Com o segundo turno eleitoral se aproximando, é cada vez mais difícil fugir e não falar sobre política . Diante da polarização e do discurso de ódio que avança, é natural que o assunto chegue até as crianças que abordam os pais com perguntas como “o que é ditadura?”, “como funciona uma eleição?”, “o que é direita e esquerda?” ou “qual o melhor candidato?”. Mas, como falar de política com as crianças?
Como falar de política com as crianças passa a ser uma questão espinhosa e que confunde os pais. Afinal, será melhor evitar ou falar abertamente sobre o tema? Na maioria dos casos, os adultos optam por não falar sobre assuntos complexos com a intenção de poupá-las emocionalmente e até por acreditar que elas não vão entender sobre o que se fala. Entretanto, essa não é a saída mais indicada.
“Ao invés de deixarem-nas à parte destes assuntos, sugiro uma linguagem simples, informativa, desprovida de juízos de valor e cargas emocionais pesadas”, indica a psicóloga escolar e orientadora parental Fernanda Rímoli. Para isso, usar exemplos do dia a dia da criança pode contribuir muito para o entendimento daquilo que os pais estão tentando explicar.
De acordo com Fernanda, quanto mais novos, mais curta deve ser a explicação dos pais. E não é preciso se preocupar tanto, já que a própria criança costuma dar dicas e sinais de como seguir na explicação, fazendo perguntas e manifestando emoções. Se a pergunta for “o que faz um presidente?”, por exemplo, atente-se para responder apenas isso, de forma curta e direta.
“Lembrando que, na maior parte das vezes, quem não lida bem com assuntos complexos são os adultos, pois as crianças têm grande capacidade de acomodar sentimentos e de se desenvolver a partir das situações de crise quando o contato com o assunto é feito cuidadosamente”, completa a profissional.
Como falar de política com as crianças diante da polarização
Estamos enfrentando um cenário de polarização política que reflete significamente nas relações sociais. Assim como os adultos, as crianças se sentem angustiadas e perdidas, sem entender o que está acontecendo no País. “A sociedade está angustiada com a situação política atual e as crianças não sentirão diferentemente de todos”, diz Fernanda.
Por isso, a psicóloga ressalta a necessidade do diálogo e a importância de falar sobre o sentimento que as crianças manifestam. “Acolher as dores deste processo será essencial, garantindo o bom relacionamento entre os entes familiares. Negar o momento pode ser muito prejudicial”, diz.
Junto da polarização, os noticiários mostram como atos de violência e intolerância política ganham espaço, o que também acaba influenciando o comportamento das crianças, que reproduzem comportamentos que presenciam em seu grupo familiar e social. Não é raro ver alguma criança fazendo o sinal de arma com a mão, por exemplo, ou discriminando um colega.
“Alguns pais estimulam a propagação de falas ofensivas, outros tentam contê-las nessas ações. Portanto, seria prudente que as crianças tivessem um contato saudável com os diferentes posicionamentos políticos, com a oportunidade de aprenderem a lidar com o diferente”, recomenda Fernanda.
Esse contato saudável com a pluralidade de posicionamentos e pensamentos vem do exemplo dado pelos adultos da família, o que nem sempre é simples, já que o que mais vemos são brigas e rompimentos por questões políticas.
“Quando há divergências entre adultos e estas não são tratadas de forma respeitosa pelas pessoas que a criança tem amor, corre o risco de ela fantasiar ter culpa pela discussão e/ou desenvolver medo de perder um dos entes queridos, responsabilizando-se por algo que não desrespeito a ela”, diz.
O mais adequado a se fazer diante da conjuntura atual é saber como falar de política com as crianças de forma didática, clara e respeitando as diferenças de pensamento que existem, mas sem reproduzir discursos e ações violentas. Além disso, é interessante pensar sobre como incentivar a participação política de crianças e adolescentes.
Crianças e adolescentes também podem fazer política
“A democracia se estabelece nas entrelinhas de nossas ações educativas. Ao encorajar uma criança a ser ela mesma, eu estou falando de política”, comenta a psicóloga. Desse modo, desde os primeiros anos de vida é possível pautar o tema com as crianças.
Fernanda fala que isso é viável na medida em que os pais acolhem as manifestações individuais dos pequenos ao mesmo tempo em que os ajudam a se manifestarem de uma forma socialmente respeitosa. “Quando maiores, a politização das crianças está no ato democrático de dialogar, escutando suas opiniões, mesmo que divergentes”, explica.
Nesse sentindo, de acordo com a psicóloga, o primeiro passo para incentivar a participação política de crianças e adolescentes é abrir espaço para uma educação menos repressiva e mais encorajadora. Aqui, é fundamental enxergá-los como cidadãos capazes de formarem opinião e se expressarem.
“Estimular a autonomia e a opinião de um jovem, muitas vezes é confundido com permissividade, entretanto, é fundamental validar seus sentimentos e expressões ao mesmo tempo em que transmitimos valores e sinalizamos os limites, para que possamos desenvolver jovens conscientes de si mesmos e de seu mundo”, complementa.
Recursos ajudam a falar de política com os pequenos
Uma boa forma de saber como falar de política com as crianças é utilizar recursos audiovisuais , livros e jogos que ajudam a explicar algumas ideias de forma simples, didática e divertida, aproximando termos complexos da realidade delas.
- Livros
O livro “Eleição dos bichos” (Companhia das Letrinhas) explica de forma divertida e dinâmica como as eleições funcionam. A história começa com os bichos da floresta cansados dos abusos do Leão e determinados e eleger um novo líder. Mas, para isso, eles precisaram aprender tudo sobre esse processo.
A coleção “Livros para o Amanhã”, do selo Boitatá, foi pensada para crianças entre 8 e 10 anos de idade e discute a forma como as pessoas se relacionam na sociedade. Os três volumes da coleção são: “A democracia pode ser assim”, “A ditadura é assim” e “As mulheres e os homens”.
“Quem manda aqui” (Companhia das Letrinhas) fala sobre as diversas formas de controle e poder. O objetivo do livro não é dar respostas às crianças, mas convidá-las a refletir e levar o assunto para dentro de casa e para a sala de aula. A ideia é que crianças e adultos questionem juntos como as coisas funcionam e reflitam como poderiam ser. Um convite desafiador, não é?
- Canal no YouTube
O canal do YouTube “Política para Menores” foi criado pelo publicitário Sergio Franco e tem como objetivo ajudar os pais a como falar de política com as crianças . Com uma linguagem didática, os vídeos são direcionados às crianças e aborda temas como “Criança pode votar?”, “O que é política?” e “O que é direita e esquerda?”. Para responder as questões, o publicitário aproxima os conceitos da realidade das crianças de uma forma divertida.