Querer poupar um filho de sofrimento é o desejo de toda mãe, mas existem situações em que isso é inevitável. Descobrir uma doença considerada grave, como o câncer de mama, abala o psicológico de qualquer mulher, então como encontrar forças para dar uma notícia dessas a alguém que se ama tanto?
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Não há uma fórmula mágica, mas o Delas conversou com mães que passaram por esse momento e compartilharam suas histórias. Especialista também orienta como a mulher pode falar sobre uma doença como o câncer de mama com filhos crianças e adolescentes.
Por onde começar?
A primeira dúvida que costuma vir à cabeça de uma mãe é se ela deve ou não contar aos filhos que está doente, mas pense bem, tanto seu comportamento quanto sua aparência podem mudar durante o tratamento e isso vai se refletir de alguma forma no cotidiano da criança. “Os pais não devem ter receio de contar, pois esse é o melhor caminho para enfrentar os medos”, afirma a psicóloga do hospital São Luiz Patricia Bader.
É importante ter claro que não existe uma idade certa para contar algo desse tipo, pois independente do tamanho, as crianças têm o direito de saber o que acontece ao redor delas. “Elas precisam ser informadas, mesmo que não compreendam a dimensão do problema”, diz a especialista. Portanto, não se preocupe se você deve contar ou não, mas, sim, em qual a melhor forma de falarr do assunto, levando em consideração a capacidade de entendimento do filho.
“Se a criança for muito pequena, você deve contar o passo a passo e não tudo de uma vez e no mesmo dia, porque essa é uma fase em que tudo é muito ‘aqui e agora’. Ela não tem dimensão do futuro, não tem noção temporal, por isso, costumam errar, por exemplo, na conjugação verbal”, sugere Patricia. Ela acrescenta que as crianças maiores já sabem que as coisas tem um começo, meio e fim e também já possuem a noção da perda. Quando se trata de um adolescente, é possível que ele conheça alguém que já passou por isso, então terá mais compreensão do que será dito.
“Sempre conte a realidade respeitando a capacidade e a consciência da criança. Você precisa aproximar o fato da realidade dela, talvez usando uma forma lúdica, com palavras simples”, aconselha a psicóloga. “Deixe claro que o câncer é uma doença séria, que precisa de tratamento e busque relacionar o fato com a história de alguém que ela conheça, seja da vida real ou de um personagem da novela. O importante é as palavras fazerem parte do universo de seu filho”, completa. Foi exatamente isso que a escritora Anna Maria Mello buscou fazer.
Dificuldades em aceitar
Assim que descobriu a doença, Anna sentiu na pele a dificuldade de dar a notícia às filhas, que tinham 15 e 19 anos, e para a afilhada de, apenas cinco anos. “Decidi contar para minhas filhas logo que descobri, antes de cortar o cabelo, mas elas não entenderam a gravidade da doença ou talvez quiseram ignorar o fato”, lembra a mãe. O problema é tudo aconteceu muito rápido, dois meses depois de receber o diagnóstico, a mãe teve que fazer quatro cirurgias em um período de 20 dias, depois veio a quimioterapia e o tenso momento de ter que raspar o cabelo.
“Quando fiquei careca foi que a ficha delas caiu. Ficaram desesperadas e até agressivas”, conta Anna. “Elas eram adolescentes e tiveram dificuldades em aceitar, sentiam vergonha de mim. Minha afilhada Clara ficou muito assustada e começou a chorar. Disse à pequena que sabia que ela preferia que a madrinha ainda tivesse cabelos longos e bonitos, mas que tudo isso ia passar. A partir desse momento, ela se tranquilizou e tudo mudou”, acrescenta.
A psicóloga coloca que todos têm medos incentivam os preconceitos, então é preciso conversar sobre o assunto com os filhos e esclarecer o que tratamento tem, sim, efeitos colaterais. “O adolescente está numa fase que dá muito valor ao corpo, então é esperado que sinta vergonha da mãe careca, por isso, é preciso falar do assunto dentro de casa, para diluir o preconceito", afirma. "Crie um espaço de troca”, sugere a profissional.
Para tornar essa etapa mais leve, além de conversar, a escritora passou a usar peruca, chapéu e lenços, tudo colorido e variado. “É algo importante para a autoestima da paciente. Não tinha pelo nenhum no corpo, então fazia maquiagem e brincava com esses adereços porque aumentava a minha autoestima e, consequentemente, a das minhas filhas”, fala Anna.
Terapia familiar
Outra medida tomada pela mãe foi buscar uma terapia familiar. “Isso nos deu apoio. Acredito que temos que buscar alternativas, porque é importante ter os filhos ao nosso lado nesse momento”, comenta Anna.
A psicóloga explica que esse tipo de terapia só costuma ser indicada quando os envolvidos não estão sabendo lidar com a situação: “Geralmente traz melhores resultados quando a criança passar a ficar agressiva, a ir mal na escola ou ter outros problemas comportamentais”.
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Por isso, é importante ficar atenta aos sinais que o filho dá, pois eles irão indicar se é necessário ou não procurar ajuda. Patricia explica que a criança pode se tornar introspectiva ou agressiva, pode ter alteração de humor - ficando triste ou ansiosa - ou tender ao isolamento, algo que prejudica as relações sociais, como baixo rendimento escolar por tem vergonha de ter ir à escola e ter que se relacionar com os colegas. Quando a criança é pequena, ela pode regredir a uma etapa anterior, ficando, por exemplo, mais manhosa ou voltando a fazer xixi na roupa.
Mantenha a autoestima
Manter-se firme e confiante é algo que vai fazer bem a você e a quem está a sua volta. A doença tentou abalar a autoestima de Anna, mas ela mostrou que pode ser mais forte do que qualquer tipo de tratamento. “Em nenhum momento eu achei que ia morrer. Ouvi dos médicos que estava desenganada, mas em nenhum momento desacreditei. Não abandonei o tratamento, não pensei em desistir. Levantei a bandeira e dei minha cara a tapa”, enfatiza.
Essa força de vontade fez as filhas da escritora passassem a ter outra postura. “Minhas meninas mudaram de comportamento e isso foi como um pedido de desculpas. Elas até doaram o cabelo, porque sabem o quanto uma paciente sofre com a perda dele. A doença fez com que minha família amadurecesse”.
Sabendo o quanto é difícil dar essa notícia para uma criança, Anna resolveu escrever um livro de apoio para as mães usarem na hora de contar sobre a doença, mostrando de forma mais lúdica e ilustrativa o que está acontecendo e o que pode vir a acontecer. “Várias pacientes me disseram que o livro ajudou muito na hora de contar para os filhos e isso me deixa muito feliz”, completa.
Apoio da família é fundamental
Outra mãe que passou por uma situação semelhante à de Anna é a pedagoga Nara Curty, que foi diagnosticada com câncer de mama em dezembro de 2016. Ela é mãe de dois filhos, Matheus, que na época tinha 16 anos, e Bruna, que tinha sete. “Em momento algum me passou pela cabeça esconder tal informação dos meus filhos, pois sabia que o apoio deles seria imprescindível para alcançar a minha cura”, afirma.
Mesmo com a certeza de que iria contar, Nara confessa que não sabia como dizer algo que mexeria com a estrutura familiar dela. Dar a notícia à pequena Bruna foi mais simples, pois a pedagoga acredita que ela era e ainda é muito nova para dimensionar a gravidade do problema. Ela diz que colocou a pequena em seu colo e falou sobre o que eu havia descoberto nos exames que estava fazendo. Explicou que o câncer é uma doença bem grave, mas que tinha tratamento e que ela iria ficar curada. Também falou do processo de tratamento e contou que ficaria careca.
“Nesse momento, ela chorou, dizendo que eu ficaria feia sem meus cabelos, que eram tão bonitos. Precisei acolher o choro da minha pequena e mostrar toda a minha força para superar essa dificuldade. Logo ela compreendeu, dentro da sua maturidade, que seria uma fase difícil, mas que venceríamos todos juntos”, conta Nara. Vencida essa etapa, chegou a parte mais difícil: contar para o filho mais velho. Não foi uma tarefa simples, pois por ser adolescente, o garoto já tinha uma compreensão maior do que a mãe e a família teriam que passar.
“Esperei pelo momento certo, se é que ele existe, para sentar com meu primogênito em seu quarto para dar a notícia que trouxe sofrimento e dor. Foi muito difícil para mim, pois sabia que lidar com fortes emoções era uma fragilidade do meu filho”, relata a pedagoga. “Ao contar, ele desmoronou, chorou muito, dizia que não era possível. Nós nos abraçamos e ficamos por um longo tempo juntos, buscando digerir tudo aquilo que estava acontecendo”, completa.
Família envolvida no tratamento
Assim que iniciou o tratamento, os fios de cabelo começaram a cair e Nara resolveu iniciar algo que chamou de “Operação Carequinha”. “Convoquei toda a minha família, entre marido, irmã, sobrinhas e filhos, para essa missão. Tentei tornar esse momento o mais leve possível. Todos usaram a máquina e me ajudaram a raspar a cabeça. Ao terminar, eu me senti linda e meus filhos, por mais incrível que pareça, curtiram o momento com alegria”, conta.
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A atitude de Nara foi muito significativa e a psicóloga aponta que quando mais perto os filhos estiverem do tratamento, melhor. “Participar de perto não significa ir ao hospital acompanhar a quioterapia, mas, sim, ser informado de tudo o que está acontecendo. Porque entre os efeitos dos medicamentos estão: alterações de humor, fraqueza e mal estar”, afirma.
A psicóloga do hospital São Luiz também ressalta esse envolvimento, explicando que criança pode achar que as mudanças ligadas ao tratamento têm a ver com ela e sofrer ainda mais com isso.
Para especialista e mães que encararam o câncer de mama, o fundamental é sempre compartilhar os momentos, pois isso deixará os filhos mais próximos, e não há nada mais importante do que o apoio da família para vencer essa doença.