Existem mais de 35.500 brasileiros aguardando para adotar um filho no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), número cinco vezes maior do que as, aproximadamente, 6.550 crianças à espera de um novo lar.
Apesar do cenário se apresentar positivo para os órfãos, a realidade é que os abrigos continuam lotados por causa das exigências feitas pelos pretendentes a pais e mães. O número de possíveis pais que só aceitam crianças brancas, por exemplo, é quase quatro vezes maior do que as disponíveis com essa característica. Outros pontos que dificultam a adoção são o sexo (a preferência é por meninas), a idade (máximo 7 anos), o número de crianças por casa (por lei, é proibido separar irmãos) e, ainda, restrições a deficiências e problemas de saúde.
Na contramão disso tudo está Ariane Arrivabene, que uniu o sonho de ter uma família grande à vontade de ajudar quem precisa e considerou a adoção maior do que qualquer dificuldade que pudesse encontrar ao trilhar esse caminho. Ela e o marido, Geraldo, ficaram três anos na lista de espera. Hoje, nove anos após decidirem pela adoção, eles se enchem de orgulho da família enorme que formaram: são 18 pessoas - o casal, os três filhos biológicos e os treze adotados.
"Casei com 18 anos e fui cuidar da minha vida, mas o sentimento de querer adotar sempre me acompanhou. Só quando tinha 43 anos tomei a decisão de realizar esse sonho. A sensação de ser chamada na lista de adoção é igual a dar à luz, ao nascimento de uma criança, mas mais intenso porque não demora os 9 meses de uma gravidez; quando você é chamada, a criança vem logo depois", conta Ariane, que já tinha três filhos biológicos.
Adoção, autismo - e uma vontade ainda maior de adotar
A primeira adoção foi de duas irmãs, Ana Paula, de 7 anos, e Clara, de 2 anos, que havia sido diagnosticada com autismo. "A Ana nunca tinha ido à escola, a Clara não falava e não andava. A gente a estimulava muito e, quando ela dava alguns sinais, era igual quando o filho fala a primeira palavra. Aí, ela começou a andar e caía muito no início, mas tinha que cair porque uma hora ia aprender", lembra.
Hoje, as duas sabem ler e escrever e a Clara está começando a ajudar nas tarefas de casa também. "Foi tudo muito difícil, mas as descobertas com elas foram incríveis e a adaptação com o Daniel (filho biológico do casal) foi bem tranquila, Então, o ânimo de continuar adotando permaneceu", lembra Ariane.
Abandono
Você viu?
Nove meses após a chegada das irmãs, mais seis irmãos chegaram. O mais velho tinha 14 anos e a mais nova, a Mariana, 3 meses. "Ela era muito magrinha e adoecia sempre, era muito difícil. A adaptação deles foi bem mais complicada, o abandono dos pais foi um período muito difícil para os adolescentes e, até hoje, eles são bem mais reservados que os outros", conta a mãe.
É muito triste a vida de uma criança abandonada, ela tem pouca chance. Creio que muitos não estariam vivos se não estivessem aqui hoje"
Mais quatro meses e o casal recebeu mais quatro irmãos em casa. O mais velho com 12 anos, o mais novo com 8 anos. Entre eles, uma menina com atraso mental. E o mais novo integrante da família está lá há apenas um ano. Matheus chegou aos 18 anos; autista, ele vivia sob os cuidados de um projeto de caridade de uma igreja e, quando completou a maioridade, teria que deixar o local - e o casal, que o conhecia desde os 7 anos, não permitiu que isso acontecesse.
Dia a dia
A família vive em um sítio localizado nas montanhas capixabas*. Para garantir o sustento de todos, eles plantam e criam animais. Além disso, eles contam com doações mensais de carne e arroz. Nunca falta nada e, quando existe alguma sobra, eles ainda ajudam os vizinhos que passam dificuldades. Todos frequentam a escola e estudam diariamente e, quando possível, ajudam nas tarefas de casa.
"Nos finais de semana, eles também dão comida para os animais, ajudam a molhar a horta... Durante a semana, eles vão todos os dias para a escola, hoje um transporte vem pegá-los, mas chegamos a comprar uma van escolar para a família", explica Ariane.
Conquistas e recompensas
"Os filhos adotivos são iguais aos filhos biológicos. É muito gratificante vê-los crescendo, lembrar de como eles chegaram aqui e ver como eles estão agora. Todos eram analfabetos e, hoje, sabem ler e escrever, se preocupam com os estudos, são ricos de valores e possuem suas responsabilidades", analisa.
"É muito triste a vida de uma criança abandonada, ela tem pouca chance. Creio que muitos não estariam vivos se não estivessem aqui hoje. No início, tudo isso dava muito medo, mas a gente tem que ter coragem e pensar no quão gratificante é", finaliza Ariane.
*A pedido da mãe, a localização exata do sítio foi ocultada para preservar a rotina familiar