Olhares, sorrisos, aproximação… as maneiras de flertar são incontáveis, e com a chegada do carnaval, o clima de paquera fica ainda mais propício para tentar novas abordagens. Como a criatividade não tem limites, vale tudo - desde que não ultrapasse a barreira do respeito e do consentimento, claro! E é aí que mora o problema: como definir se o flerte está sendo legítimo ou se a situação virou assédio?
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Além do clássico: “Não estou interessada”, há outros jeitos de mostrar que não se está afim sem precisar dizer exatamente. Ainda assim, tem gente (alô, homens!) com dificuldade para interpretar - ou aceitar a realidade -, e acaba deixando a outra pessoa desconfortável, sendo esse o primeiro passo para descrever um assédio .
Apesar de não existir uma época específica para acontecer a violência sexual contra a mulher, é no carnaval que os índices aumentam. No ano passado, o número de denúncias em todo o país, ao longo dos quatro dias de folia, cresceu 90%. Foram 109 registros em 2017 contra 58 no carnaval de 2016 de acordo com o 180, serviço de atendimento de denúncias da Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo Federal.
Pensando em esclarecer e ajudar mulheres a reconhecerem quando estiverem passando por um momento desse tipo e saber como agir quando não se sentirem confortáveis para dizer o famoso “não quero”, o Delas conversou com quem já passou por essa experiência e reuniu algumas dicas que podem ser úteis, principalmente para quem quer aproveitar a folia sem dor de cabeça.
Como dizer “não”, sem precisar dizer
Apesar de alguns serem subjetivos, sinais corporais já deveriam ser suficientes para mostrar quando é o momento de parar de investir no crush. “Não adianta dizer que não sabe. A gente sempre sabe quando está dando certo a investida e quando não está. O problema é que homem não aceita a rejeição”, dispara a analista de tecnologia, Samira Campos, de 26 anos.
Ela conta que nem sempre se sente confortável para dizer “não”, ainda mais no carnaval. “Nos bloquinhos é tudo muito rápido. Às vezes o cara nem precisa chegar em você falando, simplesmente acontece. E da mesma maneira que acontece de a gente ficar com a pessoa sem precisar trocar uma palavra, também é possível dar um fora em silêncio. Para bom entendedor, meia desviada de olhar basta”, brinca.
Outra técnica que também é bastante clara é a de se afastar. “Sem falar, digo não no olhar. Se o homem for educado, vou saindo de fininho, na brincadeira. Mas se for grosseiro, peço licença de forma bem seca, com um olhar bem impertinente”, fala a fisioterapeuta, Joana Lobo, de 35 anos.
Fora o desvio de olhar e o afastamento, há também quem use a tática de interagir com outras pessoas para demonstrar desinteresse. “Geralmente se eu vejo alguém se aproximando que não me chama a atenção, eu começo a conversar com uma amiga. Inclusive, tenho até um código com elas: a gente costuma dizer que está com dor de barriga e precisa ir ao banheiro. Toda vez que esse assunto surge, a gente sabe que alguma de nós está se sentindo desconfortável”, fala a estudante Giovanna Lacerda, de 23 anos.
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Quando esse "código de alerta" é acionado, imediatamente outras amigas cercam a garota, para protegê-la e evitar qualquer contato externo. “Parece bobo, mas evita encheção de saco. Geralmente a gente identifica quem está sendo o cara chato e ficamos encarando. Dá certo. Mas quando estamos com algum amigo homem, o resultado é infinitamente mais rápido”, pontua Giovanna.
Samira completa dizendo que, em um mundo perfeito, dizer “não” poderia ser dispensado. “Seria incrível se a gente não precisasse de subterfúgios para nos livrarmos de alguns homens. O ideal seria mesmo a gente não ter que precisar dizer 'não', gritar, fazer escândalo, pedir socorro. Ainda sonho com o dia que os homens vão aprender a interpretar os sinais e nos poupar dessas situações que estragam nossa diversão”.
O sonho de Samira é o de muitas outras mulheres. Às vezes, a insistência é tanta que faz com que quem não está afim sinta-se intimidada em reagir. “Eu sempre finjo que não estou vendo a pessoa. Eu nunca revidei ou xinguei alguém, finjo que não percebi a investida e saio andando”, conta atendente de telebanco Alany Gomes, de 23 anos. A reação contida tem um motivo: medo.
“Já aconteceu de eu estar um bloco de carnaval, um cara pegou minha cerveja e disse que só devolvia depois de um beijo. Os amigos dele insistiram e até me cercaram. Eu não consegui falar nada porque fiquei com medo, eles estavam em muitos. Então me enfiei na multidão e comecei a andar para fugir”, lembra.
Estou sendo assediada, e agora?
A partir do momento que o paquera não foi correspondida, seja por meio de uma frase ou sinal corporal, e a pessoa continuar insistindo, é assédio. “Assédio é quando transpõe o limite da mulher, quando não é recíproco ou quando se torna inconveniente ou invasivo”, afirma Joana.
Se alguma mulher for vítima de algum assédio ou qualquer tipo de violência, o ideal é procurar algum policial ou segurança para relatar o caso e pedir ajuda. Se houver como identificar o agressor, também é possível ir a uma delegacia de polícia registrar um boletim de ocorrência, pedindo expressamente para que seja aberta uma investigação para apurar os fatos.
Lembrando que, neste ano a punição pode mudar, já que é primeira vez que a Constituição pode agir mais firmemente a favor das mulheres. Isso porque o carnaval de 2019 vai contar com o apoio da lei , sancionada em setembro do ano passado, que caracteriza o assédio sexual como crime.
De acordo com a nova norma, será configurado crime de importunação sexual "praticar ato libidinoso contra alguém sem consentimento para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiros", com punição prevista de 1 a 5 anos de prisão – pena mais dura que a dada a quem comete homicídio culposo, sem intenção de matar, cuja punição é de 1 a 3 anos de detenção, por exemplo.
Para quem for passar o carnaval em São Paulo, poderá contar com o apoio para mulheres que se sentirem importunadas ou violentadas. Um ônibus lilás estará nos mega blocos da Avenida Tiradentes e da Praça da República, no Centro da cidade, para acolher as vítimas.
Além disso, vale lembrar que ao perceber uma mulher passando por alguma situação de assédio, ajude. “Precisamos estar juntas. Ao ver uma de nós ser acuada para ficar com alguém, intervenha. Peça ajuda, se for necessário. A meta é não deixar que nenhuma foliã vire uma vítima”, conclui Giovanna.