Quando Katryna MalBem, 19 anos, se afirmou como mulher transexual, há cinco anos, foi um choque geral na Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul – que tem as aldeias Bororó e Jaguapirú. “Eu fui a primeira transexual da aldeia. As pessoas não sabiam o que era e não entendiam”, conta ao Delas.
Katryna, que é da etnia Guarani, fala que até existiam homossexuais na aldeia, mas eram reservados e como a transexualidade era algo desconhecido, os olhares se voltaram para ela.
Ela conta que tinha apenas 14 anos quando começou a fazer a transição de fato. “Eu já não me sentia bem vestido de homem e comecei a usar hormônios. Cheguei em casa montada da noite pro dia”, relata. Apesar do baque para os outros moradores, em casa a situação foi mais tranquila.
A mãe já desconfiava, mas nunca tinha tocado no assunto. “Minha mãe não falou nada. Só conversou com meus irmãos para me respeitarem e pronto. Eles conversaram muito comigo e foram me aceitando”, conta.
Katryna passou por esse momento de transição sem saber que existiam outras transexuais e indígenas. “Eu achava que era a única”, lembra. Só aos 17 anos que ela começou a ter contato com outras mulheres como ela de diferentes aldeias pelo Brasil. “Fui me sentindo mais acolhida com elas e hoje já não me sinto sozinha”.
Com o apoio da família e o conhecimento de outras transexuais, Katryna foi ganhando força e abriu espaço para mais LGBTQ+ na Reserva de Dourados.
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“Fui uma porta voz das trans indígenas”
“Eu fui uma porta voz das trans indígenas. Depois que eu me transformei em mulher, tirei outras armário”, fala. Katryna conta que o seu processo de transição foi um exemplo para que outras transexuais, gays e lésbicas da aldeia se sentissem mais seguros para se expor.
Ela explica que mora na aldeia Bororó, mas os LGBTQ+ também estão na Jaguapirú e a tiveram como referência. “Eles me perguntavam como era e tiveram o meu apoio”, fala. Porém, Katryna diz que, apesar dessa troca, não há muita união entre eles na aldeia.
A jovem acredita que isso pode ser um reflexo do fato da comunidade LGBTQ+ indígena ainda ser muito nova, além do preconceito que existe na aldeia. Ela explica que, no geral, tudo é liberado pelos caciques e lideranças, porém, ainda há olhares tortos e comentários.
“Eu tento conversar com as lideranças e buscar ajuda, porque eu tenho a minha certeza de sair de casa, mas eu não sei se eu volto”, fala. Katryna diz isso porque o Brasil é o país que mais mata transexuais e travestis no mundo, segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Por isso, para ela é fundamental manter uma boa relação com caciques e capitães. “Eu não me sinto acolhida, mas me sinto segura”, pontua. Apesar da falta de acolhimento na aldeia, Katryna tenta se concentrar no apoio da família.
E além de romper barreiras onde mora, ela fala que precisa romper as barreiras do movimento LGBTQ+. “Por enquanto, a gente [indígenas] ainda está se encaixando nas pautas do movimento. Ser LGBT indígena é uma coisa nova, mas eles precisam lembrar de que não existe trans só na cidade”, fala.
Entre uma luta e outra, Katryna conta que está tirando um ano de descanso após terminar o Ensino Médio. Ela pretende se dedicar ao Enem em 2021 e usar a nota do exame para cursar enfermagem em alguma universidade federal. “Hoje em dia, conseguir trabalho como trans é complicado. Mas eu busco o meu direito e o meu respeito, como qualquer ser humano”.