Quando a professora de educação infantil Tatiana Carina de Sousa Alves, 27, começou a trabalhar em home office por conta da pandemia de Covid-19, notou alguns comportamentos diferentes na sua filha Laura, na época com 1 aninho . “Ela balançava muito as mãos quando me via (flapping), não olhava no olho, ela não dava tchau, não mandava beijo, quando ela era neném andava muito pro lado e olhava fixo para a televisão”, conta.
Tatiana, que já havia trabalhado com crianças com deficiência, sabia que esses comportamentos poderiam se encaixar no Transtorno do Espectro Autista. Após insistir com seu pediatra, recebeu um acompanhamento para um neurologista, que confirmou que Laurinha era autista moderada e tinha surdez unilateral.
Hoje, um ano depois, Laurinha, de dois anos, está colhendo os frutos do diagnóstico precoce. Ela tem uma rotina puxada de terapia, quatro vezes por semana, 3 horas por dia, sob o modelo Denver, método de intervenção precoce para crianças autistas.
“A Laura não aceitava a sua irmã Bárbara, de 6 anos, na brincadeira. Hoje em dia elas estão muito unidas e consegue sustentar mais o olhar também. No começo foi difícil para Bárbara. Ela sempre quis ter uma irmãzinha, mas veio de um jeito que ela não imaginava. Ela ia na psicóloga e perguntava porque a Laura não amava ela”, lembra a mãe, que fez um Instagram para conscientizar outros pais e mães sobre o autismo.
Intervenção precoce
Thainara Morales Andretta é analista de comportamento, psicopedagogia, especializada em autismo e diretora na Clínica Arte Psico, onde Laurinha vai. Ela explica que é muito importante diagnosticar o quanto antes e realizar o tratamento.
“O autismo, que é uma síndrome comportamental, prejudica o desenvolvimento da criança, pois afeta os marcos de desenvolvimento. Podemos rastrear sinais a partir dos 4 meses de vida do recém nascido. Aos 10 meses de vida o paciente deverá ser atendido por uma terapeuta capacitada e indicado para intervenção precoce. Quanto antes, melhor o prognóstico e sucesso no tratamento”, explica Morales.
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Thainara explica que os pais devem ficar atentos a alguns sintomas como déficit na comunicação social ou interação social nas linguagens verbal, não verbal e na reciprocidade socioemocional, além de padrões restritos e repetitivos de comportamento, como movimentos contínuos, interesses fixos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais.
“Na idade de 0 a 3 anos temos uma janela de oportunidades chamada poda neural. Com o passar do tempo algumas ramificações são utilizadas mais que as outras, e assim as menos ou nunca utilizadas, passam pela primeira poda neuronal. O próprio cérebro descarta todos os neurônios que até então não foram utilizados de forma adequada. Por isso que o sucesso do tratamento vem com a precocidade da estimulação, o quanto antes melhor”, diz.
Aceitar o diagnóstico
Tão importante quanto identificar os sintomas e buscar ajuda profissional especializada é aceitar o diagnóstico. Elisabete de Oliveira, analista financeiro, 42, conta que Mateus, 12, não apresentava sintomas agudos de autismo quando era pequeno. “De início parecia uma criança típica, saiu da fralda com 1 ano e pouco, parou de chupar a chupeta sozinho aos 2, engatinhou e andou no período certo”, lembra.
Tudo começou quando Elisabete levou Mateus para a escolinha e as funcionárias reclamavam que ele não respondia quando era chamado. Pensando que talvez ele tivesse uma deficiência auditiva, levou-o ao neurologista. Após seis meses de terapia, veio o diagnóstico que Mateus, na época com 2 anos e 6 meses, era autista.
“Você escuta e acha que ele não é. Quando eles são pequenininhos, especialmente o Mateus que era leve, era muito difícil aceitar. Era mais fácil aceitar que era alguma ‘manha’ de filho único. Só caiu a ficha quando ele tinha 4 anos. Chorei muito”, conta.
Apesar da dificuldade de aceitar o diagnóstico, Elisabete fez de tudo para oferecer o melhor tratamento para Mateus. “Quando tive o diagnóstico, ele começou a tomar medicamento e eu coloquei ele em fono e terapia ocupacional. Lá atrás era difícil encontrar profissionais especializados em crianças autistas no Brasil para famílias com uma renda menor. A fono trabalhava muito a dicção dele, mas não era algo voltado para o autismo”, diz.
Aos 8 anos de idade, a mãe trocou os profissionais que trabalhavam com Mateus, para uma equipe especializada em autismo e que utilizam a terapia ABA. “A partir daí, o tratamento começou a funcionar de verdade. Pela minha falta de experiência, não conseguia perceber muita coisa. Hoje, Mateus está em processo de alfabetização, já entende as coisas que a gente fala, ele pergunta e conta as coisas que acontecem”, diz.
Preconceito
Os pais de crianças autistas enfrentam muito preconceito e exclusão, especialmente na escola. Para Elisabete, esse é um dos maiores desafios em criar um filho autista. Apesar de Mateus estar matriculado em uma escola regular, com menos de dez alunos na turma, dois pais já conversaram com a escola para impedir que ele estudasse na mesma turma que suas filhas.
“As escolas que dizem que são inclusivas, é uma mentira. Eles não entendem, a escola não fala a verdade para os pais. Na escola eu sempre digo ‘mas ele é autista’. Por mais que ele faça terapia, tem dias que ele vai se auto agredir e gritar e vai ter dias que ele vai se comportar”, detalha.
“Eles sofrem muita exclusão, devemos mostrar para a sociedade o que é, como tratar e que não é uma doença, eles aprendem de uma forma diferente”, pontua Morales.