Com os avanços em torno dos debates sobre representatividade de gênero, passa-se a contestar também os padrões impostos ao vestuário
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Com os avanços em torno dos debates sobre representatividade de gênero, passa-se a contestar também os padrões impostos ao vestuário

A moda sempre foi um reflexo de seu tempo. Exemplo disso é o quanto o guarda-roupa feminino precisou se reinventar durante a Primeira Guerra Mundial. Enquanto os homens estavam nos campos de batalha, as mulheres tiveram que assumir atividades que até então eram consideradas masculinas, como o trabalho nas fábricas. Com isso, as crinolinas e espartilhos da Belle Époque começaram a dar espaço a peças mais práticas e confortáveis.

Mais de 100 anos depois, e a moda continua sendo um espelho das grandes transformações sociais, não somente diante de momentos históricos delicados, mas também por meio da ruptura e da superação de pensamentos considerados ultrapassados. Com os avanços em torno das discussões sobre representatividade de gênero, a Geração Z  passa a contestar também os padrões impostos ao vestuário.

"As marcas e as próprias personalidades passaram a contestar padrões e reforçar que uma peça de roupa não deve ser demarcadora de gênero", comenta Patricia Schneid, gerente de estilo da Dafiti. Na última temporada de moda masculina, por exemplo, podemos observar novos significados para o uso de saias, brilhos, transparência, cintura alta e estampas florais. Patrícia cita alguns exemplos:

  • Os shorts vieram muito fortes e com novos comprimentos, mais curtos, provando que a peça pode ser uma aposta para diversas ocasiões. A tendência se destacou ao integrar desde looks mais despojados, com regatas, até looks mais estruturados, com blazers de alfaiataria;
  • Outra característica que não passou despercebida foi a cintura alta. A modelagem tem ganhado força nas calças e shorts jeans e de alfaiataria;
  • O oversized também esteve presente, com peças mais largas e confortáveis. Recentemente, a modelagem voltou com tudo e, nas semanas de moda masculina, mostrou que a alfaiataria, incluindo peças como calças, shorts e blazers, pode ser uma grande aliada;
  • Combinando short, cintura alta e oversized, as passarelas trouxeram uma mistura de cores em suas composições, mas o destaque ainda foi o monocromático. Com tons neutros e terrosos, os looks de uma mesma cor garantem um ar de sofisticação e elegância;
  • Além das roupas, os cabelos também merecem atenção. O wet hair, ou seja, o aspecto do cabelo molhado, já esteve presente nas semanas de moda feminina e, entre os desfiles masculinos, conquistou espaço nos fios mais curtos e mais longos.

Mas, a especialista lembra que, apesar de reforçarem uma moda sem gênero, esses eventos continuam restritos a um público pequeno e com maior poder aquisitivo. As redes sociais, então, ganharam um papel essencial nesse debate. Celebridades e influenciadores transitam por peças agêneros, ressaltando a importância de a moda ser uma expressão da própria identidade, sem se preocupar com os rótulos culturais e sociais impostos.

Eleger quais roupas são consideradas "masculinas" ou "femininas" é apenas uma construção social. Não à toa algumas peças que hoje são mais comuns no guarda-roupa das mulheres primeiramente foram pensadas para os homens, caso da saia e do salto alto. Lá no século XVII, o monarca frânces absolutista Luís XIV já usava vestimentas extravagantes como forma de demonstrar seu poder e autoridade.

Mais recentemente, na década de 1970, foi a excentricidade que deu o tom. Inspirado pelo movimento hippie dos anos 60, o estilo rock glam se destacou entre estrelas como David Bowie e Ney Matogrosso. A moda ficou marcada pela estética andrógina, com o uso de bandanas, calças flare, saltos altos, entre outros.

Nos anos seguintes, a discoteca, e depois, o movimento punk rock se sobressaíram. Olhos marcados e  unhas pintadas não eram incomuns entre os homens.  À época, os shorts curtos masculinos também viveram seu auge. Nos anos 80, no entanto, surgiram os primeiros índicios de um vírus desconhecido e fatal. Tinha início a epidemia de Aids.

Uma onda de preconceito correu o mundo todo, com a doença sendo frequentemente associada ao público LGBTQIA+. Entrava a "necessidade" de se diferenciar, de grosso modo, homens héteros e gays. E a moda, que era usada como sinônimo de rebeldia e contracultura, passou a ser um dos elementos de diferenciação. 

Hoje, os homens parecem estar cada vez mais se conhecendo e descobrindo quais peças e acessórios mais combinam e melhor expressam seu estilo, usando a moda como um caminho para experimentação, independentemente da orientação sexual. Seguir e acompanhar as tendências significa estar por dentro das novidades do mundo da moda, mas não se resume apenas a isso!

"Consumir algo ou deixar de consumir pode ser, inclusive, um ato político. A moda é uma das muitas maneiras que temos de sinalizar quem somos, a quais grupos pertencemos e o que acreditamos e esperamos do mundo. Ela reflete o que vivemos e as necessidades que temos neste momento", finaliza Patricia Schneid.

** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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