O tráfico internacional de mulheres é uma realidade mundial. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para o Combate às Drogas e ao Crime (UNODC), mulheres e crianças representam 82% das vítimas de tráfico de pessoas no mundo, sendo o Brasil o país com maior incidência na América do Sul. Ariane Leitão, autora do livro “Tráfico de mulheres” e especialista em direitos humanos, diz que o Brasil é reconhecido no crime de tráfico de mulheres como um país que exporta mulheres.
“Muitas dessas mulheres estão em condição vulnerável no mercado de trabalho, desprovidas de base familiar, negras e pardas, vítimas de violência de gênero, que acabam caindo nestas propostas com o sonho de melhorar de vida”, explica.
Por conta deste tema não ser muito discutido publicamente, muitas mulheres não conseguem reconhecer quando estão em perigo com uma oportunidade falsa de proposta de trabalho. Realidade que Olívia* também passou ao ser recrutada para "trabalhar" em sua área de estudo na Turquia.
“Foi algo inesperado porque, na verdade, não temos informações sobre tráfico humano, sobre tráfico de mulheres. A gente não ouve falar sobre isso, não tem noção do que pode acontecer”, comenta a vítima.
Quase traficada para a Turquia
Olívia* lembra que conheceu uma mulher que sempre a sondava em suas redes sociais, que se dizia de origem simples como ela, buscando uma identificação com a mesma. Na época, a jovem cursava dança e falava muito nas redes sobre a cultura brasileira na dança contemporânea, o que atraiu os olhos da recrutadora que sempre a parabenizava pelos posts.
Certo dia, Olívia foi convidada por esta mulher para trabalhar em um projeto social com dança na Turquia, durante seis meses, tendo a oportunidade de dançar e ainda dar palestras. "Mandei meu documento para ela, tudo em cima da hora, assinei contrato, mandei documento para o consulado para Turquia, fiz tudo na correria para dar certo”, comenta.
A bailarina, que na época era estudante, pensou em abandonar tudo pela oportunidade de trabalho internacional. “Eu morava numa casinha na favela, ia trancar minha faculdade para correr em busca deste sonho que ela construiu na minha cabeça. Faltando três dias, eu não tinha roupa e grana, então comentei com ela o que eu faria e ela disse: 'Você não precisa disso, chegando lá vamos te dar uma ajuda de custo', declara.
Você viu?
No entanto, um dia antes da viagem à Turquia, uma amiga ligou para ela perguntando porque estava sumida e ela comentou que estava indo trabalhar na Turquia. Neste mesmo momento, a amiga começou a achar estranha a proposta e interrogou:
“Ela me perguntou: você vai se prostituir? Eu fiquei muito braba porque não era meu objetivo. Neste momento minha amiga ligou para uma amiga nossa, uma bem mais velha, e esta me ligou e disse que eu não deveria ir, mandou eu entrar para dentro de casa e me trancar”.
Esta amiga explicou para Olívia que a mulher que estava lhe contratando era uma grande traficante, uma das maiores do Brasil, e que quando ela chegasse lá o seu passaporte seria tirado e seria explorada sexualmente.
Com medo de sofrer represálias, a vítima se isolou. “Eu comecei a ter depressão, fiquei muito traumatizada com o depoimento das meninas que conseguiram retornar, eu só andava com tudo coberto para não me reconhecerem, eu andava pouco na rua”, desabafa.
Depois do episódio, Olívia ainda recebeu um conjunto de ameaças por conta da rede criminosa de tráfico internacional de mulheres.
Tráfico Internacional de mulheres no Brasil
De maneira geral, o tráfico de pessoas consiste no ato de comercializar, escravizar, explorar e privar vidas, caracterizando-se como uma forma de violação dos direitos humanos e, sobretudo, das mulheres.
Segundo estudos feitos pela OMT (Organização Mundial do Trabalho) o tráfico humano movimenta cerca de US$ 32 bilhões por ano, nas quais 79% das vítimas são destinadas à prostituição , em seguida ao comércio de órgãos e à exploração de trabalho escravo em latifúndios.
Um total de 63,2 mil vítimas de tráfico de pessoas foram detectadas em 106 países e territórios entre 2012 e 2014, de acordo com o relatório publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). As mulheres têm sido a maior parte das vítimas, destinadas à exploração sexual.
Para Ariane Leitão, o problema do tráfico de pessoas está relacionado com as condições precárias de vida das mulheres vulneráveis, sendo necessário, portanto o fortalecimento das políticas públicas.
“No final do governo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou um plano para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, se aprofundando nos governos Lula e Dilma com foco mais nas mulheres. O fortalecimento de políticas públicas para as mulheres, vinculadas ao mundo da educação, são fundamentais”, acredita a especialista.
Além disso, para a especialista, um dos principais desafios atuais para acabar com os grupos criminosos ligados ao tráfico são as diversas ligações e setores que fazem parte desta operação criminosa.