina, é quem faz o roteiro, grava e edita os conteúdos.

Outro caso notável é o canal de Erlania de Valentina Pontes, com 22,6 milhões de inscritos. O canal foi criado em 2014 pelos pais, Erlania e Marcos, quando a menina tinha 3 anos. Percebendo o interesse da filha pelos vídeos, eles rasparam o limite do cartão de crédito para comprar brinquedos do cenário e começaram a gravar as “novelinhas” em seus celulares, de forma bem caseira. O resultado veio rápido: 1 milhão de inscritos em menos de dois meses.

Com o tempo, a mãe deixou o emprego numa padaria e o pai abandonou o ofício de restaurador de fotos antigas. Com os lucros do canal, a família pagou uma cirurgia para reparação de um problema no olho de Valentina, que nasceu com uma ptose palpebral. Comprou carro e trocou a casa de um único cômodo por uma própria, com piscina. Procurada, a família não respondeu à reportagem.

"No geral, cabe aos pais também garantir que o desempenho dessas atividades seja feito de forma adequada, conforme a lei. Mas a responsabilidade central pela obtenção dos alvarás é das próprias empresas que vão explorar as atividades dessas crianças", analisa Coelho, do Instituto Alana. "Como essas plataformas digitais fomentam a produção do conteúdo e lucram com isso, cabe a elas garantir que as crianças estão tendo seus direitos respeitados".

Proteções parciais

Um relatório recente do Instituto Alana mostra como as plataformas digitais tratam os jovens em diferentes países. Segundo o documento “Plataformas globais, proteções parciais”, há uma “discriminação de design” que resulta em menos privacidade e segurança para eles, dependendo da parte do mundo onde vivem.

Países como Reino Unido, Irlanda, Holanda, França e Suécia têm legislações que exigem a priorização dos interesses das crianças, garantindo que o mundo digital seja, tanto quanto possível, seguro, privado e com a devida proteção aos direitos. Propostas similares estão sendo avaliadas na Califórnia, Austrália e nos países da União Europeia.

Propaganda velada

Em janeiro de 2019, o Ministério Público de São Paulo pediu à Justiça que obrigasse o Google a retirar do ar imediatamente 105 vídeos de sete canais de youtubers mirins. Ao todo, eles reuniam cerca de 14 milhões de seguidores. Para os promotores, os vídeos promoviam propaganda velada para o público infantil.

Os conteúdos exibiam os astros mirins se divertindo com brinquedos da Mattel, comendo itens do McDonald's e acompanhando a programação da TV a cabo Cartoon Network. Os responsáveis pelos influenciadores infantis foram poupados na ação civil pública.

A empresa informou que o processo foi encerrado em dezembro do mesmo ano, depois de um acordo firmado com o MP e o Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar). “O Google e o Conar produziram um manual de boas práticas para propaganda infantil nas plataformas digitais, contendo princípios gerais para nortear a publicidade dirigida ao público infantil, além de elencar formas adequadas de comunicação publicitária voltada às crianças”, detalhou a empresa. O Ministério Público informou que, por se tratar de um processo em segredo de justiça, não pode passar informações do caso.

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