Quando lançado, em 1957, nos Estados Unidos, o Enovid, considerado o primeiro medicamento ministrado via oral entre os métodos anticoncepcionais, logo ganhou popularidade entre as mulheres que viam nele - inicialmente criado para tratar distúrbios da menstruação - uma maneira de controlar a fertilidade, conforme previa sua bula.
Estima-se que entre 1957 e 1960 aproximadamente 500 mil americanas recorreram ao remédio. Margaret Sanger, enfermeira, educadora sexual, escritora, feminista e uma das criadoras da pílula, sonhava em dar às mulheres o direito de escolher engravidar ou não. Para ela, a possibilidade de se ter acesso a métodos anticoncepcionais era extremamente necessária.
Era e é até hoje. Com a evolução, outros meios de contracepção foram criados, como a pílula do dia seguinte e o DIU (dispositivo intrauterino), que garantem a milhares de mulheres no mundo todo o poder sobre o próprio corpo.
No entanto, mais de 60 anos após dado o primeiro passo que contribuiu para a emancipação feminina quando o assunto é sexualidade, estamos tendo que lidar em pleno 2019 com ameaças de termos essa conquista refutada.
Na quarta-feira (6), o deputado federal Márcio Labre (PSL-RJ) apresentou um projeto de lei para proibir o comércio, propaganda e distribuição de métodos anticoncepcionais para mulheres no Brasil.
Segundo o deputado, a ideia é barrar o uso do que chama de “microabortivos”, considerando o DIU , a pílula de progestógeno (conhecida como “minipílula”), o implante subcutâneo de liberação de progestógeno, a pílula do dia seguinte, a pílula RU 486, a vacina anti-HCG e "qualquer outro dispositivo, substância ou procedimento que provoque a morte do ser humano já concebido, ao longo de toda sua gestação, sobretudo antes da implantação no endométrio".
Projeto de lei fere o direito das mulheres
Para começar, a justificativa usada pelo parlamentar é falsa. De acordo com Labre, a pílula do dia seguinte , por exemplo, propõe "a indução do aborto na fase inicial da gestação" que, para ele, "se inicia na concepção e vai até a implantação da criança no útero".
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No entanto, nenhum método citado por ele é “abortivo”. No caso da pílula, indicada após uma relação sexual desprotegida, a droga apenas evita ou adia a ovulação, se ainda não ocorreu, evitando a gravidez.
Além disso, voltando ao início da história, ainda que duramente criticado na época de seu lançamento por seus critérios de segurança questionáveis e por ser considerado uma “desculpa” para conter o aumento populacional, o anticoncepcional, assim como as outras formas de evitar a gravidez criadas posteriormente, foram fundamentais para promover a revolução sexual das mulheres, garantindo-lhes autonomia sobre seus corpos e direito a planejamento familiar.
Tida como um marco, a façanha ganha ainda mais notoriedade quando consideramos o período histórico e social em que começou a ser discutida. A pressão patriarcal pelo acesso e controle da mulher em relação à sexualidade era muito maior do que é atualmente e se unia ao julgamento religioso. Ambos contribuíam para tornar o assunto um tabu - estigma que perpetua até os dias de hoje, ainda que em menor proporção.
Apesar de existir um movimento para aumentar a fiscalização da segurança dos anticoncepcionais em relação à saúde feminina, é inegável que os métodos para impedir a gravidez existentes promovem benefícios. Alguns deles, inclusive, colaboram para tratar condições relacionadas à saúde da mulher, como a endometriose.
Revoltadas com a proposta do deputado federal, algumas mulheres se manifestaram contra o projeto de lei nas redes sociais.
Depois de tanta repressão e luta para conquistar o direito ao acesso aos métodos anticoncepcionais , sua proibição está sendo vista pode ser considerada um retrocesso ao que já foi conquistado pelas mulheres que hoje tem a opção de escolherem como querem (e se querem!) prevenir uma gravidez.