A solidão da mulher negra diz respeito principalmente às relações amorosas, mas inclui outras formas de afeto
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A solidão da mulher negra diz respeito principalmente às relações amorosas, mas inclui outras formas de afeto






Muitas mulheres negras se sentem sozinhas e sem oportunidades de relacionamentos amorosos. É a partir desta realidade que o tema "solidão da mulher negra" no Brasil é discutido no meio acadêmico e na sociedade, buscando entender suas causas e soluções ao racismo e machismo estrutural  que ajudam a criar estas desigualdades afetivas.

Ana Carolina Franco é uma mulher negra, administradora, mãe solo e que se sente sozinha. "Tenho que arcar com boa parte das responsabilidades na criação da minha filha. Não tenho um companheiro ao meu lado que venha me dar apoio, inclusive do pai de minha filha, que logo encontrou uma mulher para se relacionar... Sinto-me sozinha e sobrecarregada”, desabafa.

A realidade de Ana Carolina é a mesma de outras mulheres negras. Dados do IBGE apontam que do total de 11,4 milhões de famílias formadas por mães solteiras, 7,4 milhões delas são mulheres negras. Desta forma, segundo levantamento, mulheres negras são maioria das mães solteiras no Brasil.  

O último censo do IBGE sobre “Nupcialidade, Fecundidade e Migração”, realizado em 2010, mostra que, entre os homens brancos, 73,7% se relacionam em uma união estável com mulheres brancas, 21,1% são casados com pardas e apenas 4,6% com mulheres negras.

Ainda segundo o censo, de 2000 e 2010, anos que os censos foram realizados, as uniões afetivas levando em conta a cor ou a raça não se alteraram. Em 2010, 69,3% das pessoas com dez anos ou mais de idade, uniram-se a outras de mesma cor. Em 2000, eram 70,9%. Durante o estudo,  52,52% das mulheres negras entrevistadas pelo IBGE não estavam em um relacionamento amoroso.

Resumidamente, quando se trata de relações amorosas no Brasil, pessoas brancas tendem a se relacionar entre si. Quando se trata do relacionamento de mulheres negras com homens negros, pesquisas realizadas na cidade de São Paulo, pela pesquisadora Claudete Silva em 2008, apontam que os homens negros tendem a preferir se relacionar com mulheres brancas. 

Tanto entre homens brancos ou negros, os dados mostram que mulheres negras estão sujeitas a ser segunda opção na preferência nos casos amorosos. Com isso não é raro conhecer mulheres negras adultas que nunca tiveram um relacionamento afetivo sério, independente da cor dos homens com quem se relacionam.


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Flay Alves, colunista da Revista Azmina, explica que esta realidade ocorre quando mulheres negras são vistas como objetos sexuais e não para laços afetivos ou românticos, tais como casamento e relacionamento assumido publicamente para a família e sociedade.

A colunista também fala da existência de um padrão de beleza para relacionamentos que exclui as mulheres negras . Este padrão é divulgado nas propagandas de TV, na valorização dos filmes, novelas e revistas quando apenas mulheres brancas participam ou tem os papéis artísticos principais.

“A solidão afetiva não chega na nossa vida por meio de situações isoladas. São situações cotidianas e repetitivas. É ser frequentemente buscada apenas para relações sexuais; o que reforça a hipersexualização dos nossos corpos, é carregar expectativas de andar de mãos dadas ou ser apresentada para o namorado da família”, explica. 

A escritora feminista norte-americana  bell hooks  aborda este tema ao falar que mais do que qualquer grupo de mulheres na sociedade, as negras têm sido consideradas “só corpo, sem mente”. Para a autora mulheres negras são vistas apenas com um olhar sexual e isso seria uma consequência do período da escravidão, no qual elas eram violentadas sexualmente para engravidar e gerar novos escravos.

As mais vulneráveis

Se por um lado as mulheres negras são as que menos têm oportunidades de relacionamentos afetivos, por outro lado, são as maiores vítimas de estupro e feminicídio. Enquanto a taxa de homicídio de mulheres não negras caiu 11,7% entre 2008 e 2018, a taxa de homicídio de mulheres negras aumentou 12,4% no mesmo período.  

Dados mais atualizados do anuário 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)- um dos levantamentos mais completo- apontam que  a maioria das vítimas de feminicídio continuam sendo mulheres negras, em 2020. Sendo 61,8% negras, 36,5% brancas, 0,9% amarelas e 0,9% indígenas. Da mesma forma, este mesmo relatório apontou que as mulheres negras também são as mais vulneráveis ao estupro (50,7%), seguidas de brancas (48,7%), amarelas e indígenas (ambas com 0,3%).

A colunista da AzMinas explica que a falta de opção faz com que muitas mulheres negras aceitem ou acabem em relacionamentos violentos. “Se uma mulher não tem a oportunidade de viver um relacionamento, sobretudo saudável, e saber o que é ser de verdade amada e bem cuidada, ela não terá um exemplo e aceitará o que vier”, explica. 

A solidão também está em outras lugares

Apesar do termo da solidão ser direcionado para as relações amorosas das mulheres negras, para Flay ela também acontece em outros lugares, como a universidade e o mercado de trabalho. Para a colunista, as mulheres negras também se sentem sozinhas em outros espaços. “Somos minorias nos espaços educacionais e nas empresas também nos sentimos sozinhas”, explica. 

A pesquisadora acredita que a solução para a superação da solidão da mulher negra continua sendo a criação de políticas públicas de educação, espaços de debates sobre o tema  e oportunidades no mercado de trabalho. 

"Os dados do IBGE demonstram que além da raça ser predominante nas oportunidades de relacionamentos, o grau de escolarização e educação também influenciam nas escolhas. Ambos avanços podem auxiliar para caminhar no sentido dar visibilidade a situação e se refletir sobre isso, para aos poucos gerar mudanças de comportamento", finaliza.



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