O machismo se esconde (também) nos detalhes. Alguns comportamentos diários, aparentemente inofensivos, revelam o preconceito contra as mulheres e fazem tão mal quanto atitudes mais explícitas. Nesta semana, o narrador Galvão Bueno foi acusado de um desses comportamentos, o "mansplaining", ao falar com sua colega de trabalho Sandra Annenberg durante transmissão da Copa do Mundo.
Leia também: Musas da Copa: esta é realmente a melhor forma de homenagear mulheres?
Sandra estava falando sobre a taça do torneio, que “visitava” o estúdio da Rede Globo na Rússia. A apresentadora já havia explicado que o objeto não pode ser tocado por qualquer pessoa, apenas pelos vencedores, chefes de estado e o presidente da Fifa, mas, após a jornalista ficar realmente muito empolgada com a presença do troféu – assim como qualquer fã de futebol faria –, Galvão chamou a atenção da colega para coisas que ela mesma já sabia e havia explicado para os telespectadores. Por conta disso, internautas o acusaram do chamado mansplaining .
No diálogo, Galvão interrompe Sandra e diz: “Sandra, você já foi campeã do mundo?”. Ela responde que não, e ele prossegue: “Você é presidente da Fifa?”. Ela responde que não novamente, e, então, ele conclui: “Você só pode tocar na taça se colocar luvas, hein? É do protocolo”. Depois de toda a explicação, Sandra apenas responde: “Eu sei disso tudo, Galvão”.
Leia também: Por que está tão difícil se atrair por homens e arrumar namorado?
O termo "mansplaining" foi adaptado para o português como “homiexplicando” e, como o próprio nome já diz, é quando um homem sente a necessidade de explicar algo para uma mulher - que ele normalmente não sentiria a necessidade de explicar para outro homem -, que ela não perguntou e/ou que ela já sabe. No caso de Galvão e Sandra, ela já sabia que não podia tocar na taça, como vinha explicando, mas ele se sentiu no direito de explicar, mais uma vez a ela, algo que ela já sabia - como se ela não soubesse ou não tivesse entendido.
Outros termos além do "mansplaining"
Provavelmente um dos termos mais conhecidos, o "mansplaining" ou “homiexplicando” não é o único a evidenciar os machismos sutis. Existem outros termos: "gaslighting", "manterrupting" e "bropriating". Saiba o que é cada um e como identificá-los.
"Manterrupting"
"Manterrupting" ou “homi-interrompendo”, como foi traduzido para o português, é quando um homem interrompe uma mulher, mas não é uma interrupção qualquer que podia acontecer com qualquer um. Essa interrupção é feita porque o homem, muitas vezes inconscientemente, acredita que a opinião ou a fala da mulher não têm valor ou automaticamente está equivocada e ele deve interrompê-la, impedindo-a de terminar seu raciocínio.
Um caso recente e emblemático disso foi a entrevista que Manuela D’Ávila, pré-candidata à Presidência do Brasil pelo PCdoB, deu no programa Roda Viva, da TV Cultura. De acordo com levantamento da Secretaria das Mulheres do PT, ela foi interrompida 62 vezes. Em programa com Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (Psol), concorrentes de Manuela, os entrevistadores interromperam os entrevistados apenas oito e 12 vezes, respectivamente.
"Gaslighting"
"Gaslighting" é uma violência emocional cometida contra mulheres por meio de manipulação psicológica. Neste caso, o homem usa de chantagem emocional e manipulação para convencer a mulher de que ela está louca e paranoica ou é incapaz, irrelevante e problemática, desmerecendo suas vontades, opiniões e sentimentos. O "gaslighting" também é muito usado para não dar a devida importância às acusações de assédio e violência que muitas mulheres realizam contra homens.
Você viu?
Frases como “você está louca”, “você está exagerando”, “você está delirando”, “você não sabe levar as coisas na brincadeira”, “você é sensível demais”, são comuns na tentativa de desmerecer os sentimentos da mulher. Isso acaba afetando de fato o psicológico da pessoa, que passa ela mesma a acreditar no que dizem dela, perdendo autonomia e se sentindo insegura.
O termo surgiu graças ao filme “Gaslight” (“À meia luz”), de 1944. Nele, o protagonista tenta enlouquecer sua esposa para roubar sua fortuna. Assim, ele muda objetos de lugar e pisca as luzes da casa, fingindo que nada está acontecendo, para que ela pense estar louca e sem memória e seja internada como doente mental.
Leia também: Machismo no futebol pode ser o motivo de você não gostar do esporte
"Bropriating"
Bropriating é a junção de “bro” (abreviação para “brother”, “mano”) e “appropriating” (apropriação), e diz respeito àqueles momentos em que um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva crédito por ela, como se fosse dele, algo mais comum no ambiente de trabalho. Isso acontece porque muitas vezes as mulheres não são ouvidas.
O "bropriating" não é algo recente. Presente ao longo de toda a história, afetou mulheres como a escultora francesa Camille Claudel que, companheira do renomado escultor Auguste Rodin, tinha suas obras roubadas e assinadas por ele, como se ele as tivesse feito. Hoje, além de tudo, Camille é conhecida como a ajudante de Rodin, que enlouqueceu por nunca ter tido tanto sucesso quanto ele. Ela realmente enlouqueceu, mas hoje se sabe que, além de ser apagada por Rodin, ele ainda a ameaçava (no que agora chamamos de "gaslighting").
O "brosplaining", "manterrupting", "mansplaining" e "gaslighting" costumam se manifestar simultaneamente em tentativa de desmerecer as mulheres. No caso dos exemplos citados, Sandra Annenberg foi, primeiro, interrompida para depois ouvir a explicação de Galvão. Manuela D’Ávila enfrentou o mesmo durante o programa Roda Viva. Já Camille Claudel enfrentou o gaslighting, que minou sua confiança e permitiu que Rodin roubasse suas obras.
Como combater?
Combater esses comportamentos nem sempre é fácil, pois as mulheres não se sentem capazes de discordar de um homem ou, até mesmo, não reconhecem que estão sofrendo qualquer uma das atitudes acima. É por isso que várias mulheres falam em se ajudar e reforçam a importância de outro termo: sororidade.
A sororidade é a união entre mulheres, a partir do companheirismo e empatia de que todas vivem situações similares, para que elas consigam se ajudar, combatendo a famigerada “rivalidade feminina”, conceito alimentado por muitos (homens) para impedir que as mulheres se ajudem.
Em exemplo recente de como fazer isso está a Teoria do Brilho, termo cunhado pela jornalista Ann Friedman e a empresária Aminatou Sow, que parte da premissa de que “se você não brilha, eu não brilho”. Ou seja, se uma mulher não está conseguindo se fazer ouvir e se impor, todas as outras mulheres vão sofrer com o desmerecimento da primeira.
Diversas mulheres puseram esse conceito em prática. Nos EUA, as mulheres que faziam parte da equipe do ex-presidente Barack Obama, em 2008, perceberam que eram interrompidas constantemente em reuniões e outros momentos. Elas se juntaram e, quando percebiam que uma delas era interrompida, pediam a palavra e repetiam o que a companheira havia dito, dando o devido crédito. A estratégia funcionou, e entre um mandato e outro do presidente, aumentaram o número de mulheres ocupando cargos no gabinete e outras posições relevantes do governo Obama.
“Nós praticamos a Teoria do Brilho porque a confiança é contagiosa. Porque mulheres poderosas tornam-se grandes amigas. Porque as pessoas sabem quem você é pelas companhias que mantém. Porque nós queremos as mulheres mais fortes, felizes e inteligentes do nosso lado - e nós queremos nos apoiar na busca pelo sucesso e felicidade do nosso jeito”, escreve em seu site Ann Friedman.
Leia também: Ditados populares ou olhares, o machismo está nos detalhes e incomoda muito
Então, da próxima vez que que presenciar ou vivenciar uma cena de " mansplaining" , "manterrupting", "bropriating" e/ou "gaslighting", apoie-se em outras mulheres para combater esses comportamentos.