A invenção da pílula anticoncepcional representou uma grande conquista na emancipação das mulheres e, hoje, é amplamente usada: de acordo com dados de 2014 da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), cerca de 100 milhões de mulheres usam o método no mundo. Já no Brasil, pelo menos 27% das mulheres em idade fértil optam por ele.

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Uma ginecologista e uma nutricionista ponderam sobre o uso da pílula como tratamento de distúrbios metabólicos
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Uma ginecologista e uma nutricionista ponderam sobre o uso da pílula como tratamento de distúrbios metabólicos

Além de evitar uma gravidez indesejada com uma taxa de eficácia de 99,9%, a pílula também é recomendada como tratamento para diversos problemas, desde os mais simples, como acne e cólicas, até outros mais complexos, como SOP (Síndrome dos Ovários Policísticos) e endometriose. Mas, afinal, será que o anticoncepcional serve realmente como tratamento?

Os princípios ativos presentes no anticoncepcional, geralmente compostas por equivalentes sintéticos de estrogênio e progesterona combinados, ou apenas de progesterona, impedem a ovulação na mulher, que é o que efetivamente alivia acne, cólica e os sintomas da SOP e da endometriose .

“Na endometriose, o que acontece é que o endométrio cresce demais, e então, na menstruação, a mulher sofre muito mais com cólicas para eliminar aquilo tudo. Quando você usa um medicamento que bloqueia a ovulação, que é o que faz o endométrio crescer, e a menstruação, que provoca as cólicas, com o uso da pílula contínua, você impede os sintomas”, explica ao Delas a ginecologista e obstetra Miriam Waligora.

Já a SOP é um distúrbio metabólico crônico no qual os ovários crescem e criam pequenos cistos no seu exterior. Isso, somado a um aumento na produção de hormônios masculinos, leva a mais acne e pelos pelo corpo, afetando também a formação de óvulos saudáveis, deixando a ovulação irregular e podendo até levar à infertilidade.

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Nesse caso, Miriam argumenta que a vantagem do anticoncepcional é, além de bloquear completamente a ovulação, aumentar a quantidade dos hormônios femininos no corpo da mulher, aliviando os sintomas secundários da SOP.  

“Mas, é claro, existem medicamentos associados para se usar, [o anticoncepcional] não é o tratamento ideal, nem exclusivo. Agora, cura mesmo, só com cirurgia, mas isso nem sempre compensa. A SOP, por exemplo, existe em vários graus, pode ser que a pessoa nunca manifeste os sintomas, por exemplo, ou manifeste muito pouco, e aí a gente pode controlar isso”, defende. Como outras opções, ela sugere o adesivo, o implante, o anel vaginal e o SIU Mirena - todos hormonais.

A estudante de psicologia Mariana Branco é uma das tantas mulheres com ovários policísticos e diz estar perfeitamente adaptada à pílula. Hoje com 22 anos, ela começou a usar o anticoncepcional com 16 para tentar aliviar as cólicas intensas que sentia e acabou descobrindo os cistos no ovário.

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“Meu corpo aceitou bem o anticoncepcional. Depois que comecei a usar, nunca mais parei, nem penso em parar. Não vejo coisas ruins nele, e a cabeça fica bem mais tranquila tomando o anticoncepcional. Para mim, é 100% benéfico: menos espinhas no meu rosto, menos dores menstruais e sem preocupações”, defende.

Outra opção

Apesar de a maioria dos médicos ginecologistas defenderem métodos hormonais como as únicas formas de tratamento à SOP e endometriose, é importante pontuar que existem outros tratamentos. Como são condições metabólicas e hormonais, é possível realizar o tratamento a partir de um endocrinologista e uma nutricionista. Existem profissionais que defendem, inclusive, que o anticoncepcional apenas mascara os sintomas das doenças visto que eles voltam a se manifestar se a mulher para com o anticoncepcional.

Somado a isso, cada vez mais mulheres estão optando por deixar os hormônios, tendo algum desvio metabólico ou não, na busca de métodos contraceptivos ou tratamentos menos “agressivos” para o corpo - lembrando que a pílula têm uma série de efeitos colaterais, estando associada à queda de libido, enxaquecas, retenção de líquido, aumento de peso e aumento das chances de desenvolver trombose, especialmente nos primeiros seis meses de uso.

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A jornalista Paula Calçade é uma das mulheres que decidiu procurar uma alternativa. Diagnosticada com SOP aos 17 anos, ela chegou a tomar o anticoncepcional hormonal por quase dois anos. “A médica me recomendou sem fazer um rastreamento muito profundo da minha SOP. Eu comecei a tomar, mas fui ficando insatisfeita. Tive queda na libido, me sentia inchada, e a minha irmã teve início de trombose. Então eu fiquei assustada, não queria mais”, conta.

Ela, no entanto, precisou pesquisar muito e consultar diferentes profissionais até descobrir que havia outra opção. “Foi só quando eu me consultei com uma ginecologista do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde que eu entendi que a SOP também está relacionada à gordura no corpo, que acumula testosterona, e a uma resistência à insulina, muitas vezes, e que perdendo peso os sintomas passariam. Ela me encaminhou a uma nutricionista e foi isso. Emagreci uns 5kg, e os meus ciclos se regularizaram.”

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A nutricionista Carol Faria explica a lógica por trás do tratamento. “Uma alimentação saudável, ligada à prática de exercícios físicos, trata o berço do problema, ou seja, a resistência à insulina - que os hormônios não tratam. Controlando isso, a gente diminui os níveis dos hormônios androgênicos, que são os masculinos, responsáveis pelos sintomas desagradáveis”, afirma.

Para a endometriose, Carol diz que a estratégia é a mesma. “A alimentação em ambos os casos deve ser rica em frutas, legumes e verduras e com baixo consumo de gorduras e alimentos industrializados. Realizar exercícios físicos e perder peso também é essencial. Aí vai de examinar cada mulher e avaliar qual é a necessidade de perda de peso individual de cada uma.”

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Sobre a recomendação da pílula como tratamento, a nutricionista problematiza: “acredito que indiquem pelo fato de ser considerado um tratamento de primeira linha, com resultados rápidos, esperados pelas pacientes. Mas são apenas momentâneos. A partir do momento em que a mulher para o anticoncepcional, os sintomas voltam automaticamente. O anticoncepcional não trata onde o problema nasce e se desenvolve, apenas os sintomas que ele provoca”, completa.

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