Durante uma pane no metrô de São Paulo, Keyla (Gabriela Medvedovski) entra em trabalho de parto e recebe a ajuda de outras quatro adolescentes que até então não conhecia: Lica (Manoela Aliperti), Tina (Ana Hikari), Benê (Daphne Bozaski) e Ellen (Heslaine Vieira). O nascimento de Tonico marca o início da amizade entre as cinco protagonistas de 'Malhação: Viva a Diferença (2017)'.
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Seis anos depois, já adultas, a vida levou cada uma para um caminho. E é no velório da mãe de Tina que as cinco vão se reencontrar e retomar os laços. A cena acontece logo no primeiro episódio de 'As Five', série original do Globoplay derivada da novela teen . A segunda temporada do spin-off acaba de estrear no serviço de streaming.
O contraste entre o nascimento e a morte é simbólico para ilustrar as transformações que as jovens estão passando durante a transição da adolescência para a vida adulta. Os dilemas mudaram, e o presente lembra que o tempo voa. A trama retrata a chamada "crise dos 20 anos", fase em que tudo evolui muito rápido e chega a hora de tomar decisões importantes que vão nos acompanhar para o resto da vida.
Quando assumiu a direção de As Five, Dainara Toffoli tinha um desafio: como trazer novas narrativas a personagens já queridinhas pela audiência, agora em outra fase da vida, com linguagem e abordagem diferentes e conversando com um público mais velho? Em 2018, a novela escrita por Cao Hamburger (criador do 'Castelo Rá-Tim-Bum') chegou a ganhar o prêmio de melhor série no Emmy Internacional Kids, prêmio inédito na TV Globo.
"Eu acho que esse é o segredo do sucesso da série: a gente não ter ficado parado no tempo com as personagens", avalia a diretora em entrevista ao iG Delas . E não só as personagens estão amadurecendo, como as atrizes e o público, também. "A gente está crescendo com elas e entendendo quais são os novos desafios que elas vão ter nessa idade", completa.
Desde Malhação, houve uma preocupação do autor com a representatividade na trama e a profundidade dos temas que seriam abordados. 'Viva a Diferença' falou sobre gravidez na adolescência, distúrbios alimentares, Transtorno do Espectro Autista (TEA), orientação sexual, violência contra a mulher, racismo e luta de classes.
"É muito gostoso trabalhar com cinco mulheres totalmente diferentes entre si. Poder trazer para o público essas diferentes maneiras femininas de ver o mundo, de lidar com a questão da sexualidade, de lidar com o trabalho...", comenta Dainara.
Entre os trabalhos recentes da diretora, ainda está a primeira temporada de 'De Volta aos 15'. Estrelado por Maisa Silva e Camila Queiroz, o seriado da Netflix também fala sobre as mazelas do amadurecimento. Na trama, Anita é uma mulher insatisfeita com a própria vida que ganha a chance de ter 15 anos novamente.
"Também é uma obra derivada [do livro 'Depois dos quinze', de Bruna Vieira]. Eu diria que elas têm isso em comum. Quando a gente chega para trabalhar em cima de personagens que já têm um 'passado', a gente tem que ser muito fiel à musculatura, a como eles foram construídos, mas ao mesmo tempo, conseguir fazer com que eles amadureçam, com que evoluam", explica Dainara Toffoli.
"Eu acho que, na direção, a gente sempre pode trazer ainda mais riqueza ao roteiro. E junto com os atores, pensar em como deixar esses personagens com mais camadas, com mais detalhes sobre a personalidade, sobre o jeito que eles vão se relacionar. Trazer com a cena como eles vão se mover e com que tipo de olhar, como vão se posicionar. Tudo isso para trazer mais verossimilhança, fazer com que esses personagens existam de verdade".
Outra coisa que as duas séries têm em comum é o cuidado com a representatividade. Camila Queiroz e Maisa dividem o papel de Anita, que tem o cabelo cacheado e bastante volumoso. Para dar vida à personagem na fase adulta, a atriz de 29 anos precisou passar por uma mudança no visual e modelar os fios lisos — praticamente o "inverso" do que estamos acostumadas a ver no audiovisual.
Mas, para além do tópico "estética", De Volta aos 15 também abraça a representatividade trans. A personagem Camila, melhor amiga da protagonista, é uma mulher trans, assim como a sua intérprete, Alice Marcone. Na primeira fase, conhecemos Camila como César, um homem cisgênero gay vivido pela atriz Nila, que é uma pessoa trans não-binária.
"É muito bom trabalhar em obras que trazem essas questões de um jeito que pode servir como um espelho para quem está vivendo isso", diz Dainara. "Eu acho que o entretenimento é muito disruptivo, ele é sim uma maneira de mudar a nossa sociedade. E a gente, como realizador, tem que usar esse espaço para seguir abrindo o caminho".
Novela X série
Não foi só a vida das protagonistas de As Five que passou por mudanças — o formato também mudou: o que era novela virou seriado. Uma história que antes era contada em cerca de 200 capítulos, agora precisa ser compactada em dez episódios por temporada. "A gente dá mais saltos no tempo e tende a tentar explicar menos. A novela é muito baseada no diálogo", cita a diretora.
Questionada sobre as principais diferenças entre os dois formatos, ela responde bem-humorada: "Numa novela, durante um capítulo, a pessoa pode estar, sei lá, mandando mensagem pelo celular enquanto está assistindo, às vezes, vai no banheiro e volta. Na novela, isso é possível; na série, não. Você quer que o público grude na tela e vai construir a dramaturgia a fim de que ele não pisque até acabar. E quando acaba, ele ainda fica assim… fica rodando aquela 'coisinha'... quando ele vê, já está na terceira cena do outro episódio".
E mais: "Tem outra questão: a novela é uma obra aberta", continua. É como se os telespectadores escrevessem a história junto com o autor. A audiência e o sucesso com o público podem levar a mudanças no roteiro e definir o desfecho da trama e quais personagens ou núcleos merecem mais ou menos destaque.
"Já a série, a gente está com ela montada, pronta quando vai ao ar. Então a gente tem que fazer todas as apostas antes, fechar o pacotinho, botar o laço mais bonito e entregar para o público que vai assistir; às vezes de uma vez só".
Além disso, no mercado de streaming , a disputa pela atenção dos consumidores ganha cada vez mais concorrência, e eles ficam cada vez mais exigentes... "As pessoas se apegam. Elas querem uma obra de qualidade, com consistência. E se não acontece, a gente é que é culpado", brinca Dainara.
Por trás das câmeras
Gaúcha, Dainara Toffoli é formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Ainda na faculdade, debutou como estagiária no curta 'Ilha das Flores' (1989), de Jorge Furtado, produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre. Mas foi na publicidade que ela construiu carreira, antes de deslanchar na cena do audiovisual brasileiro.
Dainara conta que também estudou roteiro para virar diretora. "Era mais difícil você ser chamada para dirigir sendo mulher. O que nós estamos vivendo hoje de questões de representatividade, tanto nas telas quanto atrás delas, é recente. É um fenômeno de quatro anos para cá", afirma.
Ela divide com Luís Pinheiro a direção das duas temporadas de 'Manhãs de Setembro' (Prime Video). A série estrelada pela cantora Liniker conta a história de Cassandra, uma mulher trans que descobre ser mãe de um menino pré-adolescente. A produção concorre ao prêmio de Melhor Série Dramática na 34ª edição do GLAAD Media Awards, importante premiação dos Estados Unidos criada para reconhecer e homenagear representações justas e inclusivas da comunidade LGBTQIAPN+.
Desde 2006, a diretora e roterista conduz ao lado da irmã gêmea, TatianaToffoli, uma produtora audiovisual que realiza projetos para televisão e cinema.
No currículo de Dainara Toffoli, também está o longa-metragem 'Mar de Dentro'. Criado, dirigido e coescrito por ela, o filme lança um olhar sensível sobre o puerpério , período entre 40 e 60 dias contados após o parto e que compreende a readaptação física e psicológica da mãe com o nascimento do bebê. O longa, protagonizado pela atriz Monica Iozzi, foi lançado nos cinemas em 2022 e atualmente está disponível no Telecine Play.
Ela conta que ficou dez anos tentando levantar recursos para fazer com que a ideia saísse do papel. "Eu ouvia muitos 'nãos'. As pessoas falavam: 'Nossa maternidade? Isso não dá um filme'. Nos últimos anos, quantas produções dirigidas por mulheres ou produzidas por mulheres não foram feitas sobre esse tema? É infinita a quantidade de coisas que você pode falar sobre maternidade", declara.
"Para a sociedade, é imoral, não é de bom tom ou é grosseiro você falar sobre menstruação, gravidez, puerpério", completa. Dainara queria uma produção que pudesse contar um pouco sobre a sua própria experiência com a maternidade. "Não é um documentário sobre a minha vida, não foi exatamente assim que eu experimentei a maternidade. Mas a maternidade me despertou esses temas, sabe?".
Mercado de trabalho e protagonismo feminino
Assim como muitas mulheres, a diretora e roteirista percebeu que muitas portas se fecharam no mercado de trabalho quando ela engravidou do primeiro filho. "Quando a minha barriga começou a aparecer, ninguém mais me chamava para fazer absolutamente nada. E daí eu me lembro que eu voltei a filmar publicidade quando meu filho tinha quatro meses e meio. Teve um período de pré-produção que eu fiz um dos comerciais mais bonitos que eu já fiz em toda a minha vida. Você acha que no outro dia tinha um orçamento batendo na minha porta? Não. Demorou vários meses, então eu tive que reconstruir minha carreira inteira. E nesse momento eu vi várias mulheres desistirem", comenta.
Quando se volta para encontrar o que as suas obras têm em comum, Dainara nota uma preocupação em criar retratos mais verossímeis da mulher, nas diferentes idades. "Eu acho que é como eu posso contribuir estando numa obra: ajudar a contar a história dessas mulheres, trazendo dignidade para as personagens, trabalhando com os conflitos, podendo aprofundar esses conflitos. Eu acho que é isso que eu busco, é isso que elas têm em comum".
E a boa notícia para quem é fã de As Five é que a série já está com a terceira temporada gravada, embora ainda não haja uma previsão de lançamento. Já a segunda tem episódios novos toda quarta-feira, às 21h.