A menstruação , assim como muitos outros temas ligados às questões femininas , ainda é um tabu. Mesmo sendo algo presente na vida da maior parcela da população mundial, o assunto não é tão debatido quando deveria. Por conta disso, o corrimento de sangue acaba sendo visto como algo "nojento" e "vergonhoso" até mesmo entre as próprias mulheres.
Abrindo debate sobre o tabu
, a marca de absorventes
Sempre Livre e a KYRA Pesquisa & Consultoria realizaram um estudo global
com 1,5 mulheres, entre 14 e 24 anos, de cinco países: Brasil, Índia, África do Sul, Filipinas e Argentina. Dessas, 54% relataram que não sabiam absolutamente nada ou tinham poucas informações sobre o assunto antes de menstruar pela primeira vez.
Mais da metade das entrevistadas (56%) ficam incomodadas durante o período menstrual e só se sentem bem após o término dele. Além disso, 46% das mulheres costumam esconder o absorvente no caminho até o banheiro por ficarem constrangidas e pelo menos 7, em cada 10, se preocupam em descartar o absorvente usado no lixo porque outras pessoas podem ver.
O documentário "Nosso sangue, nosso corpo", também produzido pela Sempre Livre, em parceria com a FOX Lab, aborda exatamente esse tema. Acompanhando a brasileira Natália, a argentina Candela, a indiana Aranya e as sul-africanas Luciana e Miche, é possível observar como adolescentes da geração Z lidam com o tabu.
Apesar das diferenças de localidade e cultura, as cinco meninas falam sobre o sentimento de vergonha que sentiram ao contar para familiares sobre a menarca (primeira menstruação), já que foram ensinadas que esse assunto não deve ser discutido próximos aos homens ou meninos que conhecem e, também, como o ato de menstruar está sempre ligado a julgamentos se, por exemplo, uma mulher está de mau humor.
Ao mesmo tempo, a menstruação marca "o fim da infância e o início da vida adulta", até mesmo no caso de meninas que menstruaram pela primeira vez aos dez anos de idade, como é o caso de Luciana. "Com a menstruação, você se torna uma jovem mulher. Obviamente, você está crescendo", afirma Miche na produção audivisual.
Enquanto isso, em países como a Índia, o tabu que cerca o tema é reforçado por fortes influências culturais e religiosas. Aranya relata que mulheres indianas não podem fazer orações ou frequentar templos enquanto estão menstruadas. Além do fato de que muitas sequer têm acesso a absorventes descartáveis.
Afinal, como normalizar o debate sobre esse tabu?
Em entrevista ao Delas , Caroline Melo Magnani, ginecologista da clínica Mais Excelência Médica, afirma que existem alguns fatores que tornam a perspectiva sobre a menstruação algo ruim ou "nojento". "Quando uma jovem ainda está conhecendo seu corpo, por exemplo, pode ter dificuldade de encarar seu ciclo menstrual como um fenômeno normal e natural. Também pode ser vista como algo negativo se prejudica as atividades normais do cotidiano da mulher adulta."
De acordo com a especialista, essa "visão polêmica" ainda está muito presente entre as faixas etárias mais jovens, ou seja, quando a mulher entra na adolescência e começa a perceber as primeiras mudanças no seu corpo. Entretanto, esse fator é muito perpetuado pela falta de conhecimento e orientações básicas a respeito do funcionamento do próprio ciclo.
"Se, desde a infância, a mulher fosse condicionada a encarar o seu ciclo menstrual como algo natural do ser humano e que faz parte do seu desenvolvimento como mulher, talvez não chegasse à idade adulta com tantas questões ainda mistificadas."
Um grande avanço para "quebrar" esse tabu de vez é a onda feminista e o empoderamento feminino. Segundo Carolina, as diversas lutas por direitos e deveres iguais tornam mais fácil saber sobre certos temas. Assim, com cada vez mais mulheres entendendo sobre o próprio corpo e compartilhando suas experiências, o assunto também se torna mais debatido.
"Atualmente, com a liberdade e o autoconhecimento da mulher, é natural que o assunto deixe de ser vergonhoso e passe a ser interessante e produtivo para esclarecer dúvidas e trocar experiências. É preciso falar sobre o tabu e todas as alterações pelas quais a mulher passa nesse período para que ela possa lidar com elas da melhor forma possível. Isso acontece quando a mulher deseja se conhecer e busca satisfazer seus próprios desejos e necessidades."
Como abordar o tabu com meninas?
Caroline afirma que não existe uma "idade certa" para abordar o tema de forma direta com os filhos, seja uma menina ou um menino. "Entretanto, existem momentos em que a mãe ou qualquer outro familiar próximo percebe o interesse da criança ou adolescente no tema, pois as dúvidas estão dentro de todos nós desde muito jovens."
Assim, ela recomenda que, se essa criança ou adolescente fizer algum questionamento a respeito do assunto, os pais ou adultos responsáveis não o encarem como algo inapropriado ou vergonhoso. "A conversa e a liberdade de se expressar continuam sendo a melhor forma de aprender e de ensinar", comenta.
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"Acredito que menstruação e mudanças no corpo da mulher da infância para adolescência e para vida adulta deveriam ser temas abordados com naturalidade pela família, em casa, e nas salas de aula, principalmente para que a adolescente não seja 'pega de surpresa' com a primeira menstruação, podendo se tornar inclusive um evento traumático para ela, refletindo muitas vezes na vida adulta", diz.
A ginecologista explica que, atualmente, existe mais abertura para falar sobre o assunto fora de casa, e isso deve ser aproveitado para abordar temas que envolvem a vida da mulher. Utilizar dos meios de comunicação, como as redes sociais, sites, revistas e até a televisão, para se informar também pode ser útil para mudar a perceção negativa que se tem sobre menstruar.
Além disso, conversar com um especialista sobre a menstruação pode ajudar a tornar essa visão mais agradável, já que será um primeiro passo para conhecer melhor o próprio corpo e esclarecer quaisquer dúvidas sobre o ciclo ou o sangue menstrual .
O tabu da menstruação deve ser debatido com meninos?
Apesar de ser um assunto que envolve a formação da mulher, é importante que essa conversa aconteça entre pais, mães, meninos e meninas, para acabar com o tabu. "As meninas devem, sim, ser orientadas em relação ao fato de que menstruação e mudanças no corpo fazem parte da transição para vida adulta. Mas pais e mães devem falar sobre o assunto com seus filhos, independentemente do gênero."
"Adolescência, menstruação e mudanças no corpo também devem ser temas ensinados e conversados com os meninos desde sempre, principalmente porque eles também fazem parte desse período importante de mudança física, emocional e psicológica da mulher em formação."
"Ensinar os meninos a serem bem informados e compreensivos sobre temas como esse certamente construirá um futuro mais harmonioso entre homens e mulheres. Pais e mães devem também mostrar-se abertos e disponíveis para esclarecer e conversar com naturalidade sobre as inúmeras dúvidas que irão surgir. Sugerir a conversa de forma delicada e informal pode ser o primeiro passo para uma bela troca de informações", afirma.
Caso os pais não saibam como abordar o assunto, podem usar materiais encontrados na internet, livros e até produções audivisuais, como documentários, filmes e vídeos, para se conectar com os filhos. Além de ser uma fonte de informação, a didática em que o assunto é explicado nesses itens pode facilitar a comunicação.
Além disso, é recomendado não reforçar o tabu. Se for falar sobre menstruação, é recomendado utilizar este termo. Abordar o assunto com clichês como "naqueles dias" só reafirma que o assunto deve ser silenciado. "É preciso ter mais empatia e naturalidade para falar sobre o assunto. Uma vez que a sociedade como um todo entenda que a mulher é um ser humano complexo, mas muito bonito, fica mais fácil entender e ajudar."
Absorventes também são tabu?
O absorvente passou por uma grande evolução até chegar às diversas opções que existem hoje. O descartável, por exemplo, chegou ao Brasil em 1930, mas foi só na década de 50 que começou a se tornar mais conhecido e utilizado por causa da praticidade e higiene. Antes dessa opção, as chamadas toalhas higiênicas, popularmente conhecidas como "paninhos" eram as mais conhecidas para "barrar" o vazamento do sangue menstrual.
Entretanto, apesar dos absorventes descartáveis serem mais conhecidos hoje em dia, ainda existem mulheres que precisam dos "paninhos" pelo fato de não conseguirem pagar pelo produto. Em muitos países, os absorventes são taxados como "itens de luxo", ou seja, como algo "dispensável" para a higiene pessoal feminina.
Na Índia, por exemplo, o chamado "Imposto sobre Bens e Serviços" era de 12% sobre o valor dos absorventes. Esse preço fazia com que muitas mulheres indianas usassem pedaços de pano durante o período menstrual, o que aumentava o risco de infecções. O problema passou a ser visto como uma barreira à educação feminina, já que a maior parte das indianas são obrigadas a deixar a escola por problemas de saúde. Em julho de 2018, porém, a taxa foi eliminada.
Mas esses impostos não estão sendo uma polêmica apenas por lá. Outros locais, como Canadá e Nova Iorque, já eliminaram as taxas sobre absorventes. A justificativa é, principalmente, porque uso desse item de higiene não é opcional e não existe um "absorvente masculino". Dessa forma, as mulheres acabam pagando muito mais imposto ao longo da vida do que os homens.
No Brasil, há isenção de impostos federais a alguns produtos higiênicos da cesta básica — considerados itens básicos — como sabonetes, papel higiênico e pasta de dente, mas não para absorventes. Ainda assim, há imposto estadual sobre todos esses produtos.
Para Gabriela Onofre, diretora global da marca da Sempre Livre, essa polêmica é um assunto que precisa ser tão debatido quanto o próprio tabu acerca da menstruação. "O absorvente precisa ser visto como item essencial. É uma forma de proteção e libertação para a mulher, já que pode ser visto como um progresso o fato da mulher poder lidar com a menstruação como ela quiser."