Comportamentos que idolatram magreza podem suscitar transtornos alimentares
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Comportamentos que idolatram magreza podem suscitar transtornos alimentares

Além das celebrações de fim de ano, como o Natal e o Ano Novo, o mês de dezembro é marcado por uma tradição incontestável: a promoção de dietas infalíveis e de formas milaborantes de emagrecer. Entre a capa das principais revistas e a manchete dos jornais mais circulados, é impossível escapar do discurso que idolatra a magreza e a restrição alimentar. 

Nos principais perfis de saúde e nutrição, não é difícil encontrar postagens e matérias que promovam uma relação nada saudável com a comida. Frases como “dia do lixo na alimentação”, “não coma carboidratos na ceia” e “compense os quilos que você ganhou nas festas de fim de ano” refletem um tipo de comportamento perigoso: o da cultura da dieta. 

O que é a cultura da dieta?

A cultura da dieta é um sistema de crenças que promove a magreza como ideal de beleza, demoniza certos tipos de alimentos e oprime pessoas que não se encaixam nesse padrão. Segundo o especialista em comportamento alimentar e docente do Instituto Nutrição Comportamental (INC), Cesar Moraes, a cultura da dieta promove um corpo perfeito e, claro, inexistente. “[Essa cultura] é uma mentalidade, uma forma de pensar onde a intenção é reduzir o peso e modificar a forma corporal.”

Moraes detalha que, atualmente, a busca é sempre por um corpo extremamente magro, mas muscularizado. A partir desse objetivo, a cultura da dieta separa os alimentos entre uma dicotomia de “proibidos e permitidos”. Nessa dualidade, carboidratos e outros grupos alimentares são extremamente vilanizados, por mais que, como atestam os profissionais, eles sejam essenciais para a saúde. 

Esse comportamento cria uma hipervigilância em torno de todas as refeições, ato que colabora com o desenvolvimento de transtornos psicológicos e alimentares, como anorexia, bulimia, compulsão alimentar, ortorexia e vigorexia.

A cultura da dieta também contribui para uma desregulação emocional do indivíduo, gerando ansiedade e depressão, aponta Juliana Rangel, nutricionista pós-graduada em comportamento alimentar e dona do perfil @nutrijulianarangel.

“Isso nos leva à obsessão com comida e corpo, bem como questões com autoimagem e autoestima. Além disso, normaliza o controle do peso e a gordofobia”, explica Muriel Depin, nutricionista especializado em transtornos alimentares pela Universidade de São Paulo e criador do perfil @obarrigapositiva.

Mas como essa gordofobia é promovida? De acordo com Muriel, a cultura da dieta também leva as pessoas a se sentirem confortáveis para comentar o prato e corpo alheio, dizendo ser apenas "preocupação com a saúde" do outro.

Festas comemorativas são manchadas por ‘medo de engordar’ e ‘como recuperar quilinhos ganhos’, apontam especialistas
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A indústria de dietas também é um fator que ajuda nesse problema. De acordo com a empresa de consultoria Grand View Research, o mercado de gerenciamento de peso movimentou 132,7 bilhões apenas em 2021, e deve crescer 9,7% até 2030. O site alega que um dos principais fatores desse crescimento é a rápida adoção de programas de controle e perda de peso on-line e a promoção de bebidas, suplementos, exercícios e procedimentos cirúrgicos. 

Mas não são apenas pessoas que seguem dietas restritivas as vítimas dessa indústria. “Não é necessário participar de uma dieta ou deixar de comer certo tipo de alimento para participar dessa cultura. A relação íntima de cada ser com a alimentação é totalmente manchada quando ela passa a ser apenas pela perda de peso. Comida é muito mais do que isso”, explica a nutricionista e especialista em transtornos alimentares, Janaína Souza.

Jornada de Mirian Bottan, jornalista e criadora de conteúdo no perfil @mbottan
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Jornada de Mirian Bottan, jornalista e criadora de conteúdo no perfil @mbottan

Uma das vítimas dessa cultura controversa foi a jornalista e produtora de conteúdo, Mirian Bottan. “Eu cresci nos anos 90, e na minha pré-adolescência, tínhamos aquelas modelos muito magras dos anos 2000, a estética que era idolatrada naquele momento e que infelizmente a gente está vendo voltar agora.”

Dos 5 aos 12 anos, Mirian participou de concursos de beleza infantil, fato que, segundo ela, agravou seus problemas de autoestima. Aos 12, ela já escrevia as próprias medidas no diário, alegando que “precisava emagrecer”. 

Nessa época, a jornalista decidiu, sozinha, que precisava perder peso por conta própria. “Eu pegava aquelas dietas prontas de revista, que vinham com cardápios. Eu ia para o dentista, via uma página de dieta e levava para casa, escondido.”

Mas o desejo pelo corpo perfeito não parou nas dietas: Mirian começou a restringir a própria alimentação. “Comecei a negar as coisas. Falava: ‘Ah, não, não quero pôr manteiga’, ‘não, não quero comer isso’. Comecei a cortar coisas que no imaginário popular, engordavam. Se o cardápio falava duas fatias de pão, eu comia uma. E assim, fui diminuindo cada vez mais.”

Assim, a compulsão alimentar nasceu na rotina da profissional. “Eu comecei a ter episódios de compulsão alimentar. Eu passava alguns dias fazendo ‘direito’, comendo pouco, comia salada e pouca carne. Num certo momento, eu abria a geladeira, via um pacote de bolacha e comia, duas, três, quatro, e acabava o pacote e nem via. Tomava três, quatro copos de achocolatado, até ver que tomei um litro e ficava desesperada, não sabia o que fazer. Sentia dores, incômodo físico mesmo.”

Depois da compulsão, Bottan desenvolveu bulimia: aos 13 anos, ao se deparar com uma matéria sobre o transtorno, ela passou a acreditar que seria “mais fácil vomitar depois a comida do que não comer”. Os comportamentos bulímicos traziam uma certa “sensação prazerosa” para a produtora, já que transmitiam um sentimento de “reversão do descontrole” depois dos exageros alimentares. “Gera um vício.”

No auge da adolescência, Mirian chegou a pesar 38 quilos, valor muito menor que o recomendado por nutricionistas. Além de sua saúde, que estava completamente afetada, a jornalista teve outros aspectos de sua vida prejudicados pelos transtornos alimentares.

“Eu perdi um ano na escola, eu deixei de sair com os meus amigos. Eu não fazia mais nada. Eu só ficava em casa. Eu só queria ficar em casa, comendo e vomitando.”

Quando Bottan iniciou o tratamento nutricional, surgiu outro problema: a ortorexia. Na busca por uma alimentação mais regulada, a profissional trocou um “exagero pelo outro”. “Se eu não conseguisse treinar ou se eu não conseguisse comer certinho naquele dia, isso acabava com minha autoestima de uma forma extrema, onde eu pensava: ‘Sou uma inútil. Eu não consigo fazer nada’. Se eu fracassasse na dieta, eu tinha fracassado na minha vida.”

Com o apoio de seu parceiro, a mudança cultural em torno da positividade corporal e com ajuda psicológica, Mirian conseguiu sair desse ciclo vicioso. Para ela, a palavra que resume esse processo é ‘equilíbrio’.

A jornalista reflete que é importante entender que não é necessário estar em guerra com o próprio corpo, e que mudanças alimentares acontecem. “Não é como se fosse: ‘eu vou chegar ali no equilíbrio’ e pronto, estou equilibrada para todo sempre, porque a vida muda, né? Quando a gente vai trabalhando em nosso psicológico, a gente vai ter um pouco mais de paz e liberdade com a gente com o nosso corpo.”

A visão de Mirian é apoiada por nutricionistas. “A principal mudança que deve ser feita para uma relação saudável com a comida é não classificar os alimentos como bons ou ruins. Sabemos que há alimentos que não são indicados comer todos os dias por serem mais calóricos, mas não devem ser proibidos. Comer de forma equilibrada, com mais atenção e sem culpa”, finaliza Juliana Rangel.


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