A internet está repleta de debates sobre a melhor forma de como se criar os filhos, diferentes gerações e pontos de vistas constantemente entram em conflitos devido às divergências de opiniões, especialmente quando o assunto é bater ou não em crianças.
Para aqueles mais conservadores, a tradição da punição física deve ser mantida, pois, nessa visão, a palmada, quando não é feita de forma “exagerada” é um meio de educação. Os defensores desse método acreditam que os pais possuem o direito de punir fisicamente os seus filhos, caso considerem necessário. No entanto, existem aqueles que discordam do ato. Os chamados pais "nutellas" repudiam fortemente a ideia de punições físicas e defendem uma educação positiva.
A diarista Sandra Carvalho, de 36 anos, mãe de três filhos, é uma das pessoas a favor das palmadas. Embora acredite que o castigo físico só deva ser aplicado em último caso, ela considera que alguns “tapinhas” possam ser realizados desde que não haja espancamento na criança.
“Acredito que a palmada deve ser feita no momento certo, quando for realmente necessário. Mas primeiro deve haver uma conversa, acontecer um aconselhamento, bater é apenas a última medida”, diz Sandra.
Ela também afirma que as punições físicas atualmente costumam ser muito mais brandas do que em sua época de menina. Sandra conta que, na infância, era corrigida com varas e até mesmo com pedaços de pedras.
“A maioria de nós éramos educados na base da palmatória, algo muito comum na época. O meu pai batia com vara em mim e nos meus irmãos, mas hoje em dia é muito mais leve do que antes”, relembra.
Pais nutellas
Os conceitos sobre educação de crianças vêm avançando com o tempo e agora existem aqueles que discordam do modelo tradicional. Conhecidos como pais nutellas, eles acreditam no método de educação positiva, em que castigos físicos são totalmente abolidos. A digital influencer Andressa Oliveira faz parte desse grupo. Com um perfil de 33 mil seguidores no Instagram, ela compartilha a experiência com a educação positiva.
Mãe de uma menina, ela conta que não se importa com o apelido pejorativo e que conheceu a educação positiva após diversas pesquisas motivadas pelas frustrações causadas pela falta de eficácia da educação tradicional. Ela explica que a educação positiva consiste em criar um respeito mútuo entre pais e filhos e utilizar técnicas educativas cientificamente comprovadas e de longo prazo.
“A educação positiva é um método de relacionamento mútuo entre pais e filhos, baseada nos estudos de psicologia humanista de Alfred Adler. Ele defendia que todo ser humano se descobre a partir do relacionamento com os outros. A educação positiva vai destacar a importância da relação respeitosa na família e pensar no desenvolvimento da criança a longo prazo. Essa é a principal diferença em relação à educação tradicional, que apenas pensa no efeito imediato”, conta a influencer.
Andressa esclarece que, apesar de não haver correções físicas ou gritos de atenção, isto não significa que existe uma falta repreensão ou limites a serem colocados na criança. Na verdade, o que muda é modo como essas correções são feitas.
“A educação positiva trabalha de dentro para fora, diferente da tradicional, em que você apenas bate, xinga, coloca de castigo e não trabalha o erro da criança. A educação positiva defende que as crianças vivenciem as consequências dos seus atos, como forma de aprendizado. Além disso, precisa de muito diálogo para que o filho não se feche para você e não permaneça errando”, explica Andressa.
Ela ainda defende que parte dessa resistência e preconceito à educação positiva partem do sentimento de autoritarismo nas famílias brasileiras. Além disso, ela também pontua como a disseminação da crença do “instinto materno” é prejudicial, pois cria o pensamento comum de que não se precisa estudar ou buscar informações antes de se ter filhos.
“As pessoas não querem perder o posto de autoridade. Acredito que muita gente se nega a conhecer a educação positiva por medo de perderem o lugar em um pedestal. Falta uma cultura de planejamento familiar que, na minha opinião, isso vai muito de encontro com a crença de instinto materno, que os pais vão saber exatamente o que fazer quando os filhos nascerem, o que não é verdade. Para ter um filho precisamos estudar e a educação vem do estudo”, ressalta a mãe.
Violência em cadeia
Em meio às opiniões divergentes, a psicóloga infantil Patrícia Bezerra destaca que, por princípio, bater é agredir. A especialista afirma que há algumas reações que estão encrustadas na sociedade que nasceram ainda nos primórdios da Era das Cavernas, ou seja, são reações tipicamente primitivas em que o ser humano age e nem entende o porquê tivemos aquela ação.
"O ponto mais importante é olhar isso sob o aspecto cultural. Somos motivados por memes (ou memética) ao longo de toda a nossa vida e acabamos por perpetuar formas de pensar e agir, baseados em 'crenças' que, na maioria das vezes, são limitadores, autorregulatórios e até opressores. Resumindo, bater nunca é uma boa opção. É assim que se perpetua o famoso 'um tapinha não dói' que as mulheres conhecem muito bem e essa crença nasceu desde a infância, algo que é sempre bom lembrar”, esclarece.
Algumas famílias que não são adeptas da educação positiva criam mitos sobre uma suposta "superproteção" prejudicial aos filhos e até mesmo que esse formato cria "pessoas frágeis", o que é rebatido veementemente pela ciência. A profissional diz que estudos sobre comportamento apontam que uma educação positiva não gera superproteção, inclusive, porque por princípio ela é adepta a deixar a criança entender a gravidade dos acontecimentos e de suas atitudes pela consciência que o exemplo e a conversa franca traz.
"A confusão aqui é correlacionar educação positiva, com falta de limites. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Você pode educar sem usar violência, mas isso não quer dizer que será passivo diante de algo errado. Até porque se isso for feito não é educação positiva e sim ser omisso, ausente. Isso sim gera ‘pessoas frágeis’ que não entendem o que é limite e o direto do outro”, diz a especialista.
Apanhar dos pais pode impactar diretamente na socialização ou na resolução de conflitos da criança e, mais tarde, na vida adulta. Esse conceito também depende da forma como esse menino ou menina vaicrescer e como serão suas experiências ao longo da vida. Por isso, é preciso considerar também o fato que cada pessoa é um "território" único, assim como as digitais e as assinaturas vocais.
"Mesmo irmãos que tiveram as mesmas experiências terão entendimentos e reações diferentes quando adultos. A evolução dessa criança nas fases da adolescência e na entrada da fase adulta vão determinar o quanto essas ‘marcas’ psicológicas vão agir, ou seja, quanto a consciência desse ambiente abusivo está fazendo parte da sua vida adulta e quanto tem relação com a forma como toma as decisões. Uma pesquisa feita no Brasil, mostrou que os índices de pessoas que se declaração com depressão já era muito grande no país antes dos efeitos causados pela pandemia”, explica Bezerra.
A especialista diz que, aos olhos da neurociência, as pessoas são levadas a acreditar que certas atitudes são "boas", mas outras não são. Ela assinala que as reações de "bando" sempre são "burras" e a sociedade pratica essa onda quase diariamente sem se dar conta.
"A raiva vem da reação primitiva de que você olhando alguma situação quer agir e não pode, ou melhor, não deve. Ou seja, vem o instinto de agir e corrigir aquela criança que você julga merecer um corretivo", destaca. "É preciso entender até onde vai a minha liberdade e onde começa da outra pessoa. Cruamente, é nisso que se resume parte da revolta em dados momentos. No final de tudo, o grande aprendizado é ensinar a respeitar o outro”, finaliza.