O sexo muitas vezes pode ser um tabu a ser discutidido e isso se intensifica à medida que recortamos o assunto: sexo LGBTQIAP+, sexualidade feminina, sexo não monogâmico e, um dos menos discutidos e mais evitados, o sexo na maturidade.
“Uma coisa que eu acho fundamental na sexualidade durante a velhice é que nós somos simplesmente pessoas adultas vivendo há mais tempo do que as mais novas. Nós não deixamos de ser adultos para sermos velhos”.
Quem faz essa afirmação é a escritora Isabel Dias, autora do livro 32: Um Homem para Cada Ano que Passei Com Você , onde ela conta as aventuras sexuais que viveu após se separar de um longo casamento de 32 anos, devido às traições do parceiro.
“Depois de voltar de uma viagem, eu soube do envolvimento dele, não com uma mulher, mas com várias. A separação foi muito traumática porque ele não queria. Ele demorou praticamente oito meses para assinar a separação, porque ele achava que eu não ia sobreviver sozinha, mas eu bati o pé”, conta Isabel.
A escritora afirma que foi difícil começar do zero, mas que usou as agressões verbais que sofreu durante o casamento como combustível para superar a trauma.
“Na época eu não trabalhava e não tinha um plano B na vida. Eu morava em Jundiaí, no interior de São Paulo, e me mudei para a capital. A minha primeira sensação foi: ‘Eu vou me desfazer de tudo aquilo que eu ouvi dele’. Ele dizia que eu era uma velha, que eu estava acabada, que eu não tinha condições de vida, que era melhor eu ficar com ele, porque eu não teria outro homem para me aguentar. Eu falei: ‘ah, quer saber? Eu vou arrumar um namorado’. E assim tudo começou”, explica a escritora.
O primeiro passo foi entrar em uma sala de bate papo e, perto dos 60 anos, Isabel descobriu um mundo novo que não fazia ideia.
“Eu fui conhecendo gente através de sala de bate-papo e descobrindo um interesse que eu eu desconhecia, eu não podia imaginar que eu interessasse a alguém. Não importa com qual finalidade, mas tinha desde gente me convidando para ir ao cinema, para ópera, e até gente querendo ir para o motel direto”, diz.
Filho teve a ideia do livro
Isabel conta que começou a escrever sobre as novas experiências porque elas eram vividas de forma secreta.
“Meu nome não era meu nome, nenhuma amiga sabia. Como eu ia contar para uma amiga do interior e casada há 40 anos que eu estava saindo com um cara que eu tinha conhecido semana passada?”, indagava a escritora.
A autora é mãe do jornalista e escritor Chico Felitti, e narra que passou a mandar os contos para o filho, mas sem revelar que as histórias eram baseadas em sua própria vida.
“Meu filho estava longe, mas nos falávamos muito, ele é escritor e eu comecei a mandar os textos para ele. Os textos estavam todos na terceira pessoa. Meu filho começou a ler e disse: ‘Mãe, isso é você!’. Eu tentei negar, mas não consegui. A primeira coisa que ele me perguntou era se eu estava usando camisinha”, conta.
A ideia de reunir as histórias e montar um livro surgiu do filho de Isabel, que pediu para ela mandar todos os contos que tinha para que ele organizasse o material: “Mãe, essa história é fantástica e o mundo carece de histórias boas”, relembra a autora sobre a justificativa do filho em montar uma obra. “Ele foi o meu maior incentivador”, afirma Isabel.
Cancelamento por parte de amigas
A experiência sexual na maturidade trouxe um novo fôlego e uma nova forma de viver a vida para Isabel, mas nem tudo foram flores. Ela relata que sofreu ‘cancelamento’ por parte de amigas do interior e que muitas, inclusive, se afastaram dela.
“Eu fui cancelada por muita gente. Até pelas minhas amigas do interior. Uma delas, que é a história que mais me toca, me escreveu dizendo que ia me deletar das redes sociais porque cada vez que eu aparecia no feed, ela enxergava a incompetência dela, a covardia de não ter coragem de fazer alguma coisa por ela. É muito forte”, conta.
“Muita gente apagou fotos em que eu aparecia e isso não me ofendeu, muito pelo contrário. Cadê aquela nossa geração dos anos 1970 e 1980? A gente brilhava. mudava e fazia aquilo que tinha vontade. Cadê? O que nós viramos? Agora nós somos juízes do tempo para quem vive? Não, eu não quero ser juiz do tempo de ninguém. Eu quero abrir portas”, finaliza Isabel.
Saúde sexual na maturidade
A sexóloga e presidente da Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana
, Sheila Reis, explica que na contemporaneidade as mulheres estão mais independentes e seguras, mas que a maturidade é uma fase difícil de lidar.
“Embora as mulheres de 50 anos, ou mais, possam estar mais antenadas, produtivas, corajosas, redefinindo seus papéis na vida familiar e relacional nos dias de hoje, essa fase é também a maior etapa da vida com muitas mudanças que podem afetar a intimidade física, mental e significativamente a libido, justamente com a chegada da menopausa”, afirma a especialista.
Sheila aponta os fatores que podem afetar o desejo feminino durante a maturidade.
“Um dos fatores que afeta o desejo, que é a diminuição dos níveis de estrogênio que ocorre com a menopausa, é um forte impacto na função sexual feminina. Esse período acaba por diminuir o desejo e dificulta o ato sexual já que o canal vaginal se torna menos elástico e também ocorre uma maior secura vaginal, que pode causar dor nas relações sexuais”, explica.
Contudo, a profissional faz um alerta e relembra que o sexo vai além do ato de penetração: “É bom lembrar que isso não significa que a mulher não possa permanecer sexualmente ativa, ter intimidade com seu parceiro ou parceira, independentemente da penetração”.
Para Sheila Reis o mais importante de todo processo é a intimidade do casal e abertura de diálogo para lidar com as questões relacionados ao sexo na maturidade.
“A intimidade de um casal se dá pela forma como conversam, estabelecem as expectativas mais realistas sobre o que é bom, o que querem fazer sexualmente e para alcançar uma vida sexual mais plena. A comunicação é fundamental e é a maior intimidade que um casal pode ter”, finaliza.
Sexo na maturidade para mulheres trans
Se o sexo na maturidade é pouco discutido, isso se agrava quando tratamos de mulheres cis e se torna menos debatidado ainda quando falamos de mulheres trans.
Primeiro pelo fato da transfobia que impede a sociedade de discutir amplamente os assuntos relacionados a esta população, e segundo porque pessoas trans têm expectativa de vida no Brasil de 35 anos, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais . Dessa forma, poucas conseguem alcançar a maturidade.
A cabeleireira Tanucha Taylor, de 52 anos, faz parte deste pequeno grupo. Ela explica que com a maturidade a afetividade se tornou necessária para que ela se interessasse em ter uma relação sexual com alguém.
“Na verdade com a minha maturidade o sexo tem de vir acompanhado com o máximo de afetividade possível. Antes talvez fosse mais fácil dividir o sexo da afetividade, mas hoje não, talvez porque com a maturidade nos tornamos até mais carentes da própria afetividade”, afirma.
Tanucha ainda conta que com o passar dos anos se sente mais segura com seu corpo e com a sua sexualidade.
“Com certeza me sinto muito mais segura hoje em dia. Conheço muito mais o meu corpo do que antes, a nossa maturidade nos traz aprendizados e um deles é exatamente o de conhecermos melhor o nosso corpo, nossos desejos e, por consequência, a nossa sexualidade fica muito mais rica”, diz.
A cabeleireira explica que nunca se permitiu viver relações onde o parceiro não aceitasse seu corpo e sua identidade de gênero.
“Nunca tive dificuldades enquanto mulher trans para desenvolver a minha sexualidade, pois sempre aceitei meu corpo como ele é . E nos meus relacionamentos afetivos, a pessoa que não me aceitasse como eu sou, não me servia. Com a minha maturidade isso se tornou ainda mais forte”, finaliza.