Se você é mulher, certamente já ouviu frases como “Isso não é coisa de menina” ou “Você precisa se comportar como uma moça” quando pequena. Infelizmente, o machismo influencia a vida de uma mulher antes mesmo de ela nascer e isso não acaba quando ela cresce - ainda que seja completamente independente e se sinta plenamente pronta para enfrentar aquilo que disseram que ela não seria capaz de fazer.
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Um exemplo disso foi compartilhado por uma estudante de medicina em sua conta no Twitter. Hanna Yard resolveu listar na rede social todas as vezes que ela foi vítima de machismo durante seu curso, tendo seus colegas e professores como principais opressores.
A jovem de 24 anos, que é de Southampton, usou a hashtag #everydaysexism (ou “#sexismodiário”, em tradução para o português) para fazer uma sequência de posts com comentários que ela e algumas amigas mais próximas ouviram enquanto estudantes mulheres de medicina.
Ela começa contando que já chegou a ouvir de um cirurgião a frase: “É legal finalmente ter algo para olhar através da mesa de operações”, quando eles iriam trabalhar juntos em um procedimento.
Também fala que, diversas vezes quando responde a alguma pergunta corretamente, escuta um “boa menina” de seus professores ou superiores. “Surpreendentemente, nunca ouvi um 'bom menino' sendo usado para nenhum dos meus colegas homens”.
Hanna diz que, uma vez, em sua terceira semana com uma equipe cirúrgica, ela chegou à clínica, de roupa social e usando um cordão vermelho brilhante onde estava escrito 'Estudante de Medicina' e ouviu o pessoal perguntando: “Você é uma das enfermeiras estudantis?”.
E essa não foi a primeira vez que ela foi “confundida” com uma enfermeira. Ela foi referida dessa forma por médicos e pacientes, mesmo depois de se apresentar como médica-estudante, semanalmente.
A jovem também revelou que um colega do sexo masculino achou que seria engraçado dizer que ela estava no trabalho para "fazer sanduíches". "Depois de me apresentar em uma enfermaria como aluna de medicina designada para a equipe do dia, ouvi um ‘Ela deve estar aqui para fazer os sanduíches', seguido de gargalhadas da equipe masculina".
Até seu cabelo loiro não escapou dos comentários sexistas. Além de o fato de ela ser referida toda hora como “loira” e não por seu nome durante uma semana, ela afirma que também chegou a ser orientada a tingir o cabelo quando chegou para se matricular na pós-graduação na Universidade de Bristol, em 2013.
Segundo Hannah, ela foi informada por um membro das equipes de admissão da universidade que precisava se certificar de que "se deparou com o caminho certo". “Quando perguntei o que ele queria dizer, ele disse que para eu ser levada a sério na medicina, provavelmente precisaria pintar meu cabelo e ficar morena. Fiquei chocada! Não podia acreditar que alguém diria isso para mim.”
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Homens não ouviriam os mesmos comentários
Ao jornal britânico The Sun
, ela conta que não conhece um único colega do sexo masculino que tenha sido confundido com uma enfermeira, chamado por algum apelido depreciativo ou referido como 'algo legal de se olhar'.
“Se alguém na rua falava assim comigo, eu sempre revidava. Mas, quando estou no trabalho não tenho como fazer isso, porque pode afetar a minha carreira”, afirma. “Eu estudei por sete anos e mereço estar aqui".
“As gerações mais velhas precisam ser educadas e entender que esse comportamento não é aceitável. Não são apenas os alunos que precisam lidar com isso, mas também os membros da equipe do hospital”, enfatiza.
Um porta-voz da Universidade de Bristol, onde o comentário sobre tingir o cabelo foi dito afirmou que a instituição está “totalmente comprometida em ser um lugar onde todos se sintam seguros, bem-vindos e respeitados” e lamentou o ocorrido.
A Universidade de Cardiff também foi contatada para comentar. “Estamos extremamente preocupados com as alegações que foram feitas e encorajamos qualquer um que tenha experimentado qualquer uma dessas questões para levantá-las através do nosso procedimento formal de reclamações de estudantes”, relata em comunicado oficial.
‘Machismo não é piada’
Adanna Anomneze-Collins, presidente da Associação de Estudantes de Medicina do Reino Unido para a Associação Médica Britânica (BMA), defende que “todo comportamento machista ou abusivo é totalmente inaceitável no local de trabalho médico moderno e não deve ser tolerado”.
"Para um estudante de medicina
, ser exposto a atitudes desatualizadas e desrespeitosas pode ter um efeito profundamente negativo, não apenas em seu bem-estar e saúde mental, mas também na forma como eles vêem a profissão em que estão prestes a entrar”, diz.
Ela ainda ressalta que com as mulheres ainda sub-representadas na medicina, “não podemos permitir que tal comportamento impeça médicas talentosas de seguir a carreira”. “A discriminação não apenas prejudica quem é alvo dela, mas cria um ambiente que não é atencioso, não dá suporte e não é colaborativo”.
Para a presidente da Associação de Estudantes de Medicina do Reino Unido, o comportamento “sexista, desrespeitoso e discriminatório” não deve ser tolerado, e “os empregadores, educadores e corpos profissionais têm um papel a desempenhar para garantir isso”.
Hannah completou um curso de graduação em farmacologia e, em seguida, optou por continuar seus estudos na Universidade de Cardiff. Agora, ela está no quarto ano de um curso de medicina
de pós-graduação e faz estágio em hospitais do sul do País de Gales.
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Ao final do tópico no Twitter, Hannah escreveu que “o sexismo na medicina ainda é um problema e algo que não deve ser apenas aceito como 'uma piada'”. Infelizmente, o machismo ainda é um problema que afeta a sociedade como um todo, e deve ser discutido para que mulheres se sintam confortáveis para serem e fazerem o que quiserem.