Em 2011, o meme já dizia: mamilos são polêmicos. Sete anos depois, os peitos das mulheres ainda são assunto de debate e nem mesmo as redes sociais os deixam livres, leves e soltos. Os seios de Bruna Marquezine, por exemplo viraram alvo de comentários no carnaval por serem "caídos demais" . Já a modelo Kendall Jenner foi criticada por usar um vestido transparente — e estar sem sutiã — em uma festa no Festival de Cannes.
Mas, afinal, por que esse debate sobre mamilos ainda persiste? De acordo com Darlane Andrade, psicóloga e professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (UFBA), isso está vinculado à forma como os corpos femininos e masculinos são representados de jeitos diferentes pela sociedade.
A especialista explica que essa desigualdade de representação vem sendo construída há séculos, e é por isso que os homens podem — e, inclusive, são estimulados a — andar nas ruas ou até mesmo em casa sem camisa. "Historicamente, sempre foi permitida a exibição dos corpos masculinos como sinal de virilidade, poder e como um direito já adquirido, então não nos choca."
"O fato deles andarem sem camisa também não vai significar 'estar disponível sexualmente'. Os homens não vão sofrer acusações como 'foi estuprado porque estava sem camisa', como acontece com muitas mulheres que usam roupas curtas", complementa.
O caso das mulheres é bem diferente, já que elas são ensinadas a esconder os seios desde o início da puberdade, quando estes começam a se desenvolver. "Esta desigualdade está muito vinculada a como os corpos das mulheres são vistos como atrativos sexuais e como nós temos que protegê-los para não serem violados, ou para que as mulheres não sejam consideradas 'fáceis', 'disponíveis sexualmente' — e assim também ficarem sujeitas a situações de violência ou serem acusadas de estarem 'desrespeitando' o que se espera de uma mulher."
Algo que também gera bastante discussão e envolve não apenas os mamilos, mas os peitos femininos no geral, é o ato de amamentar em público. Muitas vezes, isso é visto como algo inadequado de se fazer, porque causa constrangimento nas outras pessoas. "As mulheres tem o direito de amamentar, e os seios têm esta função também. É um direito que deve ser respeitado."
"Quando uma mulher rompe com o que é socialmente esperado para ela — que, em síntese, seja mais 'passiva', 'contida' e que, inclusive, não mostre muito o seu corpo, sendo pouco ou nada sexualizada —, isso causa polêmica", afirma Darlane. A profissional também lembra que é importante saber que muitas dessas "polêmicas" estão ligadas à cultura de cada país, ou seja, em locais nos quais o uso do topless na praia é comum, por exemplo, vai haver menos debate sobre isso do que as localidades onde existe o costume de cobrir os seios.
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É possível quebrar esse tabu dos mamilos?
Segundo a psicóloga, para romper com esse tabu é preciso de muito mais do que apenas mudar como os corpos são representados. "É preciso que haja uma mudança de cultura e combate ao machismo que ainda ronda nossas práticas sociais. Olhar para o corpo da mulher para além de ser um corpo desejado, mas vê-lo como um corpo que merece ser respeitado."
Darlane afirma que é essencial mostrar para uma pessoa que ela deve ser respeitada e que pode se vestir ou se comportar como se sentir mais confortável. "É preciso olhar para além das normas de gênero, inclusive rompendo com essas normatividades que tanto engessam comportamentos, sentimentos, desejos e relações".
Dessa forma, a mudança deve ser geral. "Devemos investir na educação, rever o modo como as propagandas disseminam representações dos corpos de homens e mulheres, como os filmes, novelas, etc., ainda reforçam estereótipos, conversar sobre o tema em diversos espaços... Enfim, precisa haver um movimento de desconstrução das desigualdades de gênero para combater o sexismo e misoginia na nossa sociedade."
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O que o feminismo tem a ver com mamilos?
O movimento feminista também está diretamente ligado à luta por quebrar com essa representação de gênero. "Desde que se expandiu pelo mundo, ganhando força nas décadas de 1960 e 1970, o feminismo vem colaborando para o aumento de autonomia das mulheres, de conquista de direito e o direito à livre expressão da sexualidade, das identidade, de escolhas pelo uso do seu corpo e tem colaborado para mudanças de perspectivas."
Atualmente, diversos grupos de mulheres estão se organizando em movimentos a favor da igualdade de gênero. O "Free the Nipple” — liberte os mamilos, em tradução para o português —, por exemplo, se manifesta contra as inúmeras fotos de seios femininos que são censurados nas redes sociais, principalmente Facebook no Instagram.
No Brasil, o projeto "Mamilos Livres" também surgiu com o objetivo de questionar o motivo do corpo feminino sempre ser visto como "obsceno" ou "sexual". A campanha do "Mamaço" também chamou atenção para o ato de amamentar em público e diversas mulheres se reuniram em locais públicos para alimentar seus filhos em uma tentativa de normalizar esse ato.
"Vemos esses movimentos se expandirem como uma bandeira pela autonomia das mulheres sobre seus corpos, e expor os mamilos nas lutas feministas, nas marchas das mulheres, tem o sentido revolucionário de ruptura com o padrão de gênero que socialmente vem sendo imposto às mulheres", explica Darlane. Inclusive, quando famosas como Kendall Jenner expõem seus corpos em Cannes ou qualquer outro evento, o objetivo também é esse.
Apesar disso, ela afirma que esse tipo de movimento pela liberdade dos mamilos não basta para mudar a forma como a mulher é vista. "Não basta 'queimar sutiã', mas, se não queimarmos essa peça de roupa que quer 'colocar os seios nos seu devido lugar', a gente não rompe nada", finaliza.