Imagine acessar as redes sociais e descobrir que você teve suas fotos íntimas vazadas e agora a sua intimidade está exposta para todos. Desesperador, não? Infelizmente, não são raras mulheres que passaram por essa situação – chamada de pornografia de vingança.

Algumas mulheres tem vídeos ou fotos íntimas vazadas na internet, o que pode causar danos psicológicos e sociais
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Algumas mulheres tem vídeos ou fotos íntimas vazadas na internet, o que pode causar danos psicológicos e sociais

Recentemente, o tema veio à tona após o jogador Neymar ser intimado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro a prestar depoimento após divulgar fotos íntimas de Najila Trindade, sem o consentimento dela, em sua conta no Instagram.

Na rede social, Neymar fez uma publicação com a captura da tela (printscreen) de conversas entre os dois. Além do conteúdo das mensagens, o jogador revelou fotografias que a mulher havia tirado e enviado somente a ele. Mas como as imagens vieram a público, ela teve suas fotos íntimas vazadas na internet.

Em entrevista ao Delas , o promotor de justiça Rogério Sanches, assessor do CAO Criminal do Ministério Público de São Paulo, explica que compartilhar nudes, ou seja, essas fotos ou vídeos íntimos, sem o consentimento da outra pessoa é crime desde setembro de 2018. Como a legislação específica para isso é recente, nem sempre vítimas sabem que a justiça está ao lado delas.

Antes disso, mulheres que sofriam pornografia de vingança estavam ainda mais desamparadas. Esse foi o caso de Júlia*, 22 anos, que durante a adolescência teve suas fotos íntimas divulgadas na internet, mas não buscou ajuda. “Eu não tinha noção de como poderia denunciar, acho que nem existia uma legislação específica para isso”, fala.

Em uma chamada de vídeo, a garota tirou a blusa, a imagem foi registrada sem o seu consentimento e compartilhada com alguns adolescentes. Quem recebeu os nudes de Júlia a procuraram para “pedir mais”. “Era como se fosse a minha obrigação. Se eu fiz para um, deveria fazer para outro”, lembra.

 “Sozinha e com medo, não contei para ninguém”. Júlia fala que eles a chantageavam e falavam que se aproximariam de pessoas próximas a ela para contar tudo. A saída encontra foi se afastar, trocar o e-mail e excluir as redes sociais. “A ultima coisa que me vinha na cabeça era procurar ajuda jurídica, por exemplo. Acabei resolvendo sozinha por medo do que falariam”, conta.

No entanto, não acabou por aí. “Essa história me assombrou por uns bons anos. Eles voltam na minha vida e me adicionam no Facebook até hoje”, completa. Ela afirma que a diferença é que atualmente entende que não é culpada e, sim, vítima.

Situações como a de Júlia a de Najila não são difíceis de enfrentar. Quem sofre a pornografia de vingança tem efeitos psicológicos e sociais. Segundo dados da Iniciativa para Direitos Civis Cibernéticos, organização sem fins lucrativos, 90% das vítimas são mulheres e 93% tiveram sequelas emocionais. Mais de 50% cogitaram suicídio e 49% foram perseguidas ou assediadas por outros usuários que viram o conteúdo na internet.

 A Acoso,Online , iniciativa de organizações de direitos humanos e digitais da América Latina, ainda aponta que essas mulheres sofrem danos em espaços pessoais e profissionais. Não é difícil alguém que teve nudes vazados na web perder o emprego e ter dificuldade para se realocar profissionalmente. Algumas vítimas até recorrem à mudança de nome, por exemplo.

Leia também: Chantageada por nude? Veja como agir nessa situação

Eu tive fotos íntimas vazadas, o que fazer?

Apesar do desespero, é possível agir quando imagens íntimas são feitas ou compartilhadas sem consentimento
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Apesar do desespero, é possível agir quando imagens íntimas são feitas ou compartilhadas sem consentimento

Ter vídeos ou fotos íntimas vazadas na internet pode causar um sentimento de solidão e desamparo. Por isso, é fundamental buscar uma rede de apoio para te ajudar a lidar com a situação. Fale com pessoas próximas que vão te apoiar e busque ajuda profissional e, principalmente, jurídica. Afinal, o vazamento e compartilhamento de imagens ou vídeos íntimos é crime.

O que diz a lei

Rogério Sanches explica que a legislação sobre o tema é recente e foi uma grande conquista para o direito penal. De acordo com o promotor de justiça, são diferentes crimes e identificá-los é importante para saber como agir.

  • Tirar fotos ou fazer vídeos sem o consentimento

» Lei 13.772/2018
Artigo 216-B

Segundo Sanches, fotografar ou fazer vídeos íntimos sem consentimento é crime. O conteúdo pode não ser compartilhado com ninguém, mas só o fato de o registro ter sido feito sem a pessoa consentir é uma violação de direito.

Fazer montagens em fotos ou vídeos, incluindo a pessoa em cenas íntimas, também é crime. Um exemplo disso seria pegar a foto de alguém e colocar seu rosto como se ela estivesse em cenas de sexo ou nudez.

» Lei 12.737/2012 (Lei Carolina Dieckmann)
Artigo 154-A

Também é crime a invasão de dispositivo móvel para conseguir dados e informações sem autorização. Anos atrás, a atriz Carolina Dieckmann passou por isso. Seu dispositivo foi hackeado e fotos íntimas vazadas na internet.

  • Divulgação não consentida

» Lei 13.718/2018
Artigo 218-C

Você viu?

Divulgar material (fotos ou vídeos) íntimos sem o consentimento também é crime. A pessoa pode não ter feito o registro, mas, se compartilhou, está cometendo um crime.

Para o promotor de justiça, o caso é ainda mais grave. “Independente de eu ter feito ou não a imagem ou montagem, eu divulgo o material para um número indeterminado de pessoas. Aquela pessoa fica absolutamente exposta e o dano é muito maior”, comenta.

Como denunciar?

De acordo com Ana Paula Braga, advogada co-fundadora do Braga & Ruzzi, primeiro escritório do Brasil especializado em advocacia para mulheres, o primeiro passo para denunciar é reunir todos e links e capturas de tela possíveis, indicando onde, quando e quem compartilhou esse conteúdo.

Depois, a advogada orienta fazer um boletim de ocorrência para que a polícia dê sequência à investigação. A princípio, a denúncia pode ser feita em qualquer delegacia. Mas se você tiver uma Delegacia da Mulher próxima, é indicado recorrer a ela, pois há mais sensibilidade para lidar com esses crimes.

Segundo Ana Paula, pode ser que o caso seja encaminhado para a Polícia Federal. “Eles têm a competência para lidar com crime de ódio contra a mulher em extraterritorialidade, ou seja, em vários estados”.

Em alguns casos, a mulher ainda não teve a foto ou vídeo íntimo compartilhado, mas está sendo chantageada. No caso de Júlia, esses meninos a chantageavam pedindo mais nudes e ameaçavam divulgar as imagens para pessoas próximas. Nesse caso, Ana Paula também orienta fazer um boletim de ocorrência.

Se for um parceiro íntimo que está fazendo a ameaça, é possível recorrer à Lei Maria da Penha . “Ela pode pedir uma medida protetiva”, explica a advogada.

A advogada comenta que não é possível definir quanto tempo vai demorar para o caso ser concluído ou quando as fotos serão deletadas das redes sociais. Em relação às consequências para quem cometeu o crime, tanto Ana Paula quanto Sanches afirmam que a pena varia caso a caso.

Redes sociais e outras plataformas digitais

Além das medidas jurídicas, é muito importante entrar em contato com o suporte das redes sociais ou outras plataformas digitais onde o conteúdo íntimo foi vazado. Sites como Google, Instagram, Facebook, Twitter, YouTube e até sites de conteúdo adulto disponibilizam uma área de denúncia.

Apesar de ser possível recorrer à medidas que minimizam os danos, não há muito controle sobre as informações já divulgadas na rede. “Os crimes cibernéticos ainda são uma coisa nova. Ainda não temos noção dos comportamentos danosos no ambiente virtual”, explica Sanches.

Narrira Lemos, treinadora de segurança digital integrante da Coding Rights e Clandestina.io, comenta os riscos de compartilhar nudes em aplicativos como Instagram, Snapchat, WhatsApp e Facebook. “Esses aplicativos pertencem a empresas que se preocupam menos com sua privacidade e mais como lucrar com seus dados”, fala.

Como os dados nessas redes estão descriptografados, é mais fácil que terceiros tenham acessos a esses conteúdos íntimos. “A vulnerabilidade pode estar tanto dentro dos seus dispositivos, nos dispositivos da outra pessoa, como nas próprias redes, que volta e meia sofrem ataques de hackers, que roubam dados de usuários (senhas, e-mail, e outros dados) e disponibilizam na Internet”, explica.

“O mais indicado é não usar essas redes para enviar suas fotos íntimas, e, se for mandar mesmo assim, mande com segurança, sem dados que possam te identificar”, completa.

Leia também: Como mandar nudes de forma segura?

“Nude bom é nude criptografado”

Seguindo algumas dicas na hora de tirar e enviar o nude, é possível minimizar os riscos de vazamento
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Seguindo algumas dicas na hora de tirar e enviar o nude, é possível minimizar os riscos de vazamento

Os riscos existem, mas isso não significa que você precisa parar de enviar fotos se gosta de fazer isso. No entanto, para preservar a sua intimidade, cuidados são necessários. Nunca mostre detalhes que possam identificar o seu corpo (rosto, tatuagem, cicatriz) ou o ambiente (decoração da casa).

Para Narrira, “nude bom é nude criptografado”. A especialista em segurança digital fala que independente de para quem você vai mandar seu nude, mesmo que confie na pessoa, lembre-se que essa foto pode cair nas mãos de terceiros.

“É muito importante usar aplicativos que não registram sua atividade e nem salvam seus nudes no computador. Lembre-se: você só pode cuidar do que está com você, não do que está com as outras pessoas”, fala.

Segundo ela, existem aplicativos mais interessantes e seguros para mandar nudes do que os outros, mas isso não significa que eles vão evitar de ter suas fotos íntimas expostas. Um deles é o Signal, aplicativo de mensagens instantâneas criptografadas.

O app não salva a foto na “nuvem”, ou seja, as mensagens não são guardadas no servidor. Também é possível configurar por quanto tempo a foto vai ficar disponível. Outro ponto interessante é que ele não informa nome, hora e dispositivo usado para tirar a foto.

*Nome fictício para preservar a identidade da mulher que teve as fotos íntimas vazadas na internet.

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