Quando a britânica Tammy Saunders perdeu parte de seu rosto, ela perdeu também sua confiança. Mas voltar ao universo dos encontros românticos - e mais, diante das câmeras de TV - a ajudou a recuperar sua autoconfiança. Leia seu relato:
"Acho que ninguém pode dizer que é 100% seguro de si.
Todos temos aspectos de nossa aparência, personalidade ou habilidades que causam insegurança uma vez ou outra. Os anos de adolescência são normalmente os piores e, para mim, essa fase foi um luta crescente contra pele ruim, cabelo crespo e problemas com o corpo.
A beleza e o carisma da infância foram gradualmente sendo afastados. Na metade da minha adolescência eu era tão insegura que tentava evitar qualquer atividade em que as pessoas pudessem olhar para mim.
Minha mãe via que eu tinha problemas de autoestima e decidiu tomar uma atitude: me fez tentar uma vaga em um restaurante. Eu fiquei apavorada só de pensar e mais ainda quando fui chamada para a vaga de garçonete.
Leia também: Qual é o potencial de destruição da bomba H que a Coreia do Norte diz ter testado?
Mas em questão de meses eu virei uma das melhores funcionárias da equipe. Eu ainda odiava minha aparência, mas isso não era o mais o foco principal. Eu era elogiada e admirada pelas minhas qualidades.
Por volta dos 20 anos eu havia desenvolvido isso e, com mais base, rímel e batom, eu me achava mesmo bonita. Eu tinha namorado, uma casa, uma carreira e pela primeira vez em anos eu estava razoavelmente feliz com minha aparência e a vida em geral.
Só que, ao 32 anos, minha aparência e minha vida mudaram para sempre.
O Natal de 2013 seria como qualquer um: eu iria para a casa da minha mãe para passar as festas com a família. Havia planejado uma viagem para Londres no dia 27 para ver minha irmã e a família dela. Acordei naquele diz me sentindo mal, então adiei a viagem para o dia seguinte. Mas no dia seguinte acabei indo parar na UTI de um hospital da minha cidade.
Leia também: Você sabe reconhecer alguém pelos olhos? Faça o teste
O que eu pensei que era uma ressaca foi piorando até eu mal poder sair da cama e uma gota d'água me fazer vomitar. Primeiro, eu achei que era uma vírus bem pesado e tinha certeza que meu irmão estava fazendo drama com aquele papo sobre ir ao médico.
Quando minhas pernas e lábios ficaram dormentes, fiquei um pouco mais preocupada. Minhas extremidades estavam frias e nada que eu fazia era capaz de esquentá-las. Fui para o quarto da minha mãe e só de olhar para mim ela berrou para meu padrasto chamar uma ambulância.
Duas horas depois eu estava em coma em uma cama de hospital ligada a tubos, monitores e máquinas para sobreviver.
Levou dez dias para eu ser diagnosticada com septicemia meningocócica, um tipo de meningite que causa envenenamento do sangue. Eu também tinha coagulação intravascular disseminada (CID), uma versão grave de uma erupção cutânea associada à meningite. A CID levou meu vasos sanguíneos à hemorragia. O que primeiro parecia um hematoma depois foi ficando preto, à medida que minha circulação era interrompida.
Minhas extremidades foram as mais afetadas e isso resultou em necrose do meu rosto e membros. Perdi a parte debaixo do meu nariz e meus lábios quase inteiros. A carne da parte de baixo das minhas pernas e pequenas partes dos meus braços, mãos e pés tiveram que ser removidos e a pele que sobreviveu é marcada por queimaduras que parecem cicatrizes.
Tendões, músculos e nervos também foram danificados, por isso fiquei desfigurada e com problemas de mobilidade.
Então ali estava eu de novo, com um corpo e um rosto que me faziam profundamente infeliz. Passei 4 meses hospitalizadas. Mas quando deixei a segurança do hospital, onde era aceitável esta horrível e todo mundo sabia por que eu estava assim, fiquei insegura.
Antes da minha doença, eu havia batalhado para virar uma pessoa sociável e ativa, mas quando saí do hospital, quase nunca saía de casa.
Me sentia capenga e patética. Foi como se a velha Tammy, independente e de espírito livre, tivesse morrido, e em seu lugar estava essa pessoa que eu mal reconhecia. Eu não gostava do que eu via, e não só por causa da minha aparência.
Quando eu mencioneu esses sentimentos para amigos e minha família eles ficaram surpresos. Para ele, eu era a mesma Tammy, mas com o bônus de ter lutado durante uma época difícil com um sorriso no rosto.
Por mais constrangedor que fosse - e ainda é -, ouvir palavras como "inspiração" e "poder" me fazia pensar que as pessoas não podiam estar erradas. Eu era a mesma pessoa por dentro e merecia ser feliz.
Por isso me inscrevi para participar do programa do Channel 4 (emissora de TV britânica) The Undateables - um programa de namoros na TV para pessoas com deficiência. Eu havia enganado a morte - pelo amor de Deus, eu tinha certeza que não havia nada que eu não pudesse fazer.
Então, como minha mãe havia feito comigo no passado, eu decidi me arriscar.
Leia também: Enquanto Obama pede desarmamento, Brasil eleva em 46% venda de armas aos EUA
Funcionou. Participar do programa me deu o empurrão que eu precisava. Eu fui lembrada dos meus pontos positivos e foi surpreendida positivamente ao ver que todo mundo que eu conhecia também via essas características, e não apenas um rosto feio. Isso, vindo de desconhecidos que não tinham "a velha Tam" como referência, isso foi animador e eu achei que contar a história seria um processo catártico.
O encontro romântico foi a cereja do bolo.
Eu estava uma pilha de nervos antes, mas minutos após conhecer Gary consegui esquecer minha aparência. Ele olhou nos meus olhos, não para minhas cicatrizes, e gostava de mim pela minha personalidade. Eu finalmente provei que apesar de tudo que aconteceu eu ainda sou atraente, por causa da pessoa que sou por dentro.
Desde o programa eu voltei ao hospital três vezes e a cada vez fiz novos amigos. Quando fui internada pela primeira vez eu nem queria ver meus amigos por medo de como eles reagiriam à minha aparência. Mas agora tenho segurança para conversar, rir e chorar com pessoas que mal conheço.
E essa confiança cresce a cada pessoa que me diz algo carinhoso ou mantém contato porque se importam sobre minha recuperação.
Muitas vezes me dizem que não importa o que as pessoas pensam sobre mim, mas importa - especialmente quando as opiniões deles confirmam algo que eu já sentia sobre mim mesma.
Eu tive algumas reações negativas. Algumas pessoas ficam olhando para mim e cochicham e, embora eu entenda esse comportamento, acho errado.
Desde que o episódio do programa sobre mim foi ao ar, o nível de confiança que senti ao final do encontro com o Gary cresceu dez vezes.
Eu havia me preparado psicologicamente para a reação, porque sei que há muita gente que tem prazer em dar feedbacks negativos mas que eu não tinha que me incomodar. Eu esperava que amigos e família me apoiassem, mas também recebi elogios de pessoas que eu não conhecia e inúmeros tuítes carinhosos.
Isso só confirmou para mim, mais uma vez, que sou uma pessoa querida.
Minha história com a autoestima ainda está em andamento e eu sou muito grata às pessoas que me ajudaram pelo caminho. Estou decidida a manter o foco. Sei agora que a segurança vem de dentro."