“Percebi que, para deixar o cabelo grisalho crescer e ficar velha é preciso de muito apoio.” É o que diz a psicóloga Maria Rafart, 57, sobre as sensações que acompanham o envelhecimento feminino. Maria faz parte do grupo de mulheres que aderiram à transição de coloração do cabelo: a pedido e incentivo do noivo, ela parou de tingir os fios brancos há três anos.
A transição é motivo de muito orgulho para ela, tanto que acabou compartilhando o processo com seguidores e fãs no Instagram — há 18 anos, ela tem um programa matutino em uma rádio no Sul do Brasil. A partir de então, começou a incentivar outras mulheres a “grisalhar”, apelido carinhoso que ela usa para o processo. “Deste então, eu costumo postar um vídeo por dia. Minha transição foi toda no on-line, dá para ver o crescimento desde o primeiro dedo”, diz.
Mas o tratamento das pessoas, seja na vida real ou no meio digital, começou a mudar junto com os cabelos. Maria passou a perceber algumas imposições devido a transição. A maioria entra no consenso de que deixar o cabelo grisalho aparecer é errado, porque faz com que ela pareça mais velha.
Os comentários negativos sobre sua aparência se tornaram rotina. “Seu cabelo está horrível”, “você só fica bem de grisalho porque é bonita” e “tinge esse cabelo” são algumas frases que ela já leu. Além disso, é frequentemente chamada de mal-arrumada a desleixada.
Os comentários - a maioria feita por homens e uma minoria de mulheres - são todos respondidos por Maria. “Logo depois que respondo eles apagam. São pessoas que se acovardam, mas ‘printo’ tudo, os prints são eternos. Quando o comentário é muito forte, eu posto no meu perfil”, afirma.
Fora do padrão
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Assumir os cabelos grisalhos começou para a consultora de imagem Eina Santos, 43, como uma questão de saúde. Durante a gestação, ela recebeu orientações médicas para não fazer o retoque da raiz. Isso fez com que ela quebrasse sua rotina habitual: fazia o retoque dos fios semanalmente desde os 26 anos, quando os fios brancos começaram a aparecer .
No início, ela diz que não conseguia se relacionar bem com os fios, já que ouvia desde criança que “cabelo branco era apenas para pessoas idosas”. Eventualmente, Eina acabou gostando da aparência. Mesmo feliz, parte da família reprovou o novo visual. “Recebia alguns olhares, mas o que me deu muita força foi minha decisão e o apoio do meu esposo”, diz.
A microempreendedora Irlana de Jesus Ferreira, 36, sentiu o preconceito até o último fio de cabelo. Ela tentou assumir os fios grisalhos em 2017, mas teve que tingi-los porque era frequentemente criticada por pessoas da empresa em que trabalhava como desleixada.
“Fui assediada moralmente naquela época. Diziam que não condizia com a empresa eu estar com o cabelo sem pintar na raíz, que não ficava bonito”, explica. A demissão de Irlana veio no ano seguinte, em 2018, e o momento foi encarado como um momento de libertação. “ Cortei meu cabelo , tirei toda tinta e os brancos ficaram visíveis. Meu esposo e minha filha me apoiaram muito”, diz.
Velha demais para ser tatuada
Além do cabelo grisalho, as tatuagens de Maria também se tornaram motivo para ataques. A psicóloga explica que tem diversas tatuagens em todo corpo, e foram feitas principalmente para cobrir cicatrizes do câncer de pele, que ela já enfrentou sete vezes. “Decidi cobrir toda essa parte que não me agradava e hoje gosto muito das minhas tatuagens. Faço porque quero, porque tenho vontade, mas tentam tirar até mesmo o meu direito de tatuar”, diz.
Mesmo sem saber o significado das tatuagens, os ataques chegam com força. Os motivos divergem entre razões religiosas e, principalmente, com o pretexto de que Maria seria “velha demais” para ter tatuagens.
Maria explica que essa mentalidade faz parte do etarismo; ou seja, preconceito direcionado a alguém devido à idade. Dentro disso, são criadas percepções de que existe uma idade para se fazer determinadas coisas. Ao mesmo tempo, existe uma pressão estética para que pessoas mais velhas reneguem suas idades e as mudanças em seu corpo, que sempre busquem aparentar juventude.
No caso das mulheres, pensamentos machistas pegam carona com o etarismo para criar ainda mais pressões. “Nós mulheres nos sentimos na obrigação de sermos bonitas, porque isso nos faz mais jovens e atraentes aos homens. A sociedade ainda é formada por isso. É preciso quebrar esse paradigma. Podemos ter cabelo grisalho, estar bem de saúde, ser bonita e parecer ter a idade que temos”, explica.
“A sociedade sempre impôs seus padrões de beleza, seu ‘certo e errado’, e vemos isto através da busca por correções estéticas e na moda. As pessoas estão buscando por modelos ideais enquanto deveriam buscar sua verdadeira essência”, afirma Eina.
Rede de apoio
Mesmo com os comentários sobre os fios brancos e com especulações sobre sua idade a todo momento, Irlana não se deixou abalar. “Sempre fui muito bem resolvida comigo mesma e com a minha autoestima, então não me importava com o que as pessoas diziam”, afirma.
Por outro lado, ela sabia que outras mulheres com o desejo de assumir o cabelo grisalho poderiam precisar de um empurrãozinho. Assim, Irlana decidiu compartilhar seu processo de transição em um perfil no Instagram, o @grisalhando . “Tento inspirar outras mulheres a assumirem a natureza. Não digo nem velhice, porque a velhice é algo que ocorre para todo mundo, mas é deixar a natureza seguir”, explica.
“Não tem idade para você ser quem você quer ser e se vestir da maneira que você quer. Nós não precisamos ser escravos do que a sociedade impõe, da beleza, do botox, da tintura, dos procedimentos estéticos. Costumo dizer para todas as seguidoras que o que importa é o que você vê refletir no espelho e sua atitude”, diz Irlana.
Eina também usou o Instagram como plataforma de inspiração ao compartilhar sua transição. Dona do perfil @einasantos , ela afirma que para “grisalhar” é preciso sair da zona de conforto e se transformar de dentro para fora. “Recebo várias mensagens no Instagram de mulheres que, ao ver minhas fotos, tiveram coragem de assumir os seus cabelos brancos. Isso é muito gratificante. Sinto que verdadeiramente estou cumprindo meu propósito”, diz.
O mesmo acontece com Maria. Mesmo que os comentários negativos em seu perfil sejam recorrentes, ela explica que recebe uma proporção ainda maior de mensagens positivas. A psicóloga também participa de diversos grupos de apoio para mulheres que estão passando por essa transição no Facebook, em que são enviadas mensagens de apoio e elogios.
Na visão de Maria, existem grupos sociais que estão caminhando para conseguir abordar uma visão menos pautada na “ditadura da beleza”, mas no sentido de empoderar mulheres a se parecerem da maneira como desejarem.
Além de ajudar mulheres que querem assumir os fios brancos atualmente, a psicóloga espera que esse impacto se estenda também às próximas gerações. “Quando a gente presta muita atenção na sociedade, a gente fica com a vida muito escravizada. As mulheres precisam ter sororidade e se defender. As pessoas têm que deixar quem quiser fazer o que quiser e não encher o saco”, diz Maria.