Outro dia fiz um post desabafo-engraçadinho sobre a falta de educação no convívio digital e acabei sendo convidada a pensar em "dez mandamentos" das boas maneiras na internet, regras básicas para navegar nas redes sociais sem incomodar o outro à toa ou expô-lo sem querer.
Em nome dos bons modos, me apresento: meu nome é Lais Mendes Pimentel, sou carioca, tenho 50 anos, dos quais 12 vividos em Londres. Sou jornalista e roteirista e trabalhei na BBC Brasil por 10 anos. E, que é o que nos interessa neste papo, sou daquelas que vivem conectadas.
Cada mandamento foi ditado a partir da minha experiência de anos de intensa navegação. Se é para amolar o outro, que seja com consciência, e não por desconhecimento de como agir.
1. Não alugarás
Aplicativos multiplataformas como o WhatsApp devem ser usados como forma de mandar mensagens curtas, em papos tipo bate-bola. Seja para trocar infos de trabalho, amor, sacanagem, nudes, o que for.
É preciso cuidado com as mensagens de áudio. In the name of love, mensagens de 40 segundos para dizer que você está andando na rua, ouvir os beijinhos trocados com um passante conhecido, respiração ofegante, e coisa e tal... NÃO! Pecado grave. Se deu preguiça de digitar, ligue.
2. Não agredirás (o outro na página alheia)
Estamos entrando em ano de eleição, prato cheio para a mais descortês das atitudes. Mandar ofensas na página do(a) ofendido(a) por não concordar com algo que este(a) acredita, é como entrar na casa de alguém, se servir de uma bebida e dar uma cusparada nas paredes.
Ex: Anunciei que iria votar no Fulano de tal e, entre chuvas de post contrários ao meu candidato, todos OK, vejo um que diz que eu comi cocô no café da manhã. Hum...
Discorde sempre, mas se te falta argumento e te sobra raiva, não agrida a pessoa na página dela. Meu filho lê minha página, as pessoas que me amam idem... Pare de me seguir, me desafie para um duelo, mas não seja agressivo desta forma na página do colega...
+ Leia também: Britânico relata 'pesadelo' em experiência com uso de 'pílula da inteligência'
3. Não incluirás o próximo (sem consulta prévia)
Convide, sugira, apresente, MAS NÃO INCLUA UMA PESSOA NUM GRUPO SEM TÊ-LA CONSULTADO ANTES!
Já fizeram isso comigo inúmeras vezes e na vasta maioria foi ótimo. Mas quando o grupo representa o oposto do que você acredita ou quer, aí, baby, dá uma raiva da pretensão do outro.
Eu não quero estar num grupo que avisa cada assalto ou suspeita de crime na minha área. Não. Detesto isso. Acho que gera paranoia. Entendo as boas intenções de quem age assim. Entenda, então, a minha. Eu gosto de ser convidada a ir a algum lugar, e não acordar lá.
4. Não confiarás em sigilo
Quer mandar nudes (nomenclatura da hora para as fotos íntimas), mande. O corpo é teu. Mas saiba que na hora que apertar o "enviar", ninguém é de ninguém.
Uma foto pode circular de mil maneiras. Por vontade própria de quem usou, ou de quem acessou indevidamente o teu celular, seja por roubo do aparelho ou pelos malwares da vida. Confie no teu instinto ou na tua autoestima. Jamais no sigilo total em nossos tempos.
5. Não espalharás falso testemunho
Cuidado ao publicar frases atribuídas a Luis Fernando Verissimo ou a Chico Xavier... O pensamento pode ser incrível, mas a chance de ser uma balela é imensa.
+Leia também: Marchinha ‘pró-Chico’ combate intolerância com intolerância
Este hábito de desconfiar sempre da fonte certamente é fruto da minha veia jornalística – e isso, assumo, pode me tornar uma chata. Assim, ando me segurando muito na hora de alertar o amiguinho virtual de que não se deve sair compartilhando tudo e qualquer coisa sem uma checadinha básica.
Afinal, com a regularidade das estações, leio os posts borbulhando de tristeza de tantos pela morte de Nicolas Cage e Carlos Moreno (o eterno garoto-propaganda da Bombril). E a gravidez de Diana Ross aos 70 anos? E aquela declaração solene proibindo o Facebook de compartilhar nossas fotos? Aliás, fico sempre imaginando como deve ser sordidamente divertido criar boatos e vê-los se espalhando tal qual praga pelas paragens virtuais.
6. Honrarás a essência do grupo
Por que participamos de grupos no WhatsApp? Pois aquela turminha reunida tem um interesse em comum. Isso não significa que quem faz meditação aprecia correntes em nome de Nossa Senhora ou quer receber pedidos de doação de sangue para uma criança na madrugada.
Eu acho isso tão claro... Mas, francamente, não é.
Não sou eu que tenho de desativar o barulhinho do meu celular para não ser avisada de que entrou uma postagem totalmente alienígena ao tema proposto.
Sim, depois de alguns avisos, saí do grupo de meditação no WhatsApp. Namastê.
7. Não cutucarás
Isso é dogma. Não tem nem que discutir.
8. Não lutarás em todas as guerras
Ninguém é obrigado a entender todos os temas ou a ter uma opinião sobre tudo.
Debater com quem tem algo a dizer, mesmo que seja contrário ao que você pensa, é uma delícia. Não perca seu tempo com quem escreve uma bobagem e te manda um beijo. Deixe de lado. Curta como registro de que você leu a tolice dela e siga em frente.
9. Não darás indireta
É chaaaaaaaaaaaaato pra quem lê e dá uma certa vergonhinha alheia. E não queremos despertar tais sentimentos em ninguém.
10. Não compartilharás em vão
A estrada para o paraíso virtual é cheia de atalhos enganadores. Fotos de crianças doentes ou deformadas – o mesmo vale para bichinhos fofinhos e desamparados –, pedindo que sejam feitas doações, ou que vêm com aquela promessa de que um real será doado para cada compartilhamento... Alerta máximo!
Se você não conhecer pessoalmente quem publicou, deixe pra lá.
Tem um post de doação de cadeira de rodas e de uma ninhada de labradores que circulam HÁ ANOS na internet. Ou seja, se quiser realmente fazer o bem, a diferença na vida de alguém, gaste cinco minutos e apure se é isso mesmo. Ou busque uma instituição ou grupo que o faça.
*Lais Mendes Pimentel, autora deste artigo de opinião, é jornalista, roteirista e colaboradora da BBC Brasil