Ansiedade, depressão e outros problemas relativos à saúde mental
atingiram crianças e adolescentes
com maior intensidade durante a pandemia. Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
, esses problemas estão relacionados ao consumo excessivo de telas (celulares, televisão e computadores)
e à alterações na rotina, como a inversão do padrão do sono.
O estudo realizado com alunos do 9º ano da rede pública da Grande São Paulo, entre 29 de outubro e 14 de dezembro de 2020, demonstrou que pelo menos 10,5% das crianças entrevistadas apresentam triagem positiva para depressão e 47,5% para ansiedade, além de meninas serem as mais atingidas. Resultados semelhantes foram observados em pesquisas internacionais, em países como China, Estados Unidos, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Japão, Filipinas e Reino Unido.
Sem uma rotina escolar ou saídas que possibilitem relações sociais com outras pessoas, os pesquisadores concluem que a promoção da saúde mental infantil é um trabalho que deve ser implementado nas escolas, especialmente com a volta às aulas. Além das questões de higiene, distanciamento e rodízio para prevenção contra a Covid-19, os desafios que mães e pais enfrentaram em casa agora será uma questão de todos, já que ainda não é possível prever como estes traumas vão afetar o futuro das crianças.
Um monstro chamado medo
Daniela Foltran é microempreendedora e mãe de três filhas (a mais velha tem 9 anos e as gêmeas Gabriela e Emília, 7 ) e relata como as crianças sofreram com o isolamento social desde o início da pandemia. A mais velha foi a primeira a demonstrar sintomas, com uma agressividade crescente, resultando em crises onde a menina quebrou móveis e eletrônicos.
“Ela fazia terapia, mas foi interrompida por causa do isolamento. Em setembro de 2020 foi o auge da crise e nós começamos com acompanhamento psiquiátrico e psicoterapêutico. Ela precisou, inclusive, de medicação no primeiro mês. Desde então está com terapia semanal e tem ajudado muito.Ela está menos explosiva, mais amadurecida para conversas, mas a ansiedade e um certo inconformismo continuam altos. Rói unhas a ponto de ficar com os dedos totalmente machucados, se isola em jogos eletrônicos e desenvolveu medos que demonstram o receio da perda de alguém que ama. Nenhum diagnóstico psiquiátrico pode ser fechado porque pode ter o viés da ausência de convívio social”, conta Daniela.
Já a gêmea Gabriela desenvolveu um medo incontrolável da perda, apresentando os primeiros sinais na hora de dormir, ao pedir que sua mãe deitasse junto a ela. "Gabi desenvolveu uma certa síndrome do pânico. Toda noite ela começava a chorar e falar que os pensamentos ruins tomavam conta da cabeça dela, o medo era tão grande que ela sentia palpitação, enjoo e ficava pálida. Aos poucos, conversando, ela conseguiu verbalizar que tem medo de alguém da família morrer, medo do coronavírus nunca ir embora e ela nunca mais ver os avós”, relata a mãe.
No momento, Gabriela também está com acompanhamento psicológico e apresenta evoluções. Sua irmã, Emília, possui uma personalidade mais fechada, segundo a mãe, mas nem por isso deixa de verbalizar seu medo do mundo não voltar ao normal e a saudade que sente das pessoas.
Com a volta às aulas duas vezes na semana, Daniela sente que a alegria voltou um pouco para a vida das meninas, apesar de também apresentarem revolta com alguns colegas que não tomam os mesmos cuidados que elas para evitar a contaminação pela Covid19.
“O convívio social e a brincadeira são muito importantes, pois é na brincadeira que elas expõem e elaboram os sentimentos. A psicóloga da Gabi fala que o que a salva nas crises emocionais são os desenhos. E é claro, quando Gabi começa a ter um comportamento mais ansioso, começa a perguntar demais quando vamos tomar vacina, ela começa a desenhar demais porque o desenho a equilibra, ela despeja toda essa enxurrada no desenho”, diz a microempreendedora.
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Saudade da individualidade
Assim como os adultos, as crianças também sentem falta dos próprios espaços de descoberta e exploração do mundo e dos próprios sentimentos. Jacqueline Moraes, communication designer e mãe do João (5) e Yan (3), relata que no momento este é o maior ponto de conflito na casa. O mais velho já frequentava a escola e estava experimentando sua individualidade, enquanto o mais novo, apesar de ter iniciado na educação infantil, passou muito mais tempo em casa do que vivendo experiências sociais.
“O João começou a sentir esse impacto no segundo semestre do ano passado, quando ele começou a ficar muito mais emotivo. Coisas que antes não sensibilizavam tanto a ponto dele chorar ou ficar magoado começaram a mexer mais. Eu senti que isso desestabilizou ele de um jeito que não estava legal. Sempre me deixou preocupada, apesar de ao mesmo tempo conseguir verbalizar os sentimentos. Com isso, ele ficou muito introspectivo e fez questão do próprio espaço. Então ele não queria compartilhar as coisas com o irmão, ele queria ficar no quarto sozinho. Tanto que o mais novo fala que o quarto é do João. Ele nem entende direito que o quarto também é dele. Ele associou isso durante a pandemia, de tanto que o João ficava falando que o quarto é”, relata.
Sobrecarregada com a casa, as atividades on-line e mudanças na vida profissional, a designer lembra que o ponto alto foi quando João, que já não usa mais fraldas, começou a fazer xixi na cama. Apesar de já se preocupar com os impactos da pandemia nos pequenos, ela passou a se questionar mais a fundo sobre como ajudar as crianças se grande parte dos responsáveis também estão com problemas. Ainda que o problema do xixi na cama tenha se resolvido, a designer está procurando auxílio tanto para si quanto para o filho, a fim de receber uma orientação adequada.
Os pequenos também sentem
Mesmo que os pequenos ainda não tenham vivido tantas experiências com outras pessoas e crianças, especialmente os bebês que não foram para a creche, eles também sentem os impactos da pandemia em suas vidas. A diferença é que eles vivenciam estas consequências através daqueles que apresentam o mundo para eles: os cuidadores principais.
Carolina D’Ambrosio, terapeuta holística e mãe do Lucca (2), conta que até o final de 2020 foi tranquilo, pois eles já tinham uma rotina mais caseira, com algumas saídas esporádicas - inclusive as visitas ao pai. Entretanto, em dezembro do ano passado, o bebê começou a apresentar uma irritação fora do habitual, gritando, chorando, esmurrando, jogando e/ou chutando o que estivesse ao alcance.
Além disso, o padrão de sono e alimentação dele também mudaram para a pior. Depois de um episódio de raiva que Lucca passou com a família de seu pai, Carolina e o genitor de Lucca foram juntos à pediatra em busca de ajuda.
“A pediatra conversou com a gente a respeito do comportamento dele, deu uma olhada nele também e viu que ele estava bem, mas que é uma questão de a gente alinhar as coisas com ele. Ela indicou psicóloga, psiquiatra, para a gente levar ele e começar um acompanhamento desde agora, porque a gente sabe que a pandemia tá aí, ainda vai demorar para as coisas voltarem ao normal. Neste momento, eles estão crescendo, adaptando e conhecendo em um mundo onde não dá para eles terem uma interação com o mundo”, conta Carolina.
O que dizem os pediatras?
A pediatra Magda Lahorgue Nunes, presidente do departamento científico de neurologia pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria, conta que os principais estudos científicos sobre saúde mental pediátrica (desde o nascimento até os 17 anos) mostram aumento de ansiedade e depressão na pandemia. As áreas avaliadas pelas pesquisas vão desde comportamento, socialização até o sono.
“Um estudo realizado na China, usou a comparação de dados recolhidos com crianças escolares em 2019, antes da pandemia, e depois quando eles fizeram a reabertura das escolas após o isolamento social, entre abril e maio de 2020. Os pesquisadores observaram um aumento de depressão, ideação suicida, trauma autoinfligido, entre outros durante a pandemia”, apresenta a especialista.
Assim como a pesquisa da Unifesp, ela apresenta que um dos sinais mais comuns são as alterações no sono, contando com mais de 20 pesquisas científicas a respeito. Outros fatores que podem ser observados pelos responsáveis são: dificuldade de prestar atenção na aula, inquietude, alterações de humor (especialmente irritabilidade), mudanças no padrão de alimentação (comer demais ou menos).
Por esse motivo, a médica destaca que o posicionamento da Sociedade Brasileira de Pediatria é favorável ao retorno das aulas, desde que as medidas contra a Covid19 sejam adotadas - isolamento, organização das crianças dentro da sala de aula. “Principalmente para as crianças menores que foram as mais atingidas pela pandemia, especialmente os alunos de educação infantil, em fase alfabetização."