Logo no ultrassom, Camila Brazil, mãe de uma menina de três anos, percebeu um detalhe no comportamento da filha: ela aparecia com a mãozinha na genitália. Assim que nasceu, a pequena dormia sempre de bruços e com a mão na vagina , pressionando-a. O que fazer diante de uma situação como essa? Muitos pais se assustam, mas a masturbação infantil é saudável e importante para a descoberta do próprio corpo pelas crianças.
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De acordo com a psicopedagoga Maíra Scombatti, que atende crianças, adolescentes e famílias na Casa Curumim em São Paulo, a masturbação infantil é algo natural, que não deve ser reprimido e muito menos tratado como motivo para castigos.
Usar o termo masturbação quando estamos falando de crianças pode, para alguns, soar estranho. Entretanto, esse ato nem sempre tem ligação direta com o prazer sexual ou com o orgasmo, como no caso dos adultos. “Algumas vezes, a criança se masturba ao mesmo tempo em que descobre e explora o próprio corpo”, explica Maíra.
Como é uma descoberta, muitas vezes a criança não compreende o que está fazendo e se masturba em lugares como a escola e até mesmo em frente aos pais. Ao perceber isso, a família não deve repreendê-la como se fosse algo errado. É preciso dialogar, explicando e orientando-a sobre cuidados que ela deve ter ao se tocar, buscando sempre uma abordagem coerente com a idade e que não reforce estereótipos (como o de que meninas são puras demais para descobrirem a sexualidade enquanto meninos têm o dever de fazê-lo escandalosamente).
É importante entender que o ato faz parte do processo de desenvolvimento da criança. Dessa forma, os pais conseguem abordar o tema com naturalidade e quebrar o tabu de que corpo e sexualidade são assuntos que não podem ser discutidos entre pais e filhos – mesmo ainda crianças. E foi isso que Camila procurou fazer ainda na gestação. “Pesquisei bastante sobre o assunto para poder lidar com essa situação de forma que não a reprimisse”, conta em entrevista ao Delas .
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Como falar sobre o tema com os pequenos?
A psicopedagoga orienta que os pais abordem a masturbação infantil com naturalidade. “Nem sempre é fácil na nossa sociedade cheia de tabus”, aponta. Maíra comenta que é necessário rever preconceitos e revisitar a própria sexualidade, para que os pais não projetem na criança as próprias questões mal resolvidas.
A partir dos quatro anos de idade, aproximadamente, a masturbação já pode ser explicada para a criança. “Os pais podem orientar que esse tipo de toque é algo íntimo e dizer que ela pode tocar o próprio corpo, sim, mas em ambientes e momentos adequados”, orienta Maíra. Segundo ela, a família deve explicar em uma linguagem acessível que alguns locais - como a sala de jantar ou a escola - são locais públicos, de uso coletivo, enquanto outros - como o banheiro e o quarto - são privados e particulares.
Posto isso, a criança precisa entender que não deve se tocar dessa forma em ambientes públicos, já que a masturbação é algo íntimo, apenas dela. É essencial ter paciência nesse momento, já que nem sempre ela vai entender rapidamente as noções de intimidade e de ambiente público x privado. “A repetição das explicações com tranquilidade ajuda neste processo de aprendizagem”, diz Maíra.
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Assim como orienta a psicopedagoga, Camila e o parceiro explicaram exatamente isso à filha – que ela só poderia se tocar sozinha e em casa. “Também falei que sempre que você se toca, deve estar com as mãos limpas, já que a mão suja pode fazer dodói”, relata. Ela conta que a filha entendeu e não apresentou nenhum problema em relação a isso. “Falar sobre sexualidade em casa será algo normal. Precisamos ter a mente aberta e informada para auxiliar nossas crias”, diz.
Tudo isso deve ser feito sem reforçar estereótipos de gênero, ou seja, a abordagem deve ser a mesma tanto para meninos quanto meninas. “Ambos têm o mesmo direito de descobrir o corpo e experimentar a sexualidade, e também precisam entender que o toque no próprio corpo em ambientes adequados é algo natural e aceitável”.
Para que os pais não se sintam muito perdidos diante da situação, Maíra comenta sobre a possibilidade de a família procurar alguma ajuda profissional que os oriente em como abordar a masturbação de forma menos repressora. “É importante que, após as explicações, a criança tenha espaços de intimidade respeitados. Seja por um tempo no banho ou na cama, por exemplo”, orienta a psicopedagoga.
Atenção especial
Se a criança se masturba de forma excessiva, demostra muita ansiedade ou angústia ou deixa de fazer outras atividades prazerosas para se tocar repetidamente, os pais precisam observá-la com mais cuidado. “Com acolhimento e sem adotar posturas repressoras, podem observar questões como: em quais momentos a masturbação acontece? A criança está se sentindo pressionada por alguma situação? Como está sua socialização?”, aconselha Maíra. Quando questões emocionais estão associadas à pratica, buscar ajuda profissional pode ser indicado à família.
Além disso, nessa fase de descoberta e exploração, pode ser que a criança chegue em casa comentando que viu uma amiguinha se tocando ou que fez isso com um colega. Neste caso, Maíra aconselha acolher a fala da criança sem “amplificar”. A psicopedagoga sugere falar algo como “Ah, sua amiga te ensinou isso? E o que você achou?”, e, a partir da resposta da criança, pensar qual é a abordagem adequada.
É importante explicar o conceito de consenso e qual é a importância disso. “Esse é um aprendizado importante também. Mesmo quando eu quero fazer um carinho, preciso ver se a outra pessoa quer aquele carinho naquela hora e daquele jeito”, orienta. A criança também deve saber reconhecer se quer sentir aquilo e se recebe como carinho. “Essa abordagem pode prevenir relações abusivas, mas é importante tomarmos cuidado para não criarmos demandas que as crianças ainda não têm”, diz.
Também é preciso ter muito cuidado ao tratar isso, para que um toque abusivo de adulto – pedofilia – não seja entendido como carinho. Ela deve ser orientada a sempre informar os pais se alguém tocar o corpo dela sem consentimento.
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Qual é o papel da escola?
“O papel da escola também é acolher com naturalidade e orientar sobre intimidade, cuidados com o próprio corpo e sobre ambientes adequados para experiências íntimas”, diz Maíra. No entanto, essa nem sempre é a realidade. Muitas escolas assumem uma abordagem moralista e repressora, o que pode atrapalhar o desenvolvimento da criança.
Foi o que aconteceu com Camila. A mãe conta que a creche da filha entrou em contato para informar que a garota se masturbava enquanto dormia na escola, orientando que ela levasse a criança ao pediatra porque o ato deveria ser alteração hormonal. Camila comenta que a escola estava despreparada para lidar com a masturbação infantil, mas, felizmente, ela e o pai da criança souberam enfrentar a situação com diálogo e orientação à filha.