Colunista do Delas, Heitor Werneck conversou com uma mulher submissa e mostra um pouco mais sobre esse fetiche
No dia a dia, ela se divide entre os estudos e a servidão. Oferece companheirismo, sensualidade, simpatia. Curte shibari e sabe muito sobre liturgia e fetiches. Ela é singular, maravilhosa. Uma criatura luxuriosa, enfim. Uma mulher submissa .
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Na coluna de hoje, conversamos com essa mulher submissa e ela conta os detalhes da prática. Confira:
Heitor Werneck: Você poderia dar dicas para as meninas sobre ser feminina, ser respeitada como mulher e, ao mesmo tempo, viver a submissão?
Ginger: Primeiramente, cada uma deve se conhecer o suficiente para encontrar uma forma de ser feminina (e até sexy) dentro do próprio corpo. Não adianta ela querer fazer o papel de “mulher fatal”, adotando roupas justas, saltos altos etc., se de fato não se vê nisso. A partir daí, é necessário buscar sua feminilidade dentro de seu estilo próprio. Quanto ao respeito, é complicado, pois é um meio onde pregam (erroneamente, ao meu ver), que sub tem sempre que estar de cabeça baixa, com um “sim, senhor” na ponta da língua. Ser submissa não é sinônimo de ser omissa, de ser nula. Acredito que, mesmo se colocando como submissa, ela deve trabalhar o autoconhecimento quanto à própria personalidade. Não é porque encontra alguém que se diz Top que ela tem a obrigação de concordar com tudo cegamente. É necessário manter-se como um ser pensante. Tem que saber se colocar, educadamente, quanto aos seus pensamentos, vontades e necessidades. Amor próprio é indispensável.
Heitor Weneck: Você consegue identificar as qualidades que um dom ou domme devem ter?
Ginger: Tudo no BDSM gira em torno de confiança. Ter caráter é indispensável. Também são imprescindíveis a sinceridade e a humildade, sem a qual a pessoa não reconhece seus pontos fracos, que tanto podem ser da personalidade ou da habilidade para esta ou aquela prática. O dom e a domme também devem buscar sempre o bem-estar tanto dele(a) mesmo(a) quanto de quem se submete, e aperfeiçoar sempre as técnicas das práticas que se dispõe a fazer.
Heitor Werneck: O que é submissão para você?
Ginger: Para mim, é o ato de ter prazer em dar prazer ao outro. É servir, estar presente e disponível para satisfazer o outro, mas sempre dentro dos limites previamente acordados. É conhecer o outro e ser proativo em agradá-lo, mas sem se tornar um vegetal, mantendo intacta sua essência humana, sua personalidade, valorizando seus pontos fortes e buscando aperfeiçoar e melhorar os pontos fracos.
Heitor Werneck: O que é masoquismo?
Ginger: Na minha concepção, é o fato de sentir prazer na dor, ter a dor como gatilho para o prazer, independentemente de suportá-la em níveis mais ou menos altos. Já vi definições que incluem situações de sofrimento no contexto, como torturas (sempre consensuais, é importante frisar), por exemplo.
Heitor Werneck: Quais os aspectos que mais exigem cuidado em uma sessão?
Ginger: Acho que os cuidados na sessão começam antes dela em si. É preciso todo um planejamento do que se pretende fazer, uma vez que algumas práticas requerem materiais específicos, como cordas, mordaças etc. Em seguida, é necessário de fato dominar as técnicas para execução das práticas, assegurando-se de que tudo está correndo como deveria e que sua segurança não está em risco. É necessário, ainda, conhecer os pontos críticos e ter sempre uma forma rápida para interromper a prática, como uma tesoura ortopédica, se estivermos falando de bondage/shibari, por exemplo. Cada prática tem seus pontos de segurança, que devem ser observados com atenção.
Heitor Werneck: Qual prática você considera a mais perigosa?
Ginger: Eu acredito que toda prática pode ser potencialmente perigosa se mal executada, porém existem práticas com maior risco, como knife play (brincadeiras com facas), asfixia erótica, cutting etc.
Heitor Werneck: O que é spanking?
Ginger: Spanking é o ato de bater, consensualmente, no seu parceiro, visando o prazer de ambos os envolvidos.
Heitor Werneck: Você pode explicar e detalhar algumas técnicas de spanking?
Ginger: O spanking pode ser feito com as mãos ou com a ajuda de acessórios . Esses acessórios podem ser desde os feitos especificamente para a prática (floggers, chibatas etc.) até os itens comuns em qualquer casa (tais como chinelos, cintos, costas de escovas de cabelo etc.). É importante reconhecer as características do tipo de material que se pretende utilizar – se é muito rígido ou flexível, se é liso ou áspero, se pode quebrar com facilidade conforme a intensidade do golpe, se pode causar lesões na pele como cortes etc. Conhecer as características do material é necessário para saber em qual parte do corpo é possível utiliza-lo ou não.
Existem áreas mais ou menos recomendadas para receber spanking, assim como existem partes vetadas para receber golpes de qualquer tipo que seja – as articulações, por exemplo, bem como rins, costelas, coluna, quadril, pescoço e canela. Panturrilhas, parte interior da coxa, omoplatas e mãos podem receber golpes moderados, preferencialmente com itens mais flexíveis. Coxas (parte dianteira e traseira) são um pouco mais tranquilas quanto a golpes, e a nádega é o lugar mais seguro para o spankig, podendo usar praticamente todos os ítens.
Recomenda-se também fazer um aquecimento, com golpes mais leves, até a pele ficar rosadinha e de fato quente, para só então subir a intensidade dos golpes. Ou seja, ele se intensifica gradativamente. Dessa forma, a pele fica melhor preparada e mais resistente aos golpes.
Heitor Werneck: Gostaria muito que você deixasse um depoimento sobre submissão, sobre respeito e sobre as qualidades de uma submissa.
Ginger: Li uma vez um relato dizendo que a submissão é o mais egoísta dos fetiches , pois ela se basta e proporciona prazer até quando fazemos algo que não seria prazeroso aleatoriamente, e que se torna gostosa só pelo fato de estar servindo. Tudo gira em torno da entrega, que é consequência da submissão. O prazer reside nessa dedicação ao outro, nessa disposição para superar limites dentro do negociado, etc. A força e a postura que uma submissa tem por aquele que ela aceita como Dono merecem respeito.
Heitor Werneck: Em uma relação de BDSM, você pode ter irmãos de coleira?
Ginger: Sim, é muito comum que existam irmãs ou irmãos de coleira dentro de um relacionamento BDSM, que nada mais é quando o Top passa a ter mais de uma posse, podendo essas posses terem interação e convívio entre si ou não.
Heitor Werneck: Que dicas você daria para novas subs e novos doms?
Ginger: Ter paciência e fazer tudo a seu tempo. As práticas são coisas sérias e que oferecem risco real. Busquem o máximo de conhecimento, sempre. Procurem por pessoas mais experientes, não tenham medo de perguntar, aprendam com quem já sabe. Não se acomodem, aprimorem-se constantemente e só saiam do teórico para a prática quando se sentirem absolutamente seguros para tal.
Heitor Werneck: Explique para um iniciante o que significa “são, seguro e consensual”.
Ginger: O conceito de "são, seguro e consensual" é um dos pilares do BDSM e estabelece que tudo deve ser feito da forma mais sadia possível (todos os envolvidos devem estar bem no momento, sem ingestão de substâncias que tornem sua consciência questionável etc.), seguro (buscando conhecer técnicas que amenizem o risco das práticas que serão realizadas – e toda a prática tem sua respectiva técnica) e consensual (onde todos os envolvidos sabem tudo o que vai acontecer e decidem fazer consensualmente, sem pressão ou obrigação de fazer).
Heitor Werneck: Em que ponto a relação BDSM se diferencia da baunilha, se é que há diferenças, sendo que ambas devem se basear no respeito?
Ginger: Eu creio que a grande diferença esteja na liberdade que o BDSM oferece de diálogo. Isso acaba criando um companheirismo e uma cumplicidade que não estamos acostumados a ver no relacionamento baunilha, justamente por padrões sociais. Outra diferença é a aceitação da não-monogamia como um padrão.
Heitor Werneck: O que é um contrato? O que é coleira?
Ginger: Contrato é a formalização de tudo o que foi negociado no início da relação. Apesar de não ter valor legal real, tem grande importância entre praticantes mais antigos e litúrgicos, de forma a não restarem dúvidas sobre todas as regras que irão reger o relacionamento enquanto o mesmo existir. A coleira é o símbolo da posse, de ser posse de outro. Tem grande peso e valor para o casal e também serve como indicador social dentro da comunidade, sinalizando que aquela pessoa não está disponível.
Heitor Werneck: Fale sobre seus fetiches.
Ginger: Gosto da submissão e gosto da dor. Também sou extremamente apaixonada por cordas, seja em shibari ou em bondage, sendo que neste último, especificamente, tenho um carinho especial pelo contexto de “donzelas em perigo”. Amo situações de vulnerabilidade e perigo, como knife play (facas, ou lâminas em geral, no meu caso), fear play (medo), edge play (chegar a limites). Tudo o que é oposto a “moral e bons costumes” me excita.
Conte sua primeira experiência como submissa e como masoquista.
Ginger: Primeiro, como submissa: eu tinha 19 anos e descobri que um amigo meu curtia ser dominador. Acabamos conversando e começamos a negociar. Durou pouco tempo, porém tínhamos contato diariamente por telefone, mensagens, MSN. Fiquei com aquele gosto de “quero mais” quando acabou. Foi o que me fez ter a certeza de que era aqui o meu lugar, e aqui estou até hoje.
Como masoquista, é um pouco mais complexo poder relatar, pois apesar de já ter experimentado diversas práticas que envolveram dor, estou conhecendo o meu lado masoquista recentemente, e a cada sessão, abre-se diante de mim um novo mundo de sensações para degustar.
Acompanhe a coluna do Heitor Werneck no iG e saiba mais sobre ser submissa e outras práticas de fetiche.