Vannessa Gerbelli é juíza em “As Bruxas de Salém”
NANA MORAES/DIVULGAÇÃO
Vannessa Gerbelli é juíza em “As Bruxas de Salém”

A clássica peça “As Bruxas de Salém”, escrita por Arthur Miller em 1953, ganha uma nova leitura nas mãos do diretor Renato Carrera . A montagem estreia em 4 de setembro no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, com um elenco de 15 atores e atrizes — entre eles, Vannessa Gerbelli, que assume um dos papéis mais simbólicos e controversos da obra: o juiz Danforth .

Na montagem original, o personagem é um homem, símbolo de uma autoridade implacável, responsável por liderar os julgamentos que desencadeiam uma onda de histeria e perseguição em uma comunidade puritana do século XVII. Na versão dirigida por Carrera, no entanto, a função de julgar, condenar e sentenciar está nas mãos de uma mulher — e não uma mulher qualquer: Vannessa Gerbelli, atriz de longa trajetória no teatro, cinema e televisão, dá corpo e densidade a uma personagem que ganha novos sentidos com a inversão de gênero .

“Colocar uma mulher neste papel é uma inversão que vai provocar bons questionamentos na plateia, já que não havia espaço para nós em cargos de poder até muito pouco tempo. Como nossa montagem não remeterá à época, acho provocador colocar uma mulher no papel de autoridade máxima em Salém” , afirma Gerbelli em entrevista exclusiva ao iG Delas .


Um olhar feminino sobre o poder

A peça se passa em 1692, na vila de Salém, Massachusetts, onde um grupo de jovens é acusado de bruxaria após ser flagrado dançando na floresta. O que começa como uma suspeita rapidamente se transforma em uma caça às bruxas institucionalizada, com julgamentos públicos e condenações sem provas — tema que, embora histórico, reverbera com força no presente. A substituição de um juiz homem por uma juíza mulher, nesse contexto, traz camadas adicionais à narrativa.

“É interessante falar de hierarquias, de poder, de julgamento e intolerância neste momento em que vivemos” , diz Vannessa.

Nosso tempo ainda é muito masculino no modo como exerce o poder. Ver uma mulher nesse lugar pode ser desconfortável para alguns — e, justamente por isso, necessário.”

Etarismo em xeque: a maturidade no centro do palco

Além da inversão de gênero, outro ponto que se destaca é a escolha de uma atriz madura para protagonizar uma figura de autoridade . Em um mercado historicamente marcado por etarismo, Vannessa vê sua escalação como um gesto político e artístico.

“Acho um grande desperdício — e uma grande burrada — o etarismo no Brasil” , dispara.

“Pessoas acima dos 40, de um modo geral, acumulam mais complexidades e nuances em sua personalidade. Um rosto mais jovem pode ser muito atraente para se olhar, mas se o papel precisar de um entendimento da vida que o jovem ainda não viveu… vai deixar a desejar para a obra.”

Segundo a atriz, é preciso pensar as artes cênicas como um espelho da vida — e a vida, hoje, é vivida por uma população cada vez mais madura .

“Existe um público imenso que não está sendo representado e nem considerado. É preciso repensar toda essa produção, na minha opinião.”

Uma Salem contemporânea

Embora inspirada em eventos do século XVII, a peça de Arthur Miller nunca deixou de ecoar nos contextos em que foi remontada. Escrita durante o macarthismo nos Estados Unidos — período de intensa perseguição política contra supostos comunistas —, “As Bruxas de Salém” fala sobre o medo, a manipulação da verdade e a destruição pública de reputações. Temas que, em 2025, permanecem tão atuais quanto incômodos.

Na verdade, o bacana é buscarmos o que não muda e propormos uma reflexão para os nossos tempos” , afirma Vannessa.

Estamos num momento obscuro, em que a intolerância, o julgamento e o radicalismo estão fora de controle. Nunca houve tão pouco entendimento entre as pessoas. Acho importante que o público perceba o perigo da morte do diálogo.”

A montagem dirigida por Carrera enfatiza essa conexão com o presente. O cenário evoca um ambiente subterrâneo — o que o diretor define como “o subsolo da alma” —, há música ao vivo e imagens captadas em tempo real durante as apresentações. Tudo contribui para um clima de opressão que atravessa séculos e chega à era digital.

Fake news, linchamentos e a ética à prova

O paralelo com a realidade brasileira é inevitável. Vannessa não hesita ao apontar as semelhanças: “Fake news ganhando palco de uma maneira inacreditável, cancelamentos, linchamentos com alcance mundial destruindo vidas… nunca a nossa ética foi tão posta à prova como agora.”

Para a atriz, os julgamentos públicos da peça não diferem tanto dos julgamentos sumários que ocorrem hoje em redes sociais.

“A diferença é que agora temos ferramentas mais rápidas e mais impiedosas. Mas o mecanismo é o mesmo: medo, manipulação, desejo de controle. Estamos todos vulneráveis.”

Um clássico que fala do essencial

Apesar da dureza do tema, ela acredita que a nova montagem oferece uma experiência potente para o público.

“A peça vai trazer uma montagem moderna, com boas atuações, vibrante, com um clima musical e visual incríveis” , adianta.

Um clássico vira clássico pela capacidade de tocar as pessoas independentemente da época, porque fala do que é essencial em nós. Uma boa história sendo bem contada num palco é sempre um deleite.”

Serviço

As Bruxas de Salém
📅 Temporada: 4 de setembro a 5 de outubro de 2025
🕗 Quinta a sábado às 20h | Domingo às 18h
📍 Teatro Casa Grande – Av. Afrânio de Melo Franco, 290, Loja A, Leblon, Rio de Janeiro
🎟 Ingressos: eventim.com.br
⏱ Duração: 150 minutos
🔞 Classificação: 14 anos

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