Estatuto da Gestante visa retirar os direitos das mulheres grávidas
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Estatuto da Gestante visa retirar os direitos das mulheres grávidas




Na semana passada, as hashtags #BolsaEstupro e #GravidezForcadaETortura ficaram entre os trending topics nas redes sociais. Isso porque um projeto de lei, que está em tramitação no Senado, pode restringir o acesso ao  aborto legal no Brasil e coagir mulheres a manter gestações decorrentes de  estupro.

Proposto pelo senador Eduardo Girão (Podemos- CE), o PL 5435/2020, intitulado de Estatuto da Gestante, propõe o “bolsa estupro”, um auxílio para mulheres grávidas vítimas de estupro. Além disso, prevê “o direito à vida desde a concepção”. O estuprador ainda teria direito à paternidade e a mãe seria proibida de “negar ou omitir tal informação ao genitor”. 



Segundo defensores dos direitos das mulheres , o medo era que a PL, proposta em dezembro, pudesse ser votada na semana passada no Senado. A votação, no entanto, não tem data definida e depende do parecer da relatora Simone Tebet (MDB-MS), que disse que irá fazer alterações no texto.

“O Congresso Nacional está funcionando em regime extraordinário por conta da pandemia. Por isso, não existem comissões, está tudo no Plenário em debate remoto. Nesse final de março é de praxe discutirem projetos que beneficiem as mulheres brasileiras e os conservadores e reacionários aproveitam para passar essas atrocidades”, explica Joluzia Batista, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea).


Direito ao Nascituro

Luciana Boiteux, professora de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que também foi autora de ações no STF pela descriminalização do aborto no país, afirma que o projeto é “inconstitucional”. “Apesar de ser apelidado como Estatuto da Gestante, a proposta quer restringir os direitos das gestantes e das mulheres obtidos desde a década de 70”, diz.

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O artigo 1º, que propõe o direito à vida “desde a concepção”, é um dos pontos mais criticados. Além disso, no artigo 8°, fica proibido qualquer tipo de danos a "criança por nascer" em razão de "ato ou decisão de qualquer de seus genitores", o que contrariaria o direito ao aborto legal em caso de estupro, previsto pelo Código Penal Brasileiro, assim como nos casos em que há risco de morte da gestante.  

“A proposta trata a gestante como uma incubadora, como se não tivesse direitos ou anseios. É uma tortura obrigar a mulher estuprada a ter aquele bebê”, afirma Boiteux, que também acredita que pode impedir às gestantes que necessitem de tratamento, como quimioterapia, ou em realizar abortos em outras situações que apresentem riscos para a vida da gestante.

Já não é a primeira vez que são realizados projetos que preveem a proteção máxima aos bebês desde antes de nascer. “É uma pauta conservadora recorrente, tal como o Estatuto do Nascituro, que vira e mexe dá as caras no Congresso na forma de projetos de lei”, explica Carolina Gerassi, advogada atuante em direitos humanos, com foco em direitos das mulheres e da população LGBTI.

Paternidade ao estuprador

No artigo 10º, o texto obriga a gestante a relatar a paternidade ao “genitor”, sob "pena de responsabilidade", o que também foi amplamente criticado. 

“Os homens raramente assumem suas responsabilidades como pais, mas o projeto trata o contrário, como se fosse as mulheres que se recusassem a dar direitos aos genitores. O projeto chama o estuprador de genitor, atribui uma caracterização de família a esse homem que fez uma violação contra essa mulher”, diz Boiteux. 

Apesar de Tebet ter afirmado retirar o auxílio financeiro, a proposta original também conta com um sério problema legislativo: não indica a fonte do auxílio. “É uma regra básica indicar a fonte”, explica a especialista.

“Eles tentam sensibilizar as mulheres para terem seus filhos com o estuprador dizendo que o Estado vai arcar com uma bolsa. Mas o artigo 11° explica que é somente para gestantes que não dispõem meios econômicos suficientes, se a mulher tiver alguma sustentação, o Estado não vai sustentar”, afirma. 


Futuro do Estatuto da Gestante

Apesar da senadora Simone Tebet afirmar que irá trabalhar na elaboração de um substitutivo para o texto original, as especialistas não estão esperançosas com a nova versão do texto. “Temos observado, para além dessas iniciativas legislativas retrógradas, um verdadeiro desmonte das políticas públicas norteado pela reafirmação de tabus religiosos”, diz Gerassi.

Boiteux questiona a urgência de discutir essa PL em meio à pandemia. “É muito perverso pensar em "bolsa estupro" e não nas tantas gestantes que precisam desse auxílio durante a pandemia, as mães que terminam a licença maternidade e tem que trabalhar nestas condições”, diz.

“Estamos precisando de políticas imediatas. O Brasil é o primeiro colocado em mortalidade materna. Se colocar uma política emergencial para mulheres gestantes na pandemia, a gente pode pensar que esse PL pode começar a atender os direitos e interesses das mulheres gestantes no Brasil”, diz Batista.

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