Argentina e França disputam final da Copa do Mundo do Catar neste domingo (18)
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Argentina e França disputam final da Copa do Mundo do Catar neste domingo (18)

Neste domingo (18),  Argentina e França disputam a grande final da Copa do Mundo do Catar. E se tem um assunto que sempre volta à tona em época de grandes competições esportivas como essa é a vida sexual dos jogadores. Alguns especialistas defendem que a prática não atrapalha o desenvolvimento esportivo. Outros acreditam que transar antes dos jogos pode deixar os atletas desfocados, além de cansados e passíveis de sofrerem lesões, a depender da intensidade do ato.

Depois da goleada da Espanha contra a Costa Rica, por 7 a 0, na fase de grupos, o técnico espanhol, Luis Enrique,  deu carta branca para os seus atletas poderem curtir em Doha. "Considero o sexo importante e, como jogador, sempre que podíamos, eu e a minha mulher fazíamos o que tínhamos de fazer. Considero totalmente normal. Quer dizer, se o jogador vai para uma orgia na véspera de um jogo, não é o ideal", declarou ele durante uma live.

Mas afinal, faz sentido fazer jejum de sexo antes das competições? Transar atrapalha ou não o rendimento dos atletas? "Com relação a lesões, é extremamente improvável, absolutamente irrisório de acontecer, se pensarmos na incidência que isso eventualmente acontece. É claro que, qualquer lesão dentro de um evento esportivo de magnitude maior, é trágica, mas com relação ao sexo, isso não seria um motivo para o desaconselhamento. O desaconselhamento vem mais pela questão da perda de foco e do eventual desgaste físico", diz Warlindo Neto, especialista em Medicina Esportiva e médico do Time Brasil nas Olimpíadas do Rio 2016 e de Tóquio 2020.

"Ainda assim, com relação ao esforço físico, a gente está falando aí de uma média de três a quatro calorias gastas por minuto, ou seja, 100 ou 120 calorias no total — o que para um atleta de alto rendimento, ainda mais em uma modalidade como o futebol, é baixo. Isso muitas vezes pode ser comparado a um aquecimento pré-jogo. Agora, o principal motivo do desaconselhamento, além da perda de foco, é a falta de descanso. No geral, as relações sexuais acontecem de noite, as pessoas vão dormir um pouco mais tarde. Mas aí a gente está falando da véspera. Durante a competição em si, ainda mais em uma competição como a Copa do Mundo, os jogadores têm seu momento de folga. Na folga, isso dificilmente traria alguma preocupação com relação a foco, descanso ou esforço físico. Existem técnicos de alguns países que fazem a proibição por completo, por entenderem ser melhor dessa forma, mas a gente não tem nenhuma evidência científica de que isso vá trazer melhor ou pior performance dentro de campo", continua ele.

O nutricionista e preparador físico Robson Carvalho, especialista da Care Club, concorda. "Eu acredito que a prática sexual só vai impactar a performance esportiva se a duração e o gasto energético forem altos demais ou se também ocorrer em um horário que atrapalhe a recuperação pré-jogo. Imagina o atleta virando a noite e perdendo o sono… Se não for algo fora da “capacidade de recuperação” do atleta, provavelmente não trará nenhum impacto negativo. Mas não se trata apenas de uma questão biológica, tem também a questão psicológica e social. Então também pode afetar o emocional a depender da individualidade de cada atleta. Talvez a melhor resposta seja a moderação".

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Em 2018, o técnico Tite liberou a seleção brasileira para transar durante a Copa do Mundo da Rússia — porém, apenas em dias de folga. A decisão foi oposta à do então treinador da Alemanha, Joachim Löw, que não só proibiu relações sexuais, como também o contato com amigos e familiares. "A gente tem argumentos para defender os dois lados. Pode-se pensar que o sexo deveria ser evitado porque poderia desgastar a musculatura, deixá-la mais fraca. Ou então prejudicar a concentração, deixar o jogador mais aéreo ou desligado por estar mais relaxado. Um outro argumento que se tem é que, quando há uma associação da relação sexual com o uso de álcool ou de cigarros, mas principalmente com o prejuízo no sono, isso atrapalha o rendimento do atleta", explica o médico do Esporte e do Exercício Guilherme Dilda, coordenador do Departamento Médico do Santos e que já teve passagem pela equipe do Palmeiras.

"Ao mesmo tempo, a relação sexual antes de uma partida ou antes de uma competição pode sim relaxar mentalmente e fisicamente. Tem alguns estudos que mostram que manter relações sexuais com mais frequência tende a aumentar os níveis de testosterona. Pode relaxar a musculatura, a tensão muscular ou até fazer com que o atleta se sinta mais leve para competir. Proibir o contato com amigos e familiares é sim uma decisão mais radical, e aí não tem um estudo para a gente pensar se vale a pena ou não. Em uma competição que dura muitos dias, a carga emocional é muito grande e você precisa pensar em alguma forma de os atletas liberarem essa carga, que pode ser justamente o contato com a família. Mas também existe o momento certo para isso", complementa o também especialista da Care Club. 

Liberar ou não para transar?

Lá em 2014, Luiz Felipe Scolari, até então comandante da seleção canarinho, também liberou a prática sexual. "Se for sexo normal, sim. Se for normal é normal, não é lá em cima no telhado. Normalmente, o sexo normal é feito de forma equilibrada. Mas tem algumas formas, alguns jeitos e outras pessoas que fazem malabarismos. Isso aí não", disse ele à época. A opinião foi antagônica à que ele tinha quando treinou a seleção pentacampeã do mundo, em 2002. Na ocasião, Felipão gerou polêmica ao defender a abstinência sexual dos jogadores durante o torneio.

Dilda acredita que a questão temporal pode ter inteferido na mudança de opinião do técnico. "Afinal foram 12 anos de diferença e, em 12 anos, as pessoas podem mudar de opinião. Mas também tem muito a ver com a percepção que o treinador tem da equipe. Tem casos em que a gente quer um nível de relaxamento porque a tensão do atleta está muito grande, e a gente entende que, relaxado, ele vai competir melhor. Em outros casos, a gente quer que o atleta não relaxe tanto porque já está muito relaxado e não está com a cabeça focada para o objetivo, para a competição, e aí é preciso evitar distrações".

"A ciência traz muita coisa a nosso favor. Antigamente, tinha essa percepção de que o ato sexual era extremamente extenuante, e aí aos poucos, foi se vendo que ele era equivalente a uma caminhada leve ou um pouco mais intensa. E também os atletas têm o dia inteiro de folga, e não uma noitada. Então, não se espera que eles vão a baladas ou coisas assim, tudo tem limite. Não é para estar passando por nenhuma ação inusitada, o atleta que não tem parceira fixa ter diversas relações. Isso daí já está fora do escopo. Mas aquele que tem uma relação saudável, em que exista afeto e companheirismo, tem relação sexual com mais frequência, talvez possa sentir falta e isso pode trazer algum desconforto para ele, em especial do ponto de vista emocional, do ponto de vista físico não. Cada vez mais, ao longo dos anos, a saúde mental tem sido colocada como um pilar para o desempenho esportivo", acrescenta Warlindo Neto.

Em 2004, o ex-jogador de futebol Ronaldo Fenômeno, artilheiro do Penta, disse em entrevista à revista GQ que transar antes das disputas melhorava seu desempenho dentro dos gramados. "Já fiz sexo antes de partidas, apesar de os jogadores de futebol estarem concentrados e nem todos os treinadores permitirem. Mas nas vezes em que fiz sexo antes dos jogos meu desempenho foi muito melhor", declarou ele, que na época, atuava pelo Real Madrid.

Já Tom Brady, astro da NFL,  teria um ritual de abstinência sexual 24 horas antes dos jogos. Em decisões importantes, esse período poderia se estender para 72 horas. O jejum de sexo, inclusive, supostamente foi o estopim para o fim do casamento com Gisele Bündchen, segundo tablóides internacionais.  O relacionamento entre a supermodelo brasileira e o jogador de futebol americano teria "esfriado".

Para o preparador físico Robson Carvalho, essa divergência entre os atletas depende do "contexto psicossocial e da individualidade de cada um". "Cada um vive em uma situação diferente e está em contexto diferente, tem necessidades diferentes e tudo isso deve ser levado em consideração. A decisão é muito individual, varia muito de cada atleta, se ele se beneficiará ou não da prática", avalia o personal.

Mas será que existe mudança de um esporte para outro?

O médico Warlindo Neto ressalta que alguns esportes têm uma demanda energética maior e, outros, uma demanda energética menor. "Independente da modalidade esportiva, ela requer muito foco, muita atenção e muito preparo mental. E essa questão também passa muito pelo individual. Se a gente fosse pensar do ponto de vista geral, o futebol americano tem uma demanda energética alta, a depender da posição do jogador. Mas o quarterback [posição de Tom Brady], não tem uma demanda energética tão alta, talvez esse ritual esteja mais relacionado ao foco propriamente dito. No caso do Ronaldo Fenômeno, a gente está falando de uma modalidade [futebol] em que, muitas vezes, um lance pode definir a partida. Se transar, para ele, faz ter um desempenho melhor, isso é uma percepção dele, pode ser uma verdade. Mas como eu falei, a gente não consegue comprovar do ponto de vista científico que isso seja realmente benéfico", pontua.

"Uma coisa que a gente aprende é que o atleta gosta de criar um ritual para trazer um ambiente mais seguro mentalmente. Então, aquilo que ele fez uma vez e trouxe um desfecho positivo, levou a um bom desempenho, muito provavelmente, vai ser repetido outras vezes. Para o Ronaldo, talvez transar antes das partidas criasse um contexto que trouxesse confiança, ou que gerasse um desempenho melhor, e para o Tom Brady, o contrário. Ele talvez precisasse estar mais focado e não queria que nenhum fator tirasse a concentração dele. Aí é uma questão muito individual", concorda Dilda.

Durante as Olimpíadas de Tóquio 2020, surgiu um boato  de que a escolha das camas feitas de papelão tivesse sido pensada para evitar relações sexuais entre os atletas. A informação foi negada pela fabricante, que disse que o objetivo era ser sustentável. Mas a recomendação da organização do evento era de que os competidores mantivessem distanciamento social, por causa da pandemia de COVID-19. Ainda assim, a fim de promover sexo seguro, desde os Jogos de Seul, em 1988, são fornecidas camisinhas aos atletas.

"A gente sabe que, depois que os atletas terminam seus compromissos, seja porque receberam medalhas ou foram eliminados, eles têm um momento de desconcentração, às vezes se relacionam com atletas de outras modalidades, têm parceiros ou parceiras fixas. A liberação de camisinha tem muito mais a ver com uma questão de saúde (para evitar ISTs e outras) do que necessariamente estimular a prática. Os atletas que são de ponta são muito determinados. Não é à toa que estão aí brigando por medalhas. Eles também têm, entre outras coisas, um preparo mental e sabem que essa dispersão não é para o momento da competição, ela vai ser para depois", finaliza o médico da delegação brasileira nos últimos dois Jogos Olímpicos.

** Gabrielle Gonçalves é repórter do iG Delas, editoria de Moda e Comportamento do Portal iG. Anteriormente, foi estagiária do Brasil Econômico, editoria de Economia. É jornalista em formação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

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