A brasleira Cândida Barbosa ganhou notoriedade após participar da mais recente edição portuguesa do reality show de culinária Hell's Kitchen, em que ficou em terceiro lugar. A chef também é conhecida por criar conteúdos asultos no OnlyFans e chegou a ser capa da revista Playboy. Neste mês, Cândida entrou com um processo judicial contra o apresentador do programa, Ljubomir Stanisic, por assédio sexual. Entre as acusações da chef estão falas inapropriadas e de cunho sexual feitas por Ljubomir.
Desde que o processo foi iniciado, Cândida vem recebendo diversos ataques na internet. Entre os comentários, que se tornaram corriqueiros, muitos perfis alegam que a chef quer ganhar fama e dinheiro em cima do processo. "Todo ataque virtual que recebi é basicamente dizendo que se tem uma prostituta na esquina ela merece ser estuprada. Porque bom, ela estava querendo. Ela estava em busca de sexo, não era?", conta a chef.
Em entrevista exclusiva ao iG Delas, Cândida se aprofunda em como era a relação com o apresentados do Hell's Kitchen Portugal e conta sobre os ataques que tem inundado suas redes sociais. A cheg também fala sobre xenofobia, assédio e qual acredita ser o papel da mulher na sociedade.
iG Delas: Como e quando as situações de assédio cometidas por Ljubomir Stanisic aconteceram?
Cândida Batista: Começou já no primeiro dia de gravação. Eu me senti desconfortável por ouvir perguntas como “por que você acha que as pessoas estão aqui?” em um programa de cozinha. ou se eu tinha interesse sexual por alguém. Outras pessoas poderiam receber a pergunta. Por que foi feita para mim? Por ser a única que posa pelada na internet?
Era o primeiro dia, achei que fosse coisa da minha cabeça. Mas quando isso saiu no Instagram outras pessoas comentaram sobre como dá para ver os comentários embaixo das minhas fotos. Outras pessoas também ficaram questionando qual era a necessidade desse tipo de pergunta. Eu fui para um programa de cozinha para cozinhar. Eu estar ou não em um relacionamento não interessa a ninguém. Acho que esse é o tipo de piada que o seu chefe não tem que fazer para você. Saber se você tem interesse sexual em alguém não faz parte de uma entrevista de emprego ou de uma conversa dentro de um ambiente de trabalho.
Perguntou por quê? Por eu ser "a brasileira que dá para todo mundo"? Ou é porque "é a que posa pelada"? Eu não sei. Algo para mim, parecia ter soado com um tom de maldade.
iG Delas: Abrir uma denúncia pode ser uma decisão muito difícil para muitas mulheres. Como foi que você tomou essa decisão?
Cândida Batista: Foi algo muito delicado. Sempre fica o pensamento: "O que foi que eu fiz? Será que eu mereci isso?". É uma parte tão forte na nossa cultura que não tem como não se perguntar. Obviamente eu estou pelada na internet, sou a menina que mostra tudo, que faz a oferta, que tem um site no OnlyFans, que convida os carinhas para se registrar no site. É uma oferta virtual de uma determinada personagem que existe.
Quando eu entrei na cozinha, eu entrei como cozinheira. Não tinha nada a ver com o meu papel quanto modelo. Então fazer a denúncia para mim era pensar com quem eu vou estar arrumando briga. O caso da Dani Calabresa [denúncia da comediante contra Marcius Melhem por assédio sexual], por exemplo, só surtiu efeito quando outras pessoas apareceram e quando vazou um vídeo do que aconteceu. Até então era "exagero", "ela estava falando demais".
Para qualquer mulher, fazer uma denúncia é ser violada quando você tem que recontar essa história para alguém, seja para o advogado ou para a polícia. Depois vem as entrevistas, quando as pessoas ainda duvidam: “Ah, mas ele fez isso mesmo?”, ou “você tem certeza que foi nesse tom que ele falou?” ou “mas será que não foi você que provocou?”.
Antes de fazer a denúncia é preciso avaliar se vale a pena, mas acho que não falar sobre isso é muito pior porque acontece tão frequentemente. Se a gente não fala e não traz o tempo inteiro para discussão e fala que não é aceitável, que é crime, as pessoas não vão entender. Acho que vai continuar acontecendo, mas quanto mais falarmos, mais as vítimas serão beneficiadas e vão ter força para fazer uma denúncia.
iG Delas: Depois das denúncias você começou a receber diversos ataques virtuais. Eles tiveram impacto sobre você? Como foi precisar ler tudo aquilo?
Cândida Batista: Metade dos comentários faziam parte do sentido mais misógino. Falavam como se eu tivesse provocado, como se minha roupa e como me mostro tivesse motivado. A outra parte realmente é relativa à nacionalidade. Muita gente dizendo: “Volta para a tua terra”, “vai para o Brasil”, “toda brasileira vem para cá para tirar vantagem”. As pessoas não entendem que quando se trata de um crime, seja qual for, quando você faz uma denúncia o que se espera é justiça. O que esperamos é que a pessoa que cometeu o crime seja de alguma forma punida. Eu não posso ser punida pela forma como me comporto só porque isso não agrada outras pessoas.
Todo esse ataque virtual que eu recebi diz basicamente que se tem uma prostituta na esquina ela merece ser estuprada. Porque bom, ela estava querendo. Ela estava em busca de sexo, não era? É basicamente quando você diz para uma menina, só porque ela estava com um vestidinho bonito, que a culpa é dela. Se ela não se preservar ou não se esconder, a culpa é dela.
O meu comportamento tem que ser da forma que eu me sinto bem, eu não tenho que me adequar à maneira das pessoas para prevenir que eu seja atacada. Obviamente tudo que eu faço na minha vida tento fazer de forma segura e me protegendo. Mas quando se trata de eu ter a minha personagem na internet, que se mostra em fotos provocativas, como é que alguém pode me dizer que a culpa é minha? Como é que alguém pode justificar um crime dizendo que se eu não me apresentasse dessa forma, isso talvez não teria acontecido ou ainda duvidar que alguma coisa aconteceu só porque sou brasileira.
iG Delas: Você é uma mulher adulta que escolhe explorar a sua sensualidade. Como é ser deslegitimada por isso?
Cândida Batista: O curioso é que se espera que a gente como mãe seja só mãe, como esposa seja só a esposa, como profissional seja só a profissional. Só que nós não conseguimos ser uma só, no final somos tudo. Eu sou casada, tenho uma filha e sou uma profissional. Então eu tenho que me sair bem em todas as áreas, não posso ser mais ou menos uma ou outra.
Temos que dar conta de tudo, mas parece que não é aceito que aquela mulher que você olha e ache gostosa também seja uma excelente mãe e uma profissional incrível. Eu acredito ser muito mais fácil, nessa sociedade patriarcal, reduzir a gente. Não podemos ocupar uma posição, seja de poder ou um cargo de chefia, porque a aparência não condiz com o seu cargo. Eu suponho que esse pensamento só beneficia os homens.
Cada vez que rotulam nós, mulheres, em caixinhas pequenininhas, em que a gente só tem uma função, se torna muito prejudicial para o desenvolvimento das mulheres. Toda mulher quer sentir bonita, amada e gostosa, mas também inteligente e talentosa.
iG Delas: Diversas mulheres brasileiras relatam sofrer xenofobia e que muitos homens estrangeiros pensam que podem tomar liberdades com elas sem consentimento. Você sente que em algum momento você sofreu xenofobia?
Cândida Batista: Sempre que um homem objetifica o corpo feminino eles estão de boa, está tudo ótimo. Agora se eu usar essa objetificação em meu favor, que é o que eu faço, eu estou errada. Você pode ser objetificada, mas você não pode capitalizar em cima disso.
Quando se trata de Portugal, tem muito essa visão de a brasileira só vir para ganhar dinheiro. É difícil eles entenderem que a situação do Brasil é precária. Quando alguém viaja para a Europa ou para qualquer outro país em busca de trabalho e oportunidades melhores, outras pessoas fazem isso em qualquer outro lugar do mundo.
Para eles, a brasileira que vem para cá é para se prostituir. É basicamente o que eu recebi de comentários nas minhas fotos. Ninguém falou se eu sei cozinhar ou se eu não sei cozinhar ou quanto tempo eu não moro no Brasil. O que eu escutei e li muito nas minhas fotos era, basicamente, "volta para a sua terra". Acredito que continua sendo a ideia do ex-colono nos tratando como propriedade.
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